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Fábula de Carnaval: bloco de Olinda é cenário para primeiro encontro de irmãs
Depois de mais de 10 anos de busca, Jaqueline descobre meia-irmã Daniela pelas redes sociais: reunião presencial será na folia do Eu Acho É Pouco, bloco da família,
O carnaval é uma das épocas mais esperadas pelos pernambucanos. A festa tradicional é palco de alegria, descontração e muito frevo. O bloco Eu Acho é Pouco é uma das agremiações responsáveis por, há quase cinco décadas, animar as ruas de Olinda. Esse bloco é o pano de fundo de uma história inusitada: o encontro das irmãs Daniela Ramos e Jaqueline Medeiros, filhas do irmão dos fundadores da batucada do Eu Acho é Pouco. Jaqueline, filha mais velha do casamento de Adeildo Ramos com Made Guadalupe Medeiros, sabia que o pai havia tido uma filha com outra mulher e sempre teve interesse em conhecê-la. Com a morte do pai, em 2011, ela deflagrou uma busca pela irmã até encontrá-la pelas redes sociais, treze anos depois. As irmãs, que ainda não se encontraram pessoalmente, marcaram o encontro da família para o desfile do bloco em Olinda.
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Carnaval não é apenas folia. Também é um momento de colecionar histórias emocionantes que vão ficar para toda a vida. A numerosa família que a jovem Daniela Ramos, de 23 anos, ganhou do dia para noite é uma dessas histórias fora da curva que marcam muitos carnavais. De um dia para o outro, ela acordou com mais quatro irmãos, oito tios, 5 tias, 15 primas e 2 primos. Nascida em Campina Grande, maior cidade do interior da Paraíba, com 400 mil habitantes, Daniela é fruto do rápido relacionamento da mãe, Edineide Braz, de 50 anos, com o pernambucano Adeildo. Desde criança, a única informação que ela tinha sobre o pai era de que ele era casado e estava morando no estado onde nascera. “Quando eu era mais nova, senti vontade de conhecê-lo, mas eu pensava que a família dele não concordava”, relembra.
Na verdade, Adeildo morou durante um tempo em Pernambuco, mas voltou a Campina Grande com a família. Foi lá que Jaqueline Medeiros, mais velha dos quatro filhos que Adeildo teve com a esposa, começou a tentar encontrar informações sobre a meia irmã. Mas esbarrava na recusa do pai. “Um dia, quando a minha mãe estava arrumando o guarda roupa, encontrou uma foto de Daniela. Meu pai recebeu essa foto, no dia em que a mãe dela o procurou para que ele registrasse a bebê”, recorda Jaqueline, hoje com 42 anos. Ao ver esta foto, Jaqueline soube da existência da meia irmã e sentiu vontade de conhecê-la, mas o pai a proibiu.
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Veja o que já enviamosNo verso da foto, havia escrito o nome e a data de aniversário de Daniela. Com essas informações, Jaqueline emplacou a busca pela meia irmã nas redes sociais. “Eu colocava sempre Daniela Braz no Facebook, Instagram e não encontrava. Quando o meu pai faleceu, em 2011, eu intensifiquei as buscas”, recorda. Após muitas tentativas, Jaqueline experimentou a combinação Daniela Ramos. “Eu nunca imaginei que ela fosse usar o nome Ramos, que é do meu pai”, justifica.
Em dezembro de 2023, ela encontrou uma jovem com traços parecidos no Facebook. “Eu fui no Instagram e vi que nas fotos dela mais jovem era muito parecida com o meu pai. Quando fui checar a data de aniversário batia”, relembra. Jaqueline iniciou uma conversa com a irmã por mensagem e explicou toda a história. “Ela ficou em choque, pois descobriu que tinha uma família inteira da noite para o dia”, informa.
Hoje, Daniela vive e trabalha em João Pessoa, capital da Paraíba, onde estuda Psicologia. Há poucos meses na capital, a jovem diz jamais ter imaginado que a outra família do pai morava na mesma Campina Grande e gostaria de encontrá-la. “Eu fiquei triste, pois nada impedia que nos conhecêssemos”, lamenta. Jaqueline sabia que a irmã existia, havia nascido em 2000, morava em Campina Grande, e deveria ter idade aproximada a do seu filho mais velho, 22 anos. Ela tem outros dois de 21 e 16 anos. “Quando o meu filho mais velho foi cursar o ensino médio, no Colégio Manoel Prata, eu disse para ele não se aproximar de nenhuma Daniela Ramos, pois ela poderia ser a tia dele”, conta, sorridente.
Daniela conta que a mãe nunca escondeu a verdade sobre como ela foi concebida e contou com a ajuda da família para criá-la. “A minha mãe começou a trabalhar como empregada doméstica; eu cresci com os meus avós e os meus tios”, recorda. Edineide conheceu Adeildo a caminho do trabalho. Eles se relacionaram por poucos dias, até que ele pôs fim ao caso. Só após engravidar, Edineide descobriu que Adeildo era casado. Jaqueline relembra que, por muitas vezes, o pai punha em dúvida se era, de fato, pai de Daniela. “A minha mãe o rebatia e dizia que a menina [Daniela] parecia comigo”, rememora.
Jaqueline afirma que o pai tinha carne de carnaval e não perdia um dia sequer de folia. Mesmo morando em Campina Grande, Adeildo manteve a tradição de aproveitar o carnaval de Pernambuco e acompanhou o Eu Acho é Pouco até o último ano de vida. Já a filha não é muito dada à folia. Desfilou ainda criança no Eu Acho é Pouquinho, versão da agremiação tradicional para crianças, e nunca mais caiu na folia.
Depois do encontro virtual, Daniela foi colocada no grupo da nova família do Whattsapp, mas ainda não os conhece pessoalmente. O grande encontro está previsto para acontecer, no carnaval de Pernambuco, em meio à folia do bloco Eu Acho é Pouco, cenário para essa história de carnaval. “Eu marquei com as primas e a família toda para ir a Pernambuco no Carnaval para conhecer o bloco Eu Acho é Pouco”, explica Daniella.
O bloco desfila no sábado de Zé Pereira, 10 de fevereiro, com concentração na sede, que fica no bairro do Carmo, em Olinda. Fundado durante a ditadura, o bloco nasceu na crítica ao regime militar. Na sua tradição de combinar folia com mensagem política, o Eu Acho é Pouco, este ano, leva para as ruas o tema “Carnaval é floresta”, uma menção ao espírito de comunhão do bloco e à importância dos povos originários e da preservação da mata.
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Jornalista, nordestina do Recife. Tem experiência na cobertura de pautas investigativas, nas áreas de Direitos Humanos, segurança alimentar, meio ambiente e gênero. Foi assessora de comunicação de parlamentares na Câmara Municipal do Recife e na Assembleia Legislativa de Pernambuco. Foi assessora da Articulação Semiárido Brasileiro (ASA) e, como freelancer, contribuiu com veículos como O Joio e O Trigo, Gênero e Número, Marco Zero Conteúdo e The Brazilian Report.