#SomosTodasMarielle: mulheres negras em luto e luta

Lideranças lamentam execução da vereadora do PSOL e prometem não se calar

Por Bibiana Maia | ODS 5 • Publicada em 15 de março de 2018 - 20:59 • Atualizada em 17 de março de 2018 - 15:35

A execução de Marielle Franco, de 38 anos, uma semana após as marchas do 8 de março, Dia Internacional das Mulheres, espalha um lamento, mas não cala as mulheres negras. Medo, tristeza e revolta dominam, mas há consenso de que a vereadora do Psol, a quinta mais votada da cidade do Rio de Janeiro, deixa um legado para quem fica e para quem vai chegar. É simbólico que antes do atentado no Estácio Marielle estivesse numa roda de conversa na Lapa, o evento Mulheres Negras Movimentando as Estruturas.

Daqui para frente, um enorme desafio em permanecermos vivas e vivos, sem deixar que o medo isole nossa fé

Foi depois da morte de uma amiga, vítima de bala perdida, que Marielle entrou para a política. Criada na Maré, complexo de favelas do Rio de Janeiro, Marielle graduou-se em sociologia pela PUC-Rio e obteve o mestrado em Administração Pública pela Universidade Federal Fluminense (UFF). Suas causas sempre estiveram ao lado dos direitos humanos, principalmente pró mulheres, negros, favelados e pessoas LGBT. Conheça mais sobre essa mulher e sua herança pelas palavras de seis lideranças negras.

Yasmin Thayná, cineasta, ao #Colabora

“Quando encontrava Marielle, e tínhamos uma admiração pela outra, a gente brincava: ‘você está arrasando demais por aí, fico só acompanhando, morro de orgulho’. Às vezes ela dizia isso pra mim, às vezes eu para ela. Mas o ponto comum desses elogios era sempre, em seguida, um encontro de humanização: Marielle era uma vereadora que a cidade elegeu. A cidade mesmo porque ela recebeu votos dos quatro cantos da cidade. Mas ela era uma mulher negra como eu. Tínhamos muitas coisas em comum. Inclusive um desejo de fazer um filme, algo do tipo, juntas. Estou devastada de uma maneira que nunca estive antes. Um sentimento muito forte de dor e revolta misturado. Sinal de um tempo que berra pelos golpes diários que envolve toda uma sociedade. Daqui para frente, um enorme desafio em permanecermos vivas e vivos, sem deixar que o medo isole nossa fé. Não sei bem dizer como vai ser. Vou preferir ouvir as nossas mais velhas. De tudo mesmo, sinto já uma saudade enorme dessa pessoa linda e majestosa que foi Marielle Franco”

Heloisa Helena Costa Berto, Yalorixá, ao Colabora

“Eu conheci Marielle na época da Vila Autódromo. Quando ela era responsável da coordenação de direitos humanos. Fui apresentada a ela e conversamos muito. Estivemos juntas envolvidas em outros atos de luta comum. Estou muito abalada. Me sinto perdida, receosa e furiosa. Uma gama de sentimentos diversos. Receio do que está aí e ontem quis provar sua força. Pisando em todos nós, querendo nos destruir e calar nossa voz. Isso pode significar o querer nos transformar em seres sem ação, escravos. Forças de intervenção federal foram colocadas no Rio. Marielle fiscalizava as ações da intervenção. Tinha feito denúncias e foi assassinada brutalmente. O dia é de dor, de receio, de incertezas. Nosso país passa por momentos em que o poder quer impor em nós estes sentimentos, para assim avançar no domínio e na regressão social. Em nome de tudo de bom que sempre representou Marielle, precisamos lutar. Precisamos nos unir e prosseguir com mais força”

Em nome de tudo de bom que sempre representou Marielle, precisamos lutar. Precisamos nos unir e prosseguir com mais força

