Vacina no esporte: a derrota de Djokovic e os novos desafios causados pela Ômicron

Novak Djokovic durante a final do Aberto da Austrália de 2021 quando conquistou o título pela nova vez: tenista barrado no país por não ter se vacinado contra covid-19. Avanço da ômicron desafia esporte (Foto: William West / AFP 21/02/2021)

Tenista sérvio, número 1 do ranking, é barrado na Austrália enquanto ligas esportivas milionárias tentam driblar novo avanço da covid-19

Por Oscar Valporto | ODS 3 • Publicada em 6 de janeiro de 2022 - 13:10 • Atualizada em 16 de janeiro de 2022 - 10:05

Novak Djokovic durante a final do Aberto da Austrália de 2021 quando conquistou o título pela nova vez: tenista barrado no país por não ter se vacinado contra covid-19. Avanço da ômicron desafia esporte (Foto: William West / AFP 21/02/2021)

Novaxx Djocovid: líder do ranking mundial de tênis, à beira de alcançar uma marca extraordinária, o sérvio Novak Djokovic, além de ganhar apelido e memes nas redes, está passando um vexame internacional ao ser barrado na Austrália e ter seu visto cassado ao entrar no país onde iria defender seu título no torneio local, um dos quatro mais importantes do mundo – ao lado de Roland Garros (França), Wimbledon (Inglaterra) e US Open, o Aberto da Austrália forma o Grand Slam do esporte. A crise diplomática provocada pela situação do tenista – que, com o apoio do presidente da Sérvia, recorre à Justiça australiana e espera pela decisão confinado em hotel em Melbourne – traz de volta aos holofotes o jogo do milionário mundo do esporte profissional para tentar suas atividades em meio ao avanço da variante Ômicron, que vem causando o adiamento de dezenas de partidas de futebol na Europa e outros esportes nos EUA.

O caso de Novaxx Djocovid é o mais escandaloso pelas circunstâncias que envolvem o tenista. Djokovic, de 34 anos, levantou, várias vezes, suspeitas sobre as vacinas contra a covid-19 e atacou a obrigatoriedade de vacinação. Em junho de 2020, quando a pandemia matava na Europa e as entidades esportivas suspenderam todas as atividades, o sérvio promoveu um torneio de exibição em seu país, com presença de público. Pelo menos, 20 pessoas envolvidas diretamente no torneio testaram positivo após o evento – boleiros, árbitros, treinadores e tenistas, entre eles, o próprio Djokovic. Ele chegou a pedir desculpas. Mas, meses depois, levantaria suspeitas sobre as vacinas e defenderia o direito das pessoas não se vacinarem. De acordo com jornalistas especializados, patrocinadores fizeram o sérvio baixar o tom e evitar polêmicas em 2021, mas Djokovic nunca confirmou ter se vacinado. E seu pai, Srdan, que funciona, muitas vezes, como seu porta-voz, é um militante anti-vacina.

Foi o pai, aliás, quem ajudou a deflagrar a crise. Em novembro, disse que Novak provavelmente não jogaria o Aberto da Austrália, marcado para começar dia 17 de janeiro, porque a obrigação de vacinação cobrada pelo torneio era “uma chantagem”. Campeão nove vezes do torneio, o sérvio poderia alcançar em Melbourne uma marca histórica: o 21º título de torneios do Grand Slam, superando seus rivais, o  suíço Roger Federer e o espanhol Rafael Nadal, com quem está hoje empatado em conquistas. A exigência dos organizadores para todos os tenistas era, pelo menos, ter recebido duas doses da vacina.

Na sua primeira postagem nas redes sociais do ano, Djokovic apareceu sorridente para anunciar que estava a caminho da Austrália pois havia conseguido uma “exceção médica” para disputar o torneio. A decisão – de um painel médico que assessora o governo australiano – provocou a fúria dos australianos: quase 90% da população já tomou as duas doses, enfrentou meses de lockdown e está assustada agora com o avanço da Ômicron. Críticas a um possível tratamento privilegiado para o número 1 do ranking do tênis apareceram por toda parte. A tenista russa Natalia Vikhlyantseva, número 202 do mundo, disse ter sido barrada porque havia tomado duas doses da Sputnik, vacina russa sem aval das autoridades médicas australianas.

O caso Novaxx Djocovid – como o tenista passou a ser tratado pelos australianos nas redes sociais – ganhou proporções maiores porque nem o sérvio explicou quais as razões médicas alegadas nem o painel australiano, que afirmou não poder ferir a privacidade médica do jogador. Ao chegar na Austrália, na noite de quarta-feira (ainda de manhã aqui no Brasil), Novak Djokovic foi barrado pelas autoridades australianas de imigração que alegaram falta de documentos para provar a tal “exceção médica” ou a documentação exigida para entrar no país – no caso, o comprovante de vacinação.

Especula-se que Djokovic deve ter alegado um diagnóstico recente de covid-19 e respectiva cura: as outras “exceções médicas” previstas pelas regras na Austrália envolvem graves problemas de saúde, que o tenista, obviamente, não tem, ou reações adversas a vacinas, que ele não poderia provar já que aparentemente não foi vacinado. Enquanto recorre, o tenista recebeu apoio de grupos anti-vacina na Sérvia e na própria Austrália

Kyrie Irving, sem máscara, no banco do Brooklyn Nets em sua volta às quadras: armador do time novaiorquino, militante anti-vacina, não pode jogar em Nova York por falta de vacinação (Foto: Andy Lyons / Getty Images / AFP)
Kyrie Irving, sem máscara, no banco do Brooklyn Nets em sua volta às quadras: armador do time novaiorquino, militante anti-vacina, não pode jogar em Nova York por falta de vacinação (Foto: Andy Lyons / Getty Images / AFP)

