Tesoura nos gastos do ensino superior

Corte de verbas para 2017 vai frear a expansão das universidades federais

Por Luciana Conti | ODS 4 • Publicada em 17 de maio de 2017 - 21:02 • Atualizada em 18 de maio de 2017 - 19:53

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Antes mesmo de a PEC 241, que congela gastos públicos por 20 anos,  chegar ao Senado, o governo Temer já  passou a tesoura no orçamento de 2017 das 63 universidades federais. Os cortes não são pequenos e já estão previstos no Projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias de 2017 (PLOA), enviado em junho ao Congresso Nacional.  Em valores absolutos, sem considerar a inflação do período, o novo governo quer cortar, no ano que vem, 1,7% das verbas para custeio do ensino superior e 40,1% dos recursos destinados a fazer frente a novos investimentos. Somente o montante para pagamento de pessoal se manterá como o previsto na gestão de Dilma Rousseff, que negociou, pouco antes de seu impedimento, aumentos para os professores e técnicos que serão pagos nos próximos dois anos.

Estes cortes serão aplicados em universidades já deficitárias, que, desde 2014, têm parte de seus recursos orçamentários contingenciados pela política de ajuste fiscal do governo federal, iniciado por Dilma. Em 2015, foram 10% do custeio e 50% dos investimentos. Neste ano, os R$ 5,998 bilhões previstos para o custeio já foram liberados, mas apenas 50% dos R$ 1,029 bilhão para investimentos foram pagos.  Os reitores estão pedindo a liberação de mais recursos, para fechar em uma perda de apenas 35% dos recursos previstos, mas ainda não têm resposta do Ministério da Educação.

Na Medicina ainda não percebemos o efeito dos cortes nas verbas de assistência estudantil, porque os estudantes vêm, em sua maioria, de famílias mais abastadas. Mas esse impacto já é visível nos cursos de humanas e ciências sociais

O pedido se justifica: a falta de recursos coloca em risco o projeto de expansão da rede de ensino superior do governo federal, que, de 2002 até 2013, mais do que dobrou a oferta de vagas, passando de 531.634 para 1.137.851 matrículas.  Para consolidar essa política, é preciso que as universidades ampliem ou criem novas instalações físicas para abrigar salas de aulas, bibliotecas, laboratórios e restaurantes universitários.

Há ainda as universidades novas, que precisam montar seus campi. A Universidade Federal do Maranhão (UFMA) é um exemplo dessa expansão que ficou ameaçada pelo ajuste. O estado, que tinha apenas quatro campi, hoje tem 10 – dois em São Luiz e oito no interior – e está com várias obras paradas ou atrasadas. O professor da Faculdade de Medina da UFMA Antônio Gonçalves, que preside a associação de docentes da instituição (Apruma), diz que já é possível sentir alguns efeitos negativos do ajuste, como a paralisação de obras de expansão dos campi no estado e a evasão provocada pela redução das verbas para a assistência estudantil, que paga, por exemplo, as bolsas de permanência de R$ 400 para alunos em situação de vulnerabilidade social e econômica.

Em maio, o Ministério da Educação suspendeu novas inscrições para o Programa de Bolsa de Permanência, que tem este ano 13.931 beneficiários, e condicionou a reabertura das inscrições à existência de dotação orçamentária no Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), de onde saem as verbas para o benefício.  Mas, ao que tudo indica, as verbas para a assistência estudantil continuarão em queda.

Algum corte é esperado em um período de recessão. Mas o normal é que quando a situação melhore, os níveis de investimento voltem a crescer. Com a PEC 241 não será assim

“Na Medicina ainda não percebemos o efeito dos cortes nas verbas de assistência estudantil, porque os estudantes vêm, em sua maioria, de famílias mais abastadas. Mas este impacto já é visível nos cursos de humanas e ciências sociais”, diz Gonçalves, temendo por um aumento considerável da evasão.

