Candomblecista, professora de ensino religioso enfrentou coro de ‘macumbeira’

Ela faz parte do pequeno grupo de docentes da disciplina ligados a um credo de matriz africana

Por Fernanda Baldioti | ODS 4 • Publicada em 10 de fevereiro de 2020 - 08:57 • Atualizada em 29 de junho de 2021 - 16:02

Waldineia Telles faz parte do seleto grupo de credenciados por um credo de matriz africana (Foto: Zô Guimarães)

Waldineia Telles faz parte do seleto grupo de credenciados por um credo de matriz africana (Foto: Zô Guimarães)

Ela faz parte do pequeno grupo de docentes da disciplina ligados a um credo de matriz africana

Por Fernanda Baldioti | ODS 4 • Publicada em 10 de fevereiro de 2020 - 08:57 • Atualizada em 29 de junho de 2021 - 16:02

Quando chegamos ao Colégio Estadual Hilka de Araújo Peçanha, em Itaboraí, havia apenas um aluno. Todos os outros 80 que deveriam estar em sala de aula foram para casa por uma ordem do tráfico que, segundo o diretor da instituição, afetava não a região da escola, mas onde os alunos residem. Por prudência, acharam melhor liberá-los. Alexsandro dos Anjos Santos da Silva, de 17 anos, ficou. Ele é um dos alunos de Waldineia Teles Pereira, professora de ensino religioso que faz parte do pequeno grupo de credenciados por um credo de matriz africana – ela estima que sejam apenas 8 de um total de 596 que ministram a disciplina no estado. Por conta da lei 3.459/00, os aprovados em concurso só podem assumir após receberem o atestado de fé dado por uma religião inscrita pelo governo. Para Alexsandro e os demais estudantes que assistem a suas aulas, Waldineia costuma falar sobre tolerância, preconceito, ancestralidade, história… A sua, em especial, carrega um pouco de tudo isso. Candomblecista, ela relembra as inúmeras vezes que foi alvo de discriminação dentro e fora de sala de aula:

“Uma das experiências negativas que eu tive como professora de ensino religioso foi um coro de alunos me chamando de macumbeira. Desde então, eu preferi não mais declarar a minha religião e também não procuro saber a deles. É claro que pelo modo de condução dos encontros, eles percebem que eu não sou uma professora cristã, judaica ou kardecista. Eles sabem exatamente de qual lugar estou falando. E infelizmente, o lugar das religiões de matrizes africanas ainda é o lugar da demonização. E se eu declarar meu credo para eles, além das aulas serem demonizadas, o corpo desta professora negra também será. Eu tenho muita preocupação em chegar, permanecer e sair da escola”.

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Se não declararmos nosso credo institucionalmente, somos silenciados, todo mundo vira cristão

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Apesar da preocupação, que surgiu quando ainda dava aulas no município, Waldineia não se furta a questionar os alunos e a provocá-los com perguntas como “Que necessidade é essa de demonizar as religiões de matrizes africanas? O que tanto incomoda?” Esse tipo de pauta não pode ser confundido com proselitismo, ressalta Waldineia, que é formada em Pedagogia pela Universidade Federal Fluminense:

“As religiões de matrizes africanas não têm esse movimento de proselitismo, elas não vão para um caminho de salvação, de promessas divinas… Tendo o modelo confessional sido adotado pelo Rio de Janeiro, mesmo que isso não se aplique na prática, vejo como muito importante a possibilidade de se ter um professor de ensino religioso de matriz africana reconhecido pelo estado. Se não declararmos nosso credo institucionalmente, somos silenciados, todo mundo vira cristão”.

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A possibilidade de opção dos alunos de cursarem ou não a disciplina é outro ponto visto com bons olhos por Waldineia mesmo que isso possa explicar em parte o baixo número de optantes pela disciplina especialmente no ensino médio. 

“É claro que entre uma atividade mais lúdica e livre e ir para uma sala de aula, o jovem vai preferir ficar com esse espaço de liberdade. Mas gosto muito da possibilidade de opção. Fico muito interessada em saber que tem alguém conversando comigo, estudando, compartilhando um conhecimento porque está interessado. Vai para a zona de desenvolvimento proximal. Um optante vem com desejos, com questões, e a conversa é muito mais harmoniosa”. 

Aluno de Waldineia, Alexsandro dos Anjos Santos da Silva é um exemplo do quanto a troca pode ser rica ainda mais quando há diversidade de pensamentos. O jovem é católico, reza todos os dias, frequenta a missa, catequese e grupo de oração, mas gosta dos debates e das provocações da professora candomblecista: 

“Eu nem ia fazer a disciplina, mas minha mãe optou para eu fazer com inglês, que é opcional também. Achava que ia ser chato, eu queria era ir embora para casa como meus amigos. Mas três colegas me incentivaram. E até que é bom. Eu gosto da aula, aprendi sobre cultura afro-americana, racismo, leis e sobre nossos antepassados. Sinto que saio com mais informação e conhecimento”.

Essa reportagem foi financiada pelo Edital de Jornalismo de Educação, uma iniciativa da Jeduca e do Itaú Social que tem o objetivo de fomentar a produção de material jornalístico de qualidade sobre temas relevantes da educação pública brasileira.

Fernanda Baldioti

Jornalista, com mestrado em Comunicação pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), trabalhou nos jornais O Globo e Extra e foi estagiária da rádio CBN. Há mais de dez anos trabalha com foco em internet. Foi editora-assistente do site da Revista Ela, d'O Globo, onde se especializou nas áreas de moda, beleza, gastronomia, decoração e comportamento. Também atuou em outras editorias do jornal cobrindo política, economia, esportes e cidade.

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2 comentários “Candomblecista, professora de ensino religioso enfrentou coro de ‘macumbeira’

  1. Fernando Martins disse:

    Fui aluno do Hilka a muitos nos anos 80, fiquei vergonhado e preocupado com esse comportamento pois tratam-se de alunos de formação de professores. Manifesto aqui minha solidariedade e apoio aos irmãos das religiões de matriz africana. Axé!!!

  2. Pingback: Casos de intolerância religiosa nas escolas são subnotificados – Bem Blogado

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