Indígenas Mbyá-Guaranis constroem futuros ancestrais pela educação

Curso de Educação Intercultural Indígena faz ponte entre saberes indígenas e universidade gaúcha

Por Micael Olegário | ODS 4
Publicada em 31 de julho de 2025 - 09:34  -  Atualizada em 31 de julho de 2025 - 17:46
Tempo de leitura: 5 min

Estudantes indígenas e público durante cine-debate sobre longa “Desterro Guarani”; curso de educação intercultural promove diálogo com o ambiente universitário e indígena – (Foto: Micael Olegário)

Santa Maria (RS) – “Nós vivemos entre dois mundos, o indígena e o não indígena”, afirma Leandro da Silva. Ele é um dos representantes da turma de 30 estudantes do curso Mbyá-Guarani Educação Intercultural Indígena, ofertado pela Universidade Federal de Santa Maria (UFSM) na sua primeira edição. Em um dia frio de inverno, os jovens indígenas ocupam o auditório do prédio 40A para um cine-debate sobre o filme “Desterro Guarani” (2011), produzido por Patrícia Ferreira Pará Yxapy e Ariel Ortega, dois membros do Coletivo Mbyá-Guarani de Cinema.

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Logo ao chegar e abrir a sala, um grupo de estudantes começa a tocar músicas tradicionais da cultura dessa etnia originária, uma das mais tradicionais da América do Sul. Em uma mesa na entrada do auditório, imagens da turma são expostas ao lado de livros e cartilhas de autores indígenas, como Ailton Krenak e Davi Kopenawa, além de obras sobre a cultura Mbyá-Guarani.

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“A Universidade dá oportunidade para termos essas ferramentas para buscar nossos direitos”, destaca Leandro, emocionado após a exibição do filme. Ao longo da exibição do longa, narrado em guarani e com legendas em português, é possível perceber o envolvimento dos estudantes indígenas com a produção que conta aspectos sobre a luta por território dos Mbyá-Guarani no Rio Grande do Sul. “Queremos ser protagonistas das nossas histórias”, acrescenta Leandro, revelando uma das motivações para a emoção.

Morador da Aldeia Guabiju, sobreposta ao município de Cachoeira do Sul (RS), Leandro foi um guaranis que contribuiu com o desenho do curso de licenciatura, inédito na UFSM. Ao todo, participam representantes de dez aldeias guaranis espalhadas pelo Estado. O objetivo é formar professores para atuarem em seus territórios, ou seja, para a construção de futuros baseados guiados também pela ancestralidade dos povos originários.

“Necessitamos que tenha um professor Guarani formado dentro da sala de aula, para que ele consiga trabalhar conforme a necessidade da comunidade, como os alunos guaranis”, explica Leandro. A estrutura da licenciatura intercultural foi pensada para mesclar aspectos sobre a formação básica de professores com aspectos da cultura Mbyá-Guarani.

Duas fotos coloridas. Na imagem da esquerda, Leandro aparece em pé e falando com o público. Ele é guarani e tem cabelo preto, usa um moletom bege e uma calça jeans. Na imagem da direita, Maikely é um mulher indígena de cabelo preto liso. Ela usa um casaco marrom e uma blusa preta com desenhos indígenas em amarelo e vermelho.
Leandro (esquerda) e Maikely (direita) fazem parte da primeira turma do curso de educação intercultural para formar professores guaranis – (Foto: Micael Olegário)

Oportunidade de estar na Universidade

Natural da aldeia Mato Preto, localizada na Reserva Indígena do Guarita, a maior do Rio Grande do Sul, Maikely Moreira decidiu fazer o curso de educação intercultural indígena como uma forma de conhecer o ambiente acadêmico. “O meu sonho era fazer uma faculdade de saúde da área, tipo enfermagem ou medicina”, conta a estudante indígena.

Mesmo sem ter sido sua primeira opção, Maikely reconhece participar de um momento histórico no curso Mbyá-Guarani. “É muito importante para a gente não perder a nossa cultura, a nossa língua e a nossa origem”, ressalta ela. Segundo ela, uma das características que contribui para isso é o diálogo constante em guarani durante as aulas.

O curso da UFSM faz parte do Parfor Equidade (Programa Nacional de Fomento à Equidade na Formação de Professores(as) da Educação Básica) e tem duração prevista de oito semestres ou quatro anos. A iniciativa é uma ação da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes) para formar professores em licenciaturas específicas, com foco em educação escolar indígena, quilombola e do campo, além de educação especial inclusiva e educação bilíngue de surdos.

Coordenador do curso, Vítor Jochims Schneider explica que o ingresso de novas turmas depende de outras edições do Parfor Equidade. Desde 2019 na UFSM, o docente aponta que essa têm sido uma das experiências mais marcantes de sua trajetória. “Dialogamos muito com a comunidade, em especial de Santa Maria, mas de outras aldeias também, para organizar a oferta. É um trabalho que demanda bastante tempo, deslocamento e capacidade de escuta e de fazer traduções entre o universo guarani e a universidade”, descreve Vítor. 

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Na entrevista ao #Colabora, Maikely comenta sobre o filme “Desterro Guarani” e a importância da preservação da natureza, um dos elementos que aparece no longa, principalmente, devido a relação intrínseca dos Mbyá-Guarani com a terra. Ela também fala sobre a ocupação do espaço universitário pelos indígenas. “Está sendo um momento bom pra mim, porque é a primeira vez que estou vindo na universidade”, acrescenta a futura professora.

Micael Olegário

Jornalista formado pela Universidade Federal do Pampa (Unipampa). Gaúcho de Caibaté, no interior do Rio Grande do Sul. Mestrando em Comunicação na Universidade Federal de Santa Maria (UFSM). Escreve sobre temas ligados a questões socioambientais, educação e acessibilidade.

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