Diário da Covid-19: quatro meses de quarentena e o pior ainda está por vir

Mural na Tijuca, no Rio de Janeiro, representa um homem em traje de proteção pulverizando desinfetante em um coronavírus com o rosto do presidente Bolsonaro. Foto Mauro Pimentel/AFP

Brasil chega a sete semanas com mais de 1 mil mortes diárias e a mobilidade social descendente da “Geração Covid”

Por José Eustáquio Diniz Alves | ODS 3 • Publicada em 12 de julho de 2020 - 08:48 • Atualizada em 21 de junho de 2021 - 10:05

Mural na Tijuca, no Rio de Janeiro, representa um homem em traje de proteção pulverizando desinfetante em um coronavírus com o rosto do presidente Bolsonaro. Foto Mauro Pimentel/AFP

Logo depois do carnaval, o mundo ocidental entrou em uma longa quarentena, que se prolongou para além da Semana Santa e, em muitos países, prossegue no segundo semestre. Nos próximos dias, as grandes cidades brasileiras completam quatro meses de quarentena e isolamento social. Depois de tanto esforço, o futuro continua incerto e preocupante.

No dia 11 de março de 2020 a Organização Mundial da Saúde (OMS) elevou o alerta do estado de contaminação da covid-19, doença causada pelo novo coronavírus (Sars-Cov-2), para a categoria de pandemia. Recentemente, o diretor geral da OMS, Tedros Adhanom, disse “o pior ainda está por vir”. Quatro meses depois, no dia 11 de julho, a prestigiosa revista científica The Lancet, repetiu em editorial o alerta de que “o pior ainda está por vir”, mostrando que, globalmente, os anticorpos que conferem imunidade (soroprevalência) não passam de 5% dos terráqueos, o que significa que a grande maioria da população mundial permanece suscetível ao Sars-CoV-2 e o coronavírus continua percorrendo um caminho complexo e alarmante, principalmente no sul da Ásia, Oriente Médio, África e Américas.

No Brasil, o número registrado de pessoas infectadas pela covid-19 se aproxima de 2 milhões (o que representa, aproximadamente, 1% da população brasileira). O país teve cerca de 1,5 milhão de pessoas infectadas e 50 mil mortes somente nas últimas sete semanas, o que dá uma média diária de 30,5 mil casos e pouco mais de 1 mil mortes. O número diário de pessoas infectadas estava abaixo de 30 mil há cinco semanas e ultrapassou 35 mil casos nas duas últimas semanas. Mas, em relação ao número de óbitos, o Brasil alcançou um alto platô e se manteve nele, ao contrário de outros países que tiveram uma subida muito rápida, acompanhada de uma descida também rápida. Nos últimos 49 dias a média diária de vidas perdidas foi de exatos 1.009 óbitos. Neste período, o Brasil se consolidou no primeiro lugar absoluto no número global de mortes diárias e no segundo lugar no número acumulado (atrás apenas dos Estados Unidos). Como a curva epidemiológica costuma ser assimétrica à direita, infelizmente, também para o Brasil vale o alerta da OMS: “o pior ainda está por vir”.

O panorama nacional

O Ministério da Saúde informou, no sábado (11/07), que o país chegou a 1.839.850 casos e 71.469 vidas perdidas, com uma taxa de letalidade de 3,9%. Foram 39.023 novos casos e 1.071 mortes em 24 horas.

Para avaliar o ritmo da expansão da pandemia no território nacional, o gráfico abaixo mostra a evolução do número de casos da covid-19 no Brasil por semana epidemiológica (SE), começando pela 10ª SE (de 01 a 07 de março de 2020). No dia 01 de março o Brasil tinha apenas 2 casos confirmados de covid-19 e passou para 19 casos no dia 07/03. Foram apenas 17 casos, mas o aumento foi de 9,5 vezes (o que representa 37,9% ao dia). Até a 13ª SE (22 a 28/03) os números relativos ficaram acima de 30% ao dia. Porém, nas semanas seguintes os números absolutos foram crescendo ao mesmo tempo que a variação percentual foi diminuindo. Na 27ª SE a variação foi de 2,6% e na 28ª SE a variação caiu para o nível mais baixo de 2,2% ao dia.

No mês de março houve um total 5,7 mil casos, em abril foram mais 80 mil casos, em maio foram 429 mil novos casos, em junho foram mais 904 mil casos e, somente nos primeiros 11 dias de julho foram 438 mil novos casos.