As perdas na assistência estudantil que, até agora, se deram por contingenciamentos, passarão no próximo ano a constar do orçamento do MEC e podem chegar no fim do período ainda maiores, se houver novos ajustes que diminuam a liberação dos recursos previstos. A PLOA de 2017 já trabalha com um corte, em relação a 2016, de 3,15% em valores absolutos, o que significa que a inflação do período não foi descontada. O resultado é que, com a redução ou, mesmo, o congelamento do número de bolsistas, a universidade oferecerá condições de permanência para um número menor de alunos de baixa renda.

Os cortes atuais serão sucedidos, segundo a “Carta de Niterói”, divulgada, dia 21 de outubro, pela Regional Sudeste do Fórum de Pró-Reitores de Planejamento e Administração (Forplad), por um período de baixos investimentos. “Os efeitos de tais medidas no que se refere à área da educação, segundo consultoria realizada pela Câmara dos Deputados, impactaria em perda de R$ 58,5 bilhões nessas duas décadas previstas de sua vigência, negligenciando a meta 20 do Plano Nacional de Educação – PNE em vigor, que estabelece a ampliação dos investimentos públicos até atingir o patamar de 10% do Produto Interno Bruto (PIB) em 2024”, diz trecho do documento.

É justamente essa tendência de queda nos investimentos e nos programas de bolsas para alunos e pesquisadores que a PEC 241 deve impor  o que mais assusta os docentes das universidades federais. “Algum corte é esperado em um período de recessão. Mas o normal é que quando a situação melhore, os níveis de investimento voltem a crescer. Com a PEC 241 não será assim. É o fato de ela estar constitucionalizando os cortes que nos preocupa”, reclama a professora do Instituto de Matemática da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) Tatiana Roque, presidente da associação dos docentes da instituição (Aduferj).

O medo maior é o congelamento partir de patamares que não sustentem, já no primeiro ano, o custeio das universidades e as obras de expansão das unidades, que já estão em andamento. A UFMA, por exemplo, tem hoje cinco campi em obras e algumas expansões nos antigos, como a biblioteca central do campus de São Luiz, que está paralisada por falta de verbas. Há ainda programas como o Plano Nacional de Formação dos Professores da Educação Básica (Profebpar), que atua em 17 municípios do interior do estado, que, segundo Gonçalves, podem sofrer com o ajuste.

“A má formação de professores faz com que o Maranhão tenha um ensino médio de baixa qualidade, que não prepara nossos alunos para disputar em situação de igualdade  as vagas da nossa universidade no Sisu (Sistema de Seleção Unificada). Hoje, 80% das vagas da Medicina, por exemplo, são ocupadas por alunos de outros estados. Precisamos formar mão de obra para ficar no estado, que tem muitas carências, inclusive de médicos”, explica Gonçalves.

O medo de viver grandes prejuízos no ensino e pesquisa também mobiliza a Aduferj, que lançou, dia 3 de outubro, o site Brasil 20136 para aderir à campanha contra a aprovação da PEC 241. O site, que traz, além de textos e material audiovisual sobre a proposta, caminhos virtuais para o internauta mandar mensagens coletivas ou individuais aos deputados e senadores, se posicionando contra a aprovação da emenda, já recebeu mais de 70 mil acessos.

O pico do movimento no Brasil 2036 se deu em 10 de outubro, quando a Câmara dos Deputados aprovou a proposta em primeiro turno. Foram mais de 300 acessos simultâneos por segundo, extrapolando o limite contratado com o servidor de internet, o que fez com que ele ficasse quase todo o dia fora do ar.  Para a segunda votação,  a Aduferj já aumentou a capacidade do site.

Luciana Conti

Jornalista há 25 anos, mantém na web o blog Gato de Sofá sobre literatura para crianças e jovens. Apaixonou-se pelo ofício de repórter no dia a dia das redações do Jornal do Brasil e de O Globo, tendo graduado-se em Comunicação Social e em Sociologia e Política, ambas pela PUC-Rio. É também especialista em literatura infantil e juvenil pela UFF e cursa a pós-graduação em Literatura, Artes e Pensamento Contemporâneo da PUC-Rio.

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