ODS 1
Por que ainda é tão difícil ver negras executivas no Brasil?
Pesquisa do Instituto Ethos mostra que apenas 0,4% dos cargos de CEO no Brasil são ocupados por elas
Pesquisa do Instituto Ethos mostra que apenas 0,4% dos cargos de CEO no Brasil são ocupados por elas
O Dia Internacional da Mulher celebra vitórias importantes, que trouxeram dignidade para a vida da mulher trabalhadora. Uma homenagem merecida às operárias que, no final do século XIX, militaram por direitos trabalhistas para as mulheres e por mais equidade entre os gêneros. No entanto, para as trabalhadoras negras de um modo geral e para as brasileiras, em particular, a igualdade de oportunidades e de condições dignas de trabalho ainda são utopias difíceis de se alcançar.
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Se vida de negro é difícil, como dizia a música de Dorival Caymmi – trilha sonora da novela “Escrava Isaura”, nos anos 1970, estrelada pela branca Lucélia Santos -, imagine quando as mulheres pretas cometem a ousadia de sonhar com um cargo de direção, daqueles que são descritos por siglas em inglês, como CEO e CFO. De acordo com a pesquisa “Perfil Social, Racial e de Gênero”, publicada em 2018 pelo Instituto Ethos, apenas 0,4% dos cargos de CEO no Brasil são ocupados por mulheres negras.
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Veja o que já enviamosMuitas vezes eu ia para uma reunião munida de informações desatualizadas. Boicote de um colega, para me fazer parecer menos capacitada. Faziam manterrupting (quando um homem interrompe uma mulher para repetir o que ela já estava dizendo), chamavam de menina ou questionavam minha escolha profissional
[/g1_quote]O relatório, resultado de uma avaliação realizada junto às 500 maiores empresas do Brasil, apontou uma grande desigualdade de gênero e raça nos cargos executivos no país. O estudo mostrou que negras e negros são 57,5% do total de aprendizes – vagas destinadas a jovens de 14 a 24 anos cursando até o ensino médio – mas, quando se chega apenas um patamar acima, o índice cai quase pela metade: eles são menos de 30% do quadro de estagiários (vagas destinadas a estudantes de nível superior).
“O que a gente pode apreender é que a população jovem negra tem mais necessidade de trabalhar e entra no mercado de trabalho em massa, mas não ascende na carreira por não ter estudado o suficiente.”, conclui a coordenadora desta edição da pesquisa, a professora Gabriela Santos, que é mestre em economia pela Fundação Getúlio Vargas e estuda a trajetória profissional de mulheres negras em empresas multinacionais de São Paulo. “O perfil exigido a partir do estágio já é excludente, fora da realidade social brasileira.”
Ela fala mais especificamente da preferência do mercado por qualificação extracurricular, estudantes de instituições federais e o domínio de outras línguas – quando apenas 3% dos brasileiros sabem falar inglês fluentemente. E são habilidades que a maioria das empresas pesquisadas não estão dispostas a compensar internamente: 88% das organizações ouvidas pela pesquisa não possuem programas de capacitação para funcionários.
De onde vem a exclusão?
Gabriela acredita que “as instituições comerciais vão refletir a sociedade em que elas estão inseridas”. Aqui no Brasil, isso significa que temos resquícios do processo de colonização, de 388 anos de escravidão, de uma democracia que, segundo a professora, não permitiu a realização de mudanças sociais consistentes, além de traços patriarcais que fazem parte da nossa dinâmica social.
“Apesar da Constituição dizer que não há diferença entre mulheres e homens”, diz ela, “na sociedade em termos culturais, de convívio, a mulher é afetada pela distribuição desigual do trabalho doméstico, por exemplo: é quem fica responsável pelo cuidado com os filhos, irmãos, com os pais, com a casa…”, o que já poupa os homens brancos e boa parte dos homens negros de um segundo turno de trabalho depois que voltam para casa.