Sabrina Martina, MC e poeta, ao #Colabora

“Conhecia  Marielle em 2016, lá no (Complexo do) Alemão, e foi um ano importante para mim. Tinha acabado de me formar na escola e não sabia o que ia fazer da vida. Entrei em projetos sociais dentro da favela e foi onde comecei a enxergar melhor como é difícil ser negro. Era ano de eleição e ia ter um debate com ela e o (Maracelo) Freixo. Ela chegou e eu até estranhei: mas uma vereadora mulher e preta? E, de lá pra cá, eu comecei a me encontrar com ela em muitos eventos. Eu acho que o que ela fez tocou muito a minha geração e a mim. Eu conhecia ela como pessoa antes de ser vereadora. Ontem vai ser um dia que vai ficar muito marcado. Foi muito duro, uma porrada. Quando descobri foi um choque grande. A gente está chorando, vai doer muito, mas a postura que ela teve como vereadora vai deixar um legado. Foi um recado grande para quem faz projetos assim, falando sua mensagem. A gente vive um genocídio. Mas, quando algo assim acontece com alguém que tem destaque como ela, serve para a gente ver que ter muito cuidado. Estou com medo, pelo meus familiares, meus amigos, minha juventude preta, porque os próximos podem ser nós. A gente está em 2018 com semelhanças a 1964.”

Coletivo Mulheres de Pedra, ao Colabora

“Cada uma chegou a conhecer ela de um jeito, de uma forma, umas através de rede de mulheres, por exemplo, mas o mais interessante é que ela sempre quis dialogar com a gente, sempre nos chamou para estar nas atividades dela. Ela sempre quis dialogar com os grupos, sempre. Enxergamos sua militância corajosa, forte, coerente, como única representante mulher preta dentro do PSOL, uma vereadora, um representante que ocupava uma cadeira e que dialogava diretamente pra gente, com a gente, era acessível, era real, era uma referência, teve um mandato ativo e entendemos que ela deveria ter recebido um cuidado maior pelo partido. Vemos que seu legado dá fome de lutar em um monte de mulher preta, lésbicas. Vai abrir espaços pra gente ocupar lugares de poder. Deu mais gana pra gente lutar”

 

Se você for negro e lutar pelos negros, você sempre acaba executado

MC Carol, em seu Instagram

“Estou buscando palavras porque eu só sinto ódio, só sinto raiva e muito medo. Realmente, eu não sei o que falar, mais do que nunca, eu estou me sentindo oprimida e fraca, eu tinha tantos planos este ano, e agora eu só tenho lágrimas e pavor. Marielle e Talíria me encorajaram a lutar, a ser mais forte. Elas estiveram na minha casa, onde conversamos por horas, sobre meus medos, minhas dúvidas. Eu estava tão segura, tão esperançosa depois de conversar com elas, hoje eu só sinto medo. Eu sempre senti, na verdade, por ser negra, por morar no morro, por andar à noite na rua, por ser mulher, por cantar funk, principalmente ‘Delação premiada’. Mas alguma coisa me dava força e esperança. Lá no fundo, algo me dizia que eu tinha que fazer, que eu tinha que gritar e falar mesmo. Que eu podia. Mas hoje eu tenho certeza que nada te protege, independentemente de quem você seja. Se você for negro e lutar pelos negros, você sempre acaba executado.”

Djamila Ribeiro, socióloga, em seu Instagram

 “E no dia 27 de janeiro de 2017, você me dava a honra de ser minha primeira entrevistada, no programa “Entrevista”. A partir daí, uma relação de carinho e admiração nasceu. Estou sem palavras hoje, meu peito dói, não consegui dormir, estou cansada de ver a gente ser escudo. Hoje vivo o luto. Mas, por tudo o que fizestes, seguiremos. Marielle, presente!”

Bibiana Maia

Jornalista formada pela PUC-Rio com MBA em Gestão de Negócios Sustentáveis pela UFF. Trabalhou no Fundo Brasileiro para a Biodiversidade (Funbio) e nos jornais O Globo, Extra e Expresso. Atualmente é freelancer e colabora com reportagens para jornais e sites.

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