Ex-pastor busca tirar o estereótipo de que o ensino religioso é ‘chato’

Com música e poesia, Serjão desenvolve projetos pedagógicos para cumprir a carga horária semanal na escola

Por Fernanda Baldioti | ODS 4 • Publicada em 10 de fevereiro de 2020 - 08:25 • Atualizada em 13 de abril de 2020 - 08:33

Sérgio Luiz Fonseca Cruz desenvolve projetos pedagógicos para cumprir a carga horária semanal na escola / Foto: Fernanda Baldioti

Sérgio Luiz Fonseca Cruz desenvolve projetos pedagógicos para cumprir a carga horária semanal na escola / Foto: Fernanda Baldioti

Com música e poesia, Serjão desenvolve projetos pedagógicos para cumprir a carga horária semanal na escola

Por Fernanda Baldioti | ODS 4 • Publicada em 10 de fevereiro de 2020 - 08:25 • Atualizada em 13 de abril de 2020 - 08:33

Sérgio Luiz Fonseca Cruz desenvolve projetos pedagógicos para cumprir a carga horária semanal na escola / Foto: Fernanda Baldioti

“Hoje, estou aqui para problematizar: o que vocês acham da atitude de um governador, que é ligado à bancada evangélica, descer de um helicóptero vibrando após a execução de uma pessoa, mesmo sendo ela o bandido?” Essa foi uma das provocações que Sérgio Luiz Fonseca Cruz, professor de ensino religioso do Colégio Estadual Hilário Ribeiro, em Niterói, fez a 23 alunos presentes em uma aula especial no mês da Consciência Negra. Presbiteriano, formado em Teologia, psicólogo e músico, Serjão, como é conhecido, usa seu jeito brincalhão e uma linguagem bem acessível para tentar tirar o estereótipo de que o ensino religioso é uma disciplina “chata”. 

“Tive uma professora de religião no meu ginásio que dava uma aula muito chata. Quando passei no concurso, pensei que a última coisa que eu queria na vida era dar aula como ela. No primeiro dia, pedi pros alunos colocarem num papel o que eles achavam do ensino religioso. Fui lendo as respostas em voz alta e me lembro que um deles respondeu que ‘achava uma palhaçada’ e fui logo dizendo ‘Não sou palhaço’’, diverte-se Serjão.

Brincadeira à parte, ele conta que busca trabalhar com os alunos questões relacionadas a respeito, a diferenças e a crises sociais. Como não conseguiu formar uma turma sequer em 2019, já que a disciplina é de matrícula facultativa, ele ficou a cargo de desenvolver projetos pedagógicos para cumprir a carga horária semanal na escola. 

“Faço o meu trabalho da forma que me permitem fazer: se dão mais espaço, a gente trabalha mais, se dão menos, a gente trabalha menos. Se perguntar aos alunos se eles querem assistir a aulas de português ou de matemática, eles também não querem. Tento ajudá-los a construir um olhar respeitoso para com as diferenças. Fiz o projeto Prole Preta, no qual trabalho com poesia, leitura de rap, exploro a questão do negro, da mulher…”, explica.  

Ex-pastor, Serjão é professor de ensino religioso desde 2014, quando foi aprovado no concurso. Apesar de oficialmente o Estado do Rio adotar o modelo confessional, ele diz que faz questão de tratar a sala de aula como um lugar plural:

“A escola é laica, e quando fiz o concurso pensei ‘Alguém ter que ocupar esse espaço. Que seja eu, que eu tenho formação e estou preparado para isso’. Nunca fiz proselitismo ou abri a Bíblia para dar aula. Também não devemos ver o professor como dono de todo o saber que despeja conteúdo nas cabecinhas vazias dos alunos. Eles trazem muita coisa também. E essa troca é muito rica”, afirmando que sua fé transcende a questão institucional: “Oro todo dia, leio a Bíblia em casa, mas não chuto santa e respeito às diferenças”. 

Sérgio defende a importância da disciplina como canal de transmitir valores importantes aos alunos e de estimular os jovens a ter uma percepção crítica da sociedade e do tempo que eles vivem:

“A religião é uma realidade na vida do ser humano. Vemos a influência religiosa na vida do país, nos atentados de 11 de setembro…É importante estudar este fenômeno”.

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Gosto das aulas do Serjão. Nos ajuda a quebrar tabus porque, em casa, não temos muito conhecimento sobre as outras religiões

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A turma do segundo ano do ensino médio que assistiu à aula de Serjão tem uma formação bem eclética no que diz respeito à religião. O #Colabora conversou com Barbara Duarte, de 18 anos, frequentadora da umbanda e de centros ciganos, e com Gabriela*, de 17 anos, que é agnóstica. 

“Gosto das aulas do Serjão. Nos ajuda a quebrar tabus porque, em casa, não temos muito conhecimento sobre as outras religiões. As famílias, em geral, são fechadas em religiões específicas. É bem raro ter diversidade. A minha é protestante, então todas as discussões são muito limitadas aos conceitos do cristianismo”, afirma Gabriela.

Barbara já sofreu na pele o preconceito e acredita que a disciplina possa ajudar a diminuir os estereótipos:

“Já me chamaram de macumbeira. É normal, eu não ligo. O que pesa mesmo é quando atrelam a gente ao diabo e não buscam entender o que é a nossa religião”.

*Usamos um nome fictício para preservar a aluna

Essa reportagem foi financiada pelo Edital de Jornalismo de Educação, uma iniciativa da Jeduca e do Itaú Social que tem o objetivo de fomentar a produção de material jornalístico de qualidade sobre temas relevantes da educação pública brasileira.

Fernanda Baldioti

Jornalista, com mestrado em Comunicação pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), trabalhou nos jornais O Globo e Extra e foi estagiária da rádio CBN. Há mais de dez anos trabalha com foco em internet. Foi editora-assistente do site da Revista Ela, d'O Globo, onde se especializou nas áreas de moda, beleza, gastronomia, decoração e comportamento. Também atuou em outras editorias do jornal cobrindo política, economia, esportes e cidade.

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