Esporte por testes e vacinação

O avanço da vacinação contra a covid-19 e a consequente queda no número de casos e mortes foi recebido com alívio no começo de 2021 pelo milionário mundo do esporte profissional que acumulou prejuízos com as restrições impostas pela pandemia em 2020. A volta do público nas principais ligas de futebol da Europa na temporada iniciada em meados do ano – que chegou ao Brasil nos últimos meses de 2021 – foi acompanhada de exigências de comprovação de vacinação ou de testes feitos pouco antes dos jogos. Acordos feitos por entidades, clubes e atletas tanto na Europa quanto nas principais ligas profissionais dos EUA – de basquete, de futebol americano e de beisebol – não incluíram exigência de vacinação de todos os jogadores, mas estipulavam testes depois de todas as partidas e suspensões para todos que testassem positivo.

Ligas e clubes, entretanto, pressionaram os jogadores a se vacinarem como forma de dar mais garantias inclusive para o público. Mas nem todos concordaram. Enquanto Djokovic estava confinado no hotel australiano, o armador americano Kyrie Irving – campeão da NBA em 2016 com o Cleveland Cavaliers – voltava às quadras de basquete, três meses após o começo da temporada. Irving recusou a vacinação: certamente o mais popular, mais rico e mais importante atleta entre os 3% da NBA que não estão vacinados. Foi seu próprio time, Brooklyn Nets, que decidiu afastá-lo dos jogos, enquanto tentava, inútilmente, convencê-lo a tomar a vacina.

O rígido protocolo da NBA – estabelecido pela liga e os representantes dos jogadores – estabelecia testes após todos os jogos: qualquer atleta, técnico ou outro integrante da equipe que testasse positivo para o coronavírus devia ficar 10 dias afastado; jogos só seriam suspensos se os times não tivessem oito jogadores para disputar a partida. O protocolo vinha funcionando sem maiores problemas para a competição até dezembro – jogadores com testes positivos foram afastados e retornaram após a recuperação sem maiores transtornos, nem para a saúde nem para o calendário. Em dezembro, com a chegada da Ômicron, 10 partidas da NBA foram adiadas porque os times não tinham jogadores suficientes à disposição. A multiplicação dos testes positivos ameaça novamente o calendário tanto da NBA quanto da NFL, a liga profissional de futebol americano, que também já teve partidas adiadas.

Os mesmos problemas vêm se repetindo nas principais ligas europeias de futebol. Na Inglaterra, quatro jogos da tradicional rodada após o Natal foram adiados por casos de covid-19; os protocolos da Uefa, seguido pela maioria das ligas nacionais, estabelecem que os times precisam ter, pelo menos, 13 jogadores aptos a entrar em campo. Partida pela semifinal da Copa da Liga Inglesa, marcada para esta quinta (6/1), foi adiada por causa do surto entre jogadores do Liverpool que enfrentariam o Arsenal.

Nas outras ligas, paralisadas para as festas de Ano Novo, 2021 também começou com incertezas. Na Itália, pelo menos 87 jogadores testaram positivo na volta do campeonato marcada para esta quinta (6/1): quatro jogos foram adiados. Na Espanha, o Barcelona reestreou no domingo (2/1), desfalcado de oito jogadores que testaram positivo para covid-19. O PSG voltou a jogar pela Copa da França desfalcado do craque argentino Lionel Messi, um dos quatro jogadores com covid na equipe. Na Alemanha, o campeonato nacional será retomado nesta sexta (7/1) e o Bayern Munich, que busca o décimo título consecutivo, quer adiar seu jogo pois registrou oito testes positivos para covid-19 no elenco.

Em toda a Europa, houve campanhas para que os atletas se vacinassem – apesar de não haver obrigatoriedade. De acordo com a pesquisa realizada pela Premier League, 84% dos jogadores da divisão principal do futebol inglês, a liga mais rica e importante da Europa, estão vacinados. Na Espanha, na Itália, na França e na Alemanha, não há pesquisas, mas os clubes calculam que também mais de 80% dos jogadores já tomaram as duas doses da vacina contra covid-19.

Por ironia, foi o avanço da Ômicron que facilitou a volta de Kyrie Irving ao Brooklyn Nets, que viu os desfalques se multiplicarem a partir de dezembro e decidiu reintegrar o armador ao time em dezembro. Ele devia estrear na temporada no fim de dezembro – mas testou positivo para covid-19. Ele voltou no jogo desta quarta (5/12) contra os Pacers, em Indiana, marcando 22 pontos e ajudando na vitória da equipe. Também ironicamente, Irving só pode jogar partidas fora de casa: na Nova York, do Brooklyn Nets, só vacinados podem participar de eventos em locais fechados. Durante o jogo, o armador dos Nets ouviu muitas vaias da plateia, vacinada ou com teste PCR negativo para ver o jogo. Certamente, entretanto, menos vaias do que ouviria Novaxx Djocovid no Aberto da Austrália, onde já havia uma mobilização nas redes sociais para hostilizar o tenista cada vez que ele entrasse em quadra.

Oscar Valporto

Oscar Valporto é carioca e jornalista – carioca de mar e bar, de samba e futebol; jornalista, desde 1981, no Jornal do Brasil, O Globo, O Dia, no Governo do Rio, no Viva Rio, no Comitê Olímpico Brasileiro. Voltou ao Rio, em 2016, após oito anos no Correio* (Salvador, Bahia), onde foi editor executivo e editor-chefe. Contribui com o #Colabora desde sua fundação e, desde 2019, é um dos editores do site onde também pública as crônicas #RioéRua, sobre suas andanças pela cidade

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