A pandemia da covid-19 tem apresentado uma redução no número de casos e de mortes nas últimas semanas. Globalmente, o pico do número de casos ocorreu na semana de 18 a 24 de abril, com média de 820 mil pessoas infectadas diariamente. Nas seis semanas seguintes o montante diminuiu, ficando em 440 mil casos na semana de 30/05 a 05/06/2021. O pico do número global de mortes ocorreu na semana de 24 a 30 de janeiro de 2021, com 14,1 mil vidas perdidas diariamente. Este número caiu nas seis semanas seguintes, mas voltou a subir e ficou em 13,4 mil óbitos na semana de 25/04 a 01/05. Porém, a mortalidade da covid-19 diminuiu no mês de maio e ficou em 10,4 mil óbitos na semana de 30/05 a 05/06.
No Brasil o número de casos bateu o recorde na semana de 21 a 27 de março, com 77,1 mil pessoas infectadas diariamente, mas houve uma redução nas semanas seguintes, embora o número de casos tenha se mantido ao redor de 60 mil diários nas últimas dez semanas. O pico do montante de mortes ocorreu na semana de 04 a 10 de abril, com 3,02 mil óbitos diários. Nas oito semanas seguintes o número de vítimas fatais diminuiu e ficou em 1,63 mil na semana de 30/05 a 05/06. A tendência de declínio das curvas epidemiológicas no Brasil é uma boa notícia, embora a probabilidade de uma 3ª onda ainda seja elevada.
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Um ano e meio depois da detecção dos primeiros casos da doença causada pelo novo coronavírus, em dezembro de 2019, o mundo já chegou a 173 milhões de pessoas infectadas pelo SARS-CoV-2, com 3,72 milhões de vidas perdidas no dia 05 de junho de 2021. A pandemia provocou um pandemônio na economia global e o Produto Interno Bruto (PIB) mundial teve o maior recuo em um século. De modo geral, caiu a renda per capita e aumentou o desemprego e a pobreza. Outra consequência indesejada foi o aumento do preço dos alimentos e a elevação do número de pessoas em situação de desnutrição e fome.
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O Ministério da Saúde contabilizou 16.907.425 pessoas infectadas e 472.531 vidas perdidas no Brasil no dia 05 de junho de 2021, com uma taxa de letalidade de 2,8%. A média móvel de 7 dias do número de pessoas infectadas continua em alto platô e ficou em 62,3 mil casos. A média móvel das mortes vem caindo, mas ainda ficou em 1.639 óbitos em 24 horas, número ainda muito elevado e que representa mais de 1 morte por minuto durante todos os dias da semana.
O gráfico abaixo mostra a média móvel de 7 dias, por milhão de habitantes, para o número diário de casos no mundo e nos 10 países mais populosos do planeta. Os EUA permaneceram muito tempo com os coeficientes mais elevados, mas desde a posse do novo presidente, Joe Biden, com o avanço da imunização, o número de casos vem caindo consistentemente e já está abaixo da média mundial que ficou em 57 óbitos diários por milhão de habitantes no dia 04 de junho. O Brasil tem apresentado os valores mais elevados desde março e registrou 302 casos por milhão de habitantes no dia 04/06. A Índia apresentou 100 casos por milhão de habitantes. A Nigéria e a China apresentam os menores coeficientes.
O gráfico abaixo mostra a média móvel de 7 dias, por milhão de habitantes, para o número diário de óbitos no mundo e nos 10 países mais populosos. Os EUA e o México, que tinham os coeficientes mais elevados no final do ano passado e nos dois primeiros meses de 2021, agora apresentam números bem menores do que os brasileiros. O Brasil tem apresentado os valores mais elevados da média de vidas perdidas desde março e registrou 8 óbitos por milhão de habitantes no dia 04/06. A Índia apresentou 2,23 óbitos por milhão de habitantes. Paquistão, Bangladesh, Nigéria e China apresentam os menores coeficientes de mortalidade.
A Índia, que passou por momentos dramáticos no mês de abril e na primeira quinzena de maio, conseguiu reverter as tendências, reduziu em 3 vezes o número de casos e tem apresentado quedas consistentes no número de mortes. Na semana passada, os valores registrados na Índia ficaram abaixo dos montantes do continente sul-americano. Portanto, a pandemia tem recuado na maior parte do mundo, mas ainda apresenta números preocupantes na América do Sul.
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Poucos dias antes das eleições do dia 06/06, o Peru reclassificou as mortes da covid-19 e o número de 69.342 óbitos da doença subiu para mais de 180 mil (aumento de 160%). Desta forma, o Peru passou a ser o país com o maior coeficiente de mortalidade das Américas, do hemisfério Sul e do mundo, com 5,6 mil óbitos por milhão, valor bem superior às 3,1 mil mortes por milhão da Hungria (2º lugar) e 2,2 mil mortes por milhão do Brasil, que está em 8º lugar entre os países com mais de 1 milhão de habitantes.