Da base para o topo da pirâmide
Afinal, quem integra essa porcentagem? Entre o grupo quase exclusivo de diretoras executivas negras, está a atual CEO da Lacoste no Brasil, Rachel Maia. Em seu currículo constam instituições como a FGV, a USP e Universidade de Harvard. Ela é membro do comitê de presidentes da Câmara Americana de Comércio (Amcham), um comitê internacional que visa a influenciar as políticas econômicas para facilitar as relações comerciais entre o Brasil e Estados Unidos. Portanto, chegar ao topo da hierarquia empresarial não se trata apenas de êxito pessoal na carreira profissional, mas de acessar posições estratégicas de tomada de decisões e proporcionar mudanças consistentes no mercado global.
Presidente do Movimento Black Money no Brasil (MBM) e ganhadora do Prêmio 100 afrodescendentes mais influentes do mundo, Nina Silva considera que alcançar posições de influência traz uma grande responsabilidade com outras como ela. “É uma população que é colocada em serviços operacionais, não de direção. Quando colocamos espelhos em posições altas, fazemos com que a base se mova.” Atualmente, ela é gerente de projetos na ToughWorks, empresa de tecnologia da informação que busca promover equidade de gênero e racial como parte da missão da organização.
Ela já sentiu o desconforto de estar sozinha: “na área de liderança eu não tinha pares”. Enquanto subia de posição em sua antiga empresa e despontava na área de TI como uma das profissionais mais influentes do setor. “Durante 16 anos, em que eu estava na SAP (Sistemas, Aplicativos e Produtos para Processamento de Dados, do alemão) – que é uma empresa elitista, classista, e tem um sistema caro de implementar -, dificilmente esses cargos (executivos) eram ocupados por mulheres e nunca por colegas negras.”
Mesmo estando na posição de líder de sua equipe, ela reclama das tentativas – frustradas – de boicote. “Muitas vezes eu ia para uma reunião munida de informações desatualizadas. Boicote de um colega, para me fazer parecer menos capacitada.” Também havia as pequenas agressões, passivas e aparentemente inocentes “Faziam manterrupting (quando um homem interrompe uma mulher para repetir o que ela já estava dizendo), chamavam de menina ou questionavam minha escolha profissional”.
O MBM parte do princípio de que a sociedade negra precisa desenvolver as próprias instituições, ser dona dos próprios meios de produção, garantir a circulação de capital entre negros, e distribuir poder em mãos negras. Uma das iniciativas é o AfreekTech, que promove educação tecnológica de jovens negras de subúrbio e periferia. “Ganhamos um edital para que 40 alunas fizessem cursos de programação básica, modelagem de negócios”. A ideia é estimular a juventude preta para que eles evoluam em seus negócios de forma profissional e não apenas de maneira intuitiva.
Na avaliação geral por gênero, as mulheres (brancas e negras) ocupam 58,8% das vagas de estágio. Na função de trainee, sua presença diminui para 42,6% e ainda mais (35,5%) no quadro de efetivados. Fazendo o recorte racial, essa presença decai muito, fazendo com que as negras ocupem apenas 0,4% dos cargos de direção.
O Brasil é o país com a segunda maior população negra do mundo (só perde para a Nigéria), e as mulheres negras representam o maior contingente da população (27% segundo o IBGE). Por isso, mulheres negras em cargos de liderança podem rever a visão de empresas, propor mudanças internas que abram possibilidades de carreira para outras como elas. Para Nina, o mercado só teria a ganhar com mais mulheres negras em cargos de gestão: “Não entendo como as empresas não enxergam que são pessoas muito mais preparadas para lidar com qualquer conflito e gerir crises”, argumenta. “Nós alteramos a rotina de uma multinacional a partir da capacidade do olhar empático com as outras partes da pirâmide, e isso é uma habilidade de liderança.”
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Fotógrafa e estudante de Jornalismo pela UFF Niterói. Atualmente trabalha como freelancer. Sua paixão é o fotojornalismo e o cinema documental e suas maiores referências são João Roberto Ripper, Marizilda Cruppe e Fábio Caffe. É voluntária na equipe de comunicação da ONG Bem TV, e já colaborou com as plataformas Jornalistas Livres e Cuca da Une.