Diário da Covid-19: América do Sul vive o seu maior surto pandêmico

Paciente com covid-19 é atendida em um hospital instalado em uma academia de esportes, em Santo André, no estado de São Paulo. Foto Miguel Schincariol/AFP. Março/2021

Mais de 21% das 3,4 milhões de vidas perdidas para a doença no mundo foram registradas no continente. São quase 750 mil mortos

Por José Eustáquio Diniz Alves | ODS 3 • Publicada em 23 de maio de 2021 - 12:34 • Atualizada em 26 de maio de 2021 - 09:41

Paciente com covid-19 é atendida em um hospital instalado em uma academia de esportes, em Santo André, no estado de São Paulo. Foto Miguel Schincariol/AFP. Março/2021

A América do Sul está passando pelo maior surto da pandemia global. O continente sul-americano, com 434 milhões de habitantes, tem 5,5% dos 7,87 bilhões de habitantes do globo. Mas, em termos acumulados, no dia 21 de maio de 2021, registrou 27,5 milhões de pessoas infectadas pela covid-19 (representando 16,5% do total global dos 166,2 milhões de casos), além de somar 747,8 mil óbitos (21,7% do total das 3,4 milhões de vidas perdidas no mundo).

A Europa e a América do Norte apresentavam os maiores coeficientes de incidência (casos por milhão) e de mortalidade (óbitos por milhão) do mundo, entre novembro de 2020 e março de 2021. Mas a América do Sul passou a apresentar os maiores coeficientes globais, principalmente, nos meses de abril e maio (maiores, inclusive, do que os coeficientes da Índia). A média móvel de 7 dias no continente sul-americano estava em 306 casos diários por milhão de habitantes, no dia 21 de maio de 2021, valor bem superior aos 91 casos da Europa, 77 casos da Ásia, 71 casos da América do Norte e menos de 10 casos por milhão de habitantes da África e da Oceania, conforme mostra o gráfico à esquerda na figura abaixo.

Em termos acumulados, o coeficiente de incidência estava em 65,1 mil na América do Norte, 63,4 mil na América do Sul e 62,3 mil na Europa e valores abaixo de 11 mil nos demais continentes, conforme mostra o gráfico