A ativista digital Samela Sateré-Mawé vai ser mãe. Seu primeiro filho tem previsão para nascer daqui a dois meses, em maio. Será um menino. Perguntada sobre o nome, desconversava: “ainda não foi divulgado”. Pelas telas, onde demarca seu território de atuação política nas redes sociais, vinha chamando o curumim, durante toda a gravidez, de “guerreirinho Sateré e Pataxó”. Seu filho com Tukumã Pataxó é fruto de uma união de dois jovens que usam a comunicação como ferramenta de luta da juventude indígena; na véspera do Dia Internacional da Mulher, revelou o nome: Wynoã.
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A futura mãe já mandou um recado digital para o bebê. Escreveu em seu Instagram: “Fique à vontade, está protegido”. Neta de Zenilda Satére, uma liderança histórica do movimento indígena no Amazonas, Samela, hoje com 27 anos, seguiu os passos da tradição familiar, que é de mulheres guerreiras: “Durante anos, tentaram nos matar. Nos colonizar. Se reproduzir é uma forma de resistência”, analisa a gravidez, quando perguntada sobre a importância de colocar um novo indígena no mundo.
Quarta geração de mulheres Sateré-Mawe, a jovem ativista cresceu em um ambiente de resistência. A neta de Zenilda lembra que, desde muito jovem, frequentava reuniões de movimentos e de associações indígenas, além de participar de manifestações em Brasília, acompanhando a avó e a mãe, Regina Sateré Mawe.
Além de fundadora da Associação de Mulheres Indígenas Satére-Mawe (Amism), entidade de exímias artesãs, sua avó era uma defensora dos direitos das mulheres indígenas em contexto urbano – ela criou a entidade logo que chegou na capital amazonense, ao trocar a aldeia, a Terra Indígena Andirá-Marau, na fronteira dos estados do Amazonas e do Pará, pela cidade. A mãe seguiu o exemplo da matriarca e coube a neta dar continuidade a essa história de resistência.
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Veja o que já enviamosQuando sua avó comandava a Amism, no começo dos anos 2000, lutou pela reserva de vagas indígenas no ensino superior, o que foi institucionalizada no Amazonas quatro anos depois. Samela formou-se em biologia pela Universidade do Estado do Amazonas.
Ativismo pop
Foi durante a pandemia que Samela despontou como ativista digital. À medida que a crise sanitária se agravava no estado, aumentava as dificuldades da Amism de vender as peças artesanais das mulheres da comunidade em Manaus, onde fica a sede da entidade.
Passaram a produzir máscaras para gerar renda e doar o acessório para ajudar na prevenção do novo coronavírus entre os indígenas – população especialmente afetada devido a omissão do então governo Bolsonaro. “Foi uma forma de ressignificar o que estávamos vivendo”, lembra.
A jovem tomou à dianteira e passou a divulgar as máscaras com grafismos indígenas confeccionadas por ela e pelas parentes. Começou usando a rede social da Amism. Depois vieram as lives e, quanto mais visibilidade dava à causa indígena, mais Samela ia ganhando confiança em frente às câmeras. Descobriu então sua vocação: o ativismo digital: “A pandemia escancarou as portas da internet e nós entramos nesse universo, demarcando telas e ocupando as redes”.
Assim como muitos povos indígenas, Samela e Tukumã têm usado as redes sociais para atingir um público grande, dentro e fora do país. Como influenciadores digitais, eles têm juntos pouco mais de 400 mil seguidores no Instagram. Como comunicadora, Samela fez parte do Blog Jovens Cidadãos, criado pela Amazônia Real, uma agência de jornalismo. Foi também uma das apresentadoras do Canal Reload, feito por e para jovens, e criado para descomplicar as notícias: “Criamos vídeos didáticos para democratizar as informações”. Atualmente, faz parte da equipe de comunicadores da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib) e da Articulação Nacional das Mulheres Indígenas Guerreiras da Ancestralidade (Anmiga).
É pelas telas que denunciam crimes ambientais, discutem as mudanças climáticas, divulgam a cultura de seus povos e defendem seus direitos. O casamento de Samela e Tukumã, em agosto de 2023, foi um evento midiático e se transformou num fato histórico: foi a primeira fez que um casamento tradicional indígena foi reconhecido em cartório como uma união legítima pelas leis brasileiras.
Ela tem consciência que a guerra digital ainda vai ser longa, mas não tem medo do futuro: “Os desafios são justamente as minhas fortalezas: ser jovem, mulher e indígena”.