O gráfico abaixo mostra a variação média diária do número de casos no Brasil, nas diversas semanas epidemiológicas (SE). Nota-se que o número de pessoas infectadas passou de 397 casos na 13ª SE, para 2.267 pessoas na 16ª SE e mais do que decuplicou na 22ª SE. Porém, durante duas semanas (23ª e 24ª) houve quase estabilidade nos novos números de casos. Nas 3 semanas seguintes houve um salto e o número diário chegou a 37,6 mil casos na 27ª SE (28 a 04/07). Na semana que passou (28ª SE de 05-11/07) houve uma pequena redução do número médio diário de casos que ficou em 37,5 mil. Para contribuir  com as avaliações, nossa projeção para a 29ª SE (de 12 a 18/07) indica 39,1 mil casos diários no Brasil, com aumento relativo de 2% ao dia.

O gráfico abaixo mostra a evolução do número de vidas perdidas nas sucessivas semanas epidemiológicas (SE). O primeiro óbito pela Covid-19 no Brasil ocorreu no dia 17 de março e chegou a 18 óbitos no dia 21/03, o aumento foi de 18 casos em 5 dias, o que representou um crescimento diário de 78,3% na 12ª SE. Nas semanas seguintes, o número absoluto de óbitos subiu continuamente, mas o número relativo diminuiu e chegou a 1,5% ao dia na 28ª SE.

O gráfico abaixo mostra que o número de vítimas fatais passou de 13 óbitos ao dia na 13ª SE, para 46 óbitos na 14ª SE e se multiplicou por 20 vezes até a 21ª SE, com tristes 910 óbitos diários. Os números continuaram elevados nas 7 semanas seguintes, subindo até 1.029 óbitos na 28ª SE. Nossa projeção é que deve alcançar 1.044 óbitos ao dia na 29ª SE (12 a 18/07).

O panorama global

O dia 11 de julho terminou com 12,8 milhões de casos e 567 mil óbitos no mundo, com uma taxa de letalidade de 4,4%. Somente no sábado (dia 11/07) aconteceram 215 mil novos casos e 5 mil mortes. Houve um aumento de mais de 1 milhão de casos no meio da semana passada, de segunda a sexta-feira.

A pandemia continua avançando no mundo, mas em um ritmo menor do que no Brasil (se bem que a diferença está diminuindo). O gráfico abaixo mostra que o Brasil estava acelerando em relação ao mundo até a semana de 17 a 23 de maio (21ª SE) e depois passou a desacelerar. O número de casos brasileiros chegou a subir 3 vezes mais rápido do que a média mundial, mas na 28ª SE (05-11/07) esta diferença caiu para 1,3 vezes. Ou seja, o aumento do número de casos cresce a um ritmo 30% maior no Brasil do que no mundo.

Da mesma forma, o gráfico abaixo apresenta as taxas médias de crescimento diário relativo das vítimas fatais da covid-19 no Brasil e no mundo. Nota-se que no final de março e durante quase todo o mês de abril o ritmo brasileiro chegou abaixo de 1,5 vez o ritmo mundial. Mas no mês de maio o ritmo internacional caiu mais rápido que o ritmo nacional e a diferença foi para mais de 3 vezes. Contudo, a partir do mês de junho passou a haver uma desaceleração mais rápida do ritmo brasileiro e a diferença caiu 1,7 vezes na 28ª SE. Mesmo com a aproximação, o ritmo brasileiro é 70% mais veloz.

Os dados acima indicam que depois de todo o crescimento ocorrido no primeiro semestre de 2020, a pandemia continua avançando no Brasil e no mundo, embora em um ritmo relativo menor. A velocidade do ritmo do surto pandêmico no Brasil se aproximou do ritmo mundial, mas ainda é 30% maior para os casos e 70% maior para os óbitos, aumentando o peso relativo do país. O Brasil tem 2,7% da população mundial e responde por 14,3% dos casos acumulados e 12,6% das mortes acumuladas globalmente. Nos números diários médios da semana, o Brasil respondeu por 16% dos novos casos e por 18,3% dos novos óbitos na 28ª SE.

Mas internamente o ritmo tem sido diferenciado. Na semana que passou, o ritmo aumentou naquelas Unidades da Federação menos impactadas pela pandemia e diminuiu naquelas mais impactadas. O ritmo subiu no PR, RS, SC, MG, DF, GO, MS, MT, RR, TO e PB. Ficou estável nas UFs: RO, AL, BA, CE, MA, PE, PI, SE, ES e SP. E diminuiu nas UFs: AC, AM, AP, PA, RN e RJ. As projeções indicam que, até o final de janeiro de 2021, o Brasil teve atingir cerca de 6 milhões de casos e 200 mil mortes pela covid-19.

