ODS 1
Baía de Guanabara celebra despoluição que não aconteceu
Vinte cinco anos depois da assinatura do primeiro contrato, um legado de dívidas e descrédito
Três siglas que remetem a um passado já distante ainda pairam como fantasmas em planilhas orçamentárias no governo do Estado do Rio: JBIC-BZ-P9, 782/OC-BR e 916/SF-BR. Os códigos se referem aos empréstimos do famoso Programa de Despoluição da Baía de Guanabara (PDBG), cuja assinatura, por Leonel Brizola, completou 25 anos no último dia 3 de março. Após oito governos e um rosário de obras inacabadas e reiteradas promessas vazias, restou aos fluminenses pagarem os juros milionários da intervenção ambiental que ganhou notoriedade por representar um flagrante fracasso. Com aporte de mais de R$ 2 bilhões (valores atualizados) do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) e a da Jica (Japan International Cooperation Agency), organização japonesa de fomento ao desenvolvimento, o primeiro grande programa de recuperação ambiental da Baía de Guanabara foi incapaz até mesmo de inaugurar uma nova era de transparência na aplicação de recursos e no acesso às informações.
[g1_quote author_name=”Rosani Cunha” author_description=”Procuradora de Justiça” author_description_format=”%link%” align=”left” size=”s” style=”simple” template=”01″]Vejo a mesma novela se repetir há 12 anos: ou dizem que não há dinheiro ou que o Tribunal de Contas suspendeu a licitação. É impossível saber de fato os avanços físicos das obras na última década
[/g1_quote]O cidadão que busca saber como andam os funcionamentos das estações de tratamento de esgotos construídas ou reformadas pelo PDBG não tem vida fácil. Eu resolvi tentar a sorte. No dia 3 de dezembro de 2018, entrei na Agência Reguladora de Energia e Saneamento Básico do Estado do Rio de Janeiro (Agenersa) com ofício pedindo as vazões média de tratamento de Alegria, Sarapuí, Pavuna, Icaraí, Paquetá, São Gonçalo, Penha e Ilha do Governador. Com base na Lei de Acesso à Informação, solicitei os dados em um prazo de 20 dias. Como até hoje aguardo um retorno, penso que o órgão responsável por regular o saneamento fluminense talvez não saiba bem o que fazer. A Agenersa tem 70 funcionários, dos quais 8 são concursados (11,4%), e seu presidente, José Bismarck Souza, costuma dizer que zela pela transparência.
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Veja o que já enviamosO PDBG tinha como base cinco diretrizes, abrangendo saneamento, drenagem, resíduos sólidos, projetos ambientais e mapeamento digital. Basta ver a realidade dos 16 municípios da bacia hidrográfica da Guanabara para verificar que pouca coisa se salvou. A estação de esgotos de São Gonçalo, da Cedae, exprime o descalabro: inaugurada ainda em 1998 – e reinaugurada em 2014 – opera praticamente com vazão nula. Um inquérito da Polícia Federal, de 2017, apontou que em quase todas as estações do entorno da Guanabara (exceção de Alegria, no Caju) os efluentes saem das plantas com qualidade abaixo da crítica. Trocando em miúdos, entra esgoto e não sai água limpa.
É verdade que se a Guanabara tem hoje oito das principais estações de tratamento de esgotos, isso se deve ao programa. Como também é verdade que, mesmo se o programa tivesse sido um case de sucesso, ele não despoluiria a Baía, dada a enorme complexidade da tarefa. Tóquio e Sydney, por exemplo, levaram décadas, mesmo tendo investido muito mais. Ressalvas feitas, o balanço é inegavelmente bastante frustrante.
“Vejo a mesma novela se repetir há 12 anos: ou dizem que não há dinheiro ou que o Tribunal de Contas suspendeu a licitação”, lamenta a procuradora de Justiça Rosani Cunha, autora de uma ação civil pública sobre o PDBG, em 2007. Das 24 obras importantes do programa, houve pactuação, entre MP, governo e Cedae, para a realização de quatro prioritárias. O termo de mediação foi assinado há quase seis anos, na segunda instância judicial. Nada avançou. Para ela, só haverá avanços efetivos com verbas amarradas ao orçamento estadual e com empenho garantido. Hoje atuando como articuladora do Grupo de Atuação Especializada em Meio Ambiente (Gaema), do Ministério Público Estadual, Rosani lamenta a profusão de “informações desencontradas” fornecidas pelos órgãos ambientais. “É impossível saber de fato os avanços físicos das obras na última década”, resume.
Rosani avalia que a sociedade precisa saber que tratar esgoto é sinônimo de garantia de qualidade de vida. Entre ambientalistas virou lugar-comum dizer que a cada real aplicado em saneamento, outros quatro são economizados na saúde. Na Baía de Guanabara, a Fundação Brasileira para o Desenvolvimento Sustentável (FBDS) e o Instituto Trata Brasil fizeram uma projeção alarmante. Num cenário de manutenção das condições atuais da baía, com avanço zero em tratamento de esgotos, entre 2018 e 2068 haveriam 33.333 novas internações hospitalares por conta de doenças relacionadas à poluição, o que geraria um custo total para a rede pública de R$ 7,4 milhões. Tratar a totalidade dos esgotos gerados na bacia da Baía de Guanabara demandaria R$ 46,19 bilhões, mas os benefícios superam os R$ 100 bilhões, resultando num balanço positivo de R$ 54 bilhões.
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Emanuel Alencar
Jornalista formado em 2006 pela Universidade Federal Fluminense (UFF), trabalhou nos jornais O Fluminense, O Dia e O Globo, no qual ficou por oito anos cobrindo temas ligados ao meio ambiente. Editor de Conteúdo do Museu do Amanhã. Tem pós-graduação em Gestão Ambiental e cursa mestra em Engenharia Ambiental pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj). Apaixonado pela profissão, acredita que sempre haverá gente interessada em ouvir boas histórias.
Enquanto a população continuar descartando lixo na baía, não haverá programa de despoluição que dê jeito na Guanabara. O mesmo acontece nos rios que banham a cidade de S.Paulo. É preciso investir em educação ambiental com urgência.