A África e a Oceania são os continentes menos afetados pela pandemia e que apresentam os menores coeficientes de mortalidade (mesmo estando muito atrasados no processo de vacinação). A Europa e a América do Norte apresentam alto coeficiente de mortalidade, mas estão conseguindo reduzir o número de mortes, pois avançam rapidamente no plano de imunização. A América do Sul está numa situação crítica, pois tem atualmente o maior coeficiente diário de mortalidade e mantém um ritmo de vacinação insuficiente para interromper os efeitos mais danosos da pandemia.
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O aumento do preço dos alimentos e da insegurança alimentar
Além dos efeitos nefastos da morbimortalidade, a covid-19 também tem provocado o aumento da insegurança alimentar. O preço dos alimentos caiu no início da pandemia, mas voltou a subir a partir de maio de 2020. O Índice de Preços dos Alimentos da Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO) teve média de 108,5 pontos em dezembro de 2020, valor bem superior aos 91,0 pontos de maio do mesmo ano, conforme mostra o gráfico abaixo.
O Índice de Preços de Alimentos da FAO (FFPI) é uma medida da variação mensal dos preços internacionais de uma cesta de commodities alimentares. Consiste na média de cinco índices de preços de grupos de commodities ponderados pelas participações médias de exportação de cada um dos grupos no período 2014-2016. Ele é um importante indicador da segurança alimentar no mundo. Em janeiro de 2021 o FFPI subiu para 113,3 pontos e continuou aumentando até atingir 127,1 pontos em maio de 2021, conforme os dados divulgados na semana passada pela FAO. Desta forma, o preço dos alimentos está não só em patamar elevado, mas apresenta tendência de alta.
O FFPI da FAO, em valor real, teve um curto pico acima de 120 pontos em meados da década de 1970, em decorrência do primeiro choque do petróleo, mas atingiu os valores mais baixos da série entre 1985 e 2005. Contudo, tem apresentado perspectiva de alta no século XXI. Para o conjunto do ano de 2020 o valor ficou em 100 pontos e, em 2021, subiu para o patamar de 120 pontos, o mesmo valor de 2011, quando ocorreu o auge do superciclo das commodities.
A última vez que o FFPI da FAO teve um aumento semelhante foi entre 2009 e 2011 e provou revoltas em grande parte do mundo. Segundo o Relatório do NECSI (New England Complex Systems Institute) publicado em 28/09/2012, há uma forte correlação entre o aumento do preço dos alimentos e a ocorrência de protestos em todo o mundo, conforme mostra o gráfico abaixo. Sempre que o índice da FAO sobe, ocorrem manifestações e revoltas populares. Por exemplo, o gatilho que detonou a Primavera Árabe foi o aumento do preço da comida. Na Tunísia, o início das manifestações começou após a imolação do jovem Mohamed Bouazizi, de 26 anos, vendedor ambulante de frutas e verduras, em Sidi Bouzid. Entre dezembro de 2010 e janeiro de 2011, a revolução na Tunísia provocou a saída do presidente da República, Zine el-Abidine Ben Ali, que controlava o poder desde 1987.
No Egito, em 25 de janeiro de 2011, a Revolução teve início com uma série de manifestações de rua e atos de desobediência civil, inspirados na revolta da Tunísia. Os principais motivos para a revolta foram as altas taxas de desemprego, a falta de moradia, a inflação, a corrupção e, em especial, os constantes aumentos dos preços dos alimentos. A Guerra Civil na Síria também começou como uma série de grandes protestos populares em 26 de janeiro de 2011. Embora o povo sírio tenha mil motivos para depor o presidente Bashar al-Assad, o aumento do preço da comida e a falta de água foram fatores decisivos para o início das revoltas. O desastre sírio foi agravado pelas mudanças climáticas e por uma seca histórica.
Mais recentemente, na Colômbia, manifestantes tomaram as ruas das principais cidades do país em abril e maio de 2021, mesmo contrariando as regras de distanciamento social existentes em função da pandemia. Tudo ocorreu após o presidente Iván Duque apresentar uma proposta de reforma tributária ao parlamento colombiano, visando aumentar a base de arrecadação do imposto de renda e aumentar impostos sobre serviços básicos e IVA. A proposta foi considerada muito onerosa para a classe média e para os setores mais empobrecidos da sociedade colombiana.
A crise da Colômbia serve de alerta para o Brasil onde a fome voltou a crescer, depois de recuar significativamente até meados da década passada. O Inquérito Nacional sobre Insegurança Alimentar no Contexto da Pandemia da Covid-19 no Brasil, desenvolvido pela Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar (Rede PENSSAN) mostra que houve um retrocesso acentuado nos dois últimos anos, pois, de 2013 a 2018, a insegurança alimentar teve aumento de 8% ao ano, mas de 2018 a 2020, esse crescimento acelerou, sobretudo na modalidade severa, e o total de pessoas com fome saltou de 10,3 milhões para 19,1 milhões.