Como mostrei no texto “Homens idosos são as principais vítimas da pandemia”, publicado aqui no #Colabora, em 23/06/2020, a maioria das vítimas fatais do Sars-CoV-2, até aquela data, eram do sexo masculino e idosos: “Em termos de gênero, 41,2% eram mulheres e 58,8% eram homens. Em termos de geração, 27,1% tinham menos de 60 anos e 72,9% eram idosos de 60 anos e mais de idade”. A vulnerabilidade da população idosa é enorme e as gerações que estão na chamada terceira idade são as principais vítimas da emergência sanitária global.

Mas existe uma outra tragédia pouco evidenciada e que está acontecendo com a população jovem, vítima da emergência econômica e social. Os pesquisadores Lee Elliot Major e Stephen Machin, da London School of Economics, estão preocupados com a chamada “Geração Covid”, que são os jovens com menos de 25 anos que estão ameaçados de viverem um processo de mobilidade social descendente. Esta geração pode ser obrigada a fazer a transição para a vida adulta numa sociedade com aumento das desigualdades econômicas e educacionais. Os autores consideram que antes da pandemia, as gerações mais jovens já enfrentavam declínio da mobilidade absoluta: salários reais em queda, menos oportunidades, padrões de vida estagnados e até em declínio, e crescente espectro de retrocesso nas condições de vida. O grande perigo agora é que a covid-19 possa mergulhar os jovens em uma idade sombria de declínio da mobilidade social.

Enquanto a maioria da população idosa brasileira está coberta pelo sistema de aposentadoria, pensão ou proteção social (como Benefício de Prestação Continuada – BPC), a “Geração Covid” está completamente desprotegida. Pior, os jovens brasileiros estão sendo os mais afetados pela deterioração do mercado de trabalho pós pandemia do novo coronavírus. No primeiro trimestre deste ano, 41,8% da população de 18 a 24 anos estava na categoria que o IBGE chama de subutilizados — ou estavam desempregados, ou desistiram de procurar emprego ou tinham disponibilidade para trabalhar por mais horas na semana.

Em números absolutos, 7,34 milhões dos jovens brasileiros estavam subutilizados, o maior número já registrado desde que a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicilio (Pnad) começou a ser apurada em 2012. Destes, 4,26 milhões estavam desempregados, em busca de uma colocação, levando a uma taxa de desemprego entre esse grupo de 27,3%. Historicamente, a subutilização dos jovens de 18 a 24 anos é sempre maior, mas a pandemia tornou estes números exponenciais, aumentando a vulnerabilidade daqueles abaixo de 25 anos. Entre 2012 e o primeiro trimestre de 2020, a fatia de subocupados totais da população brasileira passou de 20,9% para 25%, enquanto entre os jovens de 18 a 24 anos o aumento foi de 30,1% para 41,8%.

Biologicamente, a juventude possui menor suscetibilidade ao novo patógeno. Mas socialmente, o Sars-CoV-2 está provocando uma grande vulnerabilidade na “Geração Covid” que tem assistido ao desaparecimento das oportunidades educacionais e de emprego. Ao contrário das gerações idosas pós Segunda Guerra Mundial que tiveram uma grande mobilidade social ascendente, a “Geração Covid” só consegue enxergar estagnação e declínio da mobilidade social. A situação é crítica para as gerações emergentes. Somente com muito esforço e com políticas públicas adequadas o caos poderá ser evitado e os jovens poderão vislumbrar um futuro pós-covídico com melhores oportunidades.

Frase do dia 12 de julho de 2020

“Não há assunto tão velho que não possa ser dito algo de novo sobre ele”

Fiódor Dostoiévski (1821-1881)

Escritor Russo

Referências:

ALVES, JED. Diário da Covid-19: homens idosos são as principais vítimas da pandemia, #Colabora, 23/06/2020  https://projetocolabora.com.br/ods3/diario-da-covid-19-homens-idosos-sao-as-principais-vitimas-da-pandemia/

Lee Elliot Major and Stephen Machin. Covid-19 and social mobility, London School of Economics, May 2020 http://cep.lse.ac.uk/pubs/download/cepcovid-19-004.pdf

José Eustáquio Diniz Alves

José Eustáquio Diniz Alves é sociólogo, mestre em economia, doutor em Demografia pelo Centro de Desenvolvimento e Planejamento Regional (Cedeplar/UFMG), pesquisador aposentado do IBGE, colaborador do Projeto #Colabora e autor do livro "ALVES, JED. Demografia e Economia nos 200 anos da Independência do Brasil e cenários para o século" (com a colaboração de F. Galiza), editado pela Escola de Negócios e Seguro, Rio de Janeiro, 2022.

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