Neto de agricultores pesquisa nanotecnologia e sustentabilidade

Davi e Júlia e um dos laboratórios da escola pública que forma cientistas do futuro. Foto Arquivo Ilum

Davi Araújo é um dos estudantes da Ilum Escola de Ciência, projeto público com a maior estrutura do país dedicada a formar cientistas do século 21

Por Adriana Amâncio | ODS 4 • Publicada em 4 de janeiro de 2024 - 08:45 • Atualizada em 30 de janeiro de 2024 - 09:16

Davi e Júlia e um dos laboratórios da escola pública que forma cientistas do futuro. Foto Arquivo Ilum

No Cerrado, onde nasceu e cresceu, no município de Barra do Corda, a 400 km do Maranhão, Davi Araújo, de 20 anos, via muitos obstáculos até a realização do sonho de ser cientista. A graduação em física, com os professores dos seus sonhos, estava a quilômetros de distância: “Eu só tinha aulas dos grandes mestres da ciência brasileira pelo Youtube. Não tinha dinheiro para viajar para eventos ou frequentar escolas de ponta”, relembra. Além disso, a disputa no vestibular com candidatos que haviam tido acesso a escolas com mais recursos pedagógicos e infraestrutura, não era nada equânime.

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Mas a esperança do jovem se mantinha acesa e era depositada na ponta do lápis, instrumento com o qual desbravava com facilidade até os cálculos de física mais complexos. A física é a área da ciência que sempre fez os olhos de Davi brilharem. Assim, o jovem de Barra do Corda conquistou oportunidades que traçaram o seu caminho até à graduação.

Ele cursou da pré-escola até o ensino médio em uma escola privada, com uma bolsa integral.  Fez o curso de Técnico em Informática no Instituto Federal do Maranhão (IFMA) e iniciou uma graduação em Física na Universidade Federal do Piauí (UFPI): “Até aí, eu poderia, no máximo, atuar como professor, fazendo uma licenciatura”, explica. Mas o negócio dele mesmo era ser cientista, fazer pesquisas na área de Física.

Foi ao conhecer a Ilum Escola de Ciência, criada em 2021, que oferece formação gratuita para cientistas do futuro, que Davi viu o seu horizonte mudar: “De repente eu estava em uma sala de aula com o Adalberto Fazzio, um dos maiores físicos do Brasil, docente do Instituto de Física da Universidade de São Paulo (USP), titular da Academia Brasileira de Ciências e oficial da Ordem Nacional do Mérito Científico”.

Davi conheceu a Ilum através de uma colega, que compartilhava informações sobre o curso no Instagram. Ele chegou à instituição em março deste ano e faz parte da segunda turma da escola, onde cerca de 40% dos alunos são oriundos do Nordeste.

Estudantes dispõem de equipamento tecnológico, incluindo aplicativos para trabalhar com ciência de dados. Foto Arquivo Ilum
Estudantes dispõem de equipamento tecnológico, incluindo aplicativos para trabalhar com ciência de dados. Foto Arquivo Ilum

Inscrições abertas

A Ilum está com inscrições abertas para o vestibular até o próximo dia 20 de dezembro, oferecendo 40 vagas, sendo metade para estudantes de escola pública. A instituição foi criada pelo Centro Nacional de Pesquisa em Energia e Materiais (CNPEM) e está localizada em Campinas (SP). Esses órgãos estão sob o guarda-chuva do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI) e são financiados pelos Ministério da Educação (MEC). Os estudantes aprovados têm acesso a passagem, equipamento de estudo – como notebook -, hospedagem e alimentação gratuitos.

O diretor da Ilum, o físico e membro da Acadêmia Brasileira de Ciências Adalberto Fazzio, afirma que a Ilum tem o seu formato de ensino alinhado à ciência do futuro. Segundo ele, essa ciência é de atuação prática, interdisciplinar e coletiva: “Um problema não só do Brasil, mas do mundo, é que os estudantes de ciência levam muito tempo para pensar em problemas e nas possíveis soluções”, explica Fazzio.

A Ilum, segundo ele, foi pensada para estimular esses cientistas a serem protagonistas do próprio aprendizado: “Criamos um Bacharelado que integra ciências da vida, ou seja, biologia, bioquímica, ciências da matéria, que é química e física e ciência de dados, ou seja, inteligência artificial e tecnologia, além de uma cadeira sobre humanidades”, destaca.

Fazzio explica ainda que 50% da carga horária do curso é cumprida em laboratórios. Uma dessas estruturas de estudo e pesquisa científica na área de física, é o Sirius, um espaço dedicado a estudar a estrutura da matéria em suas mais variadas formas e aplicações.

É nesta estrutura que Davi está empenhado no estudo da nanotecnologia: “Uma das soluções que mais me motiva nas pesquisas científicas, agora, é encontrar formas de disseminar o uso da tecnologia em várias soluções, em larga escala, com baixo custo e sustentabilidade”, explica. Esse problema para o qual a ciência do futuro busca respostas é o ramo no qual Davi espera realizar dois grandes sonhos: atuar na física e desenvolver soluções que melhorem a vida das pessoas, sem impactar negativamente o meio ambiente.

Outra nordestina que estuda na Ilum, Júlia Amâncio, de 18 anos, mora em Aracaju, Sergipe, tem interesse na área de fármacos. Os fármacos são soluções que interagem com os organismos com o propósito de tratar, diagnosticar, aliviar ou prevenir os sintomas de alguma doença.

Desde criança, a ciência despertava curiosidade: “Eu sonhava em mexer com os equipamentos de laboratório. Em saber como a ciência funciona”, relembra. Com o ensino interdisciplinar, que permite acesso aos laboratórios, Júlia faz planos para o seu futuro como jovem cientista: “Eu preciso fazer algo que possa impactar na vida das pessoas”, planeja. Prestes a entrar de férias, Júlia já se prepara para entrar em um estágio. Nesta etapa da formação, ela pretende ter contato com os laboratórios, trabalhar mais com química molecular.

Autonomia e produção coletiva são diferenciais

Com cerca de 50 anos de carreira acadêmica, Adalberto Fazzio acredita que os cientistas de hoje precisam se adequar à ciência atual. Ao relembrar o seu tempo de mestrando e doutorando, ele afirma que “só veio a pensar com a própria cabeça com quase 30 anos de idade”. “Eu fiz a graduação em três anos, mais dois anos de mestrado, mais três de doutorado. Então, eu só pensava nos projetos que me eram dados. Era uma visão muito carreirista. Eu peço que esses alunos não sejam um Adalberto Fazzio, tenham coragem de pensar em projetos muito mais cedo. Com certeza, eles terão mais sucesso”, aconselha.

O experiente cientista também aconselha os jovens que aperfeiçoem a inteligência emocional direcionada ao trabalho coletivo: “Eles têm que pensar que não existe mais aquele cientista que vai se trancar em uma sala e descobrir os problemas do universo. A quantidade de pesquisadores que assinam o projeto aumenta cada vez mais, a produção é coletiva”, observa. As soluções criadas pela ciência do futuro ousada, interdisciplinar, coletiva, tecnológica e sustentável terá ainda um olhar cada vez mais nordestino.

Adriana Amâncio

Jornalista, nordestina do Recife. Tem experiência na cobertura de pautas investigativas, nas áreas de Direitos Humanos, segurança alimentar, meio ambiente e gênero. Foi assessora de comunicação de parlamentares na Câmara Municipal do Recife e na Assembleia Legislativa de Pernambuco. Foi assessora da Articulação Semiárido Brasileiro (ASA) e, como freelancer, contribuiu com veículos como O Joio e O Trigo, Gênero e Número, Marco Zero Conteúdo e The Brazilian Report.

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