As diversas experiências históricas mostram que aumento do preço dos alimentos e aumento de impostos são combustíveis que costumam incendiar os países. Desta forma, mobilizações podem também acontecer no território brasileiro. Como mostrei no Diário da Covid-19, Brasil tem a maior taxa diária de mortalidade do hemisfério Sul: “Tudo indica que poderá haver uma revolta no Brasil em 2021, pois os preços dos alimentos estão subindo em todo o território nacional devido a 5 fatores: aumento dos custos de produção e transporte; desorganização da cadeia produtiva global (gerando gargalos na produção e distribuição); aumento do preço do petróleo; danos causados pela crise ambiental; e desvalorização cambial” (Alves, 21/03/2021).
Acrescente-se aos 5 fatores, o fato de que o Brasil passa pela maior crise hídrica desde 1931, uma vez que nos próximos meses as chuvas não terão volumes significativos para manter o nível dos reservatórios. O ministério de Minas e Energia pretende acionar todas as usinas termelétricas do país para garantir que não ocorram apagões ou seja preciso racionar energia. Evidentemente, o aumento do custo da energia irá impactar no preço dos alimentos além de dificultar a recuperação da economia e do emprego.
Uma década sombria?
A influente revista britânica The Economist trouxe, na edição da semana que passou, uma reportagem especial sobre o Brasil, com a ilustração de capa mostrando o Cristo Redentor com máscara de oxigênio e uma manchete intitulada “A década sombria do Brasil”. A extensa matéria é dividida em cinco partes: “O capitão e seu país”, “Um sonho adiado”, “Caminhando para trás”, “A necessidade de reformas” e “Árvores de dinheiro” e aborda a condução das políticas de descaso com o meio ambiente, o envolvimento do Exército com o Governo Federal, os resultados embaraçosos e contraditórios da Operação Lava-Jato e a desastrosa condução da pandemia no país que já provocou quase meio milhão de mortes pela covid-19. The Economist constata que o Brasil vive uma estagnação econômica “secular” e considera que a retomada do desenvolvimento depende da saída do atual presidente.
Como mostrei no Diário da Covid-19: O pior ano da pior década perdida no Brasil, aqui no #Colabora (Alves, 03/01/2021), o Brasil foi um país que mantinha o crescimento do PIB nacional acima do ritmo de aumento do PIB global na maior parte dos 200 anos da Independência. Contudo, tudo mudou a partir dos anos de 1980, sendo que os decênios de 1981-90 e 2011-20 são considerados décadas perdidas, pois tiveram decréscimo da renda per capita. O desempenho da década passada foi pior do que o de todas as décadas anteriores. O gráfico abaixo mostra que o Brasil foi uma nação emergente entre 1822 e 1980, mas a partir de 1981 virou uma economia submergente, pois cresce menos do que a média mundial e tem piorado os fundamentos macroeconômicos do desenvolvimento sustentável.
O Brasil, em 2022, vai chegar aos 200 anos da Independência preso na armadilha da renda média e sem muita perspectiva de mudar o curso de uma trajetória submergente que insiste em assombrar o país, em especial, depois de duas décadas perdidas e de 40 anos de medíocre desenvolvimento econômico e social. Todavia, a população brasileira merece vislumbrar um futuro mais iluminado e brilhante. Assim, para evitar uma nova “década sombria”, talvez valha a pena considerar o conselho expresso nas últimas linhas da reportagem especial da revista The Economist: “As empresas, as ONGs e os brasileiros e brasileiras comuns devem protestar em favor da Amazônia e da Constituição. Mas será difícil mudar o curso do Brasil enquanto o Sr. Bolsonaro for o presidente. A prioridade mais urgente é, por meio do voto, tirá-lo do poder”.
Frase do dia 06 de junho de 2021
“Ando com fome de coisas sólidas e com ânsia de viver só o essencial. Pessoalmente, penso que chega um momento na vida da gente, em que o único dever é lutar ferozmente por introduzir, no tempo de cada dia, o máximo de eternidade”
João Guimarães Rosa (1908-1967)
Referências
ALVES, JED. Diário da Covid-19: Brasil tem a maior taxa diária de mortalidade do hemisfério Sul, #Colabora, 21 de março de 2021
ALVES, JED. Diário da Covid-19: O pior ano da pior década perdida no Brasil, #Colabora, 03 de janeiro de 2021
Karla Z. Bertrand, Greg Lindsay, and Yaneer Bar-Yam, Food briefing, NECSI: New England Complex Systems Institute Report 2012-09-28
Rede PENSSAN. VIGISAN, Inquérito Nacional sobre Insegurança Alimentar no Contexto da Pandemia da Covid-19 no Brasil, março 2021
The Economist. Brazil’s dismal decade, London, 04/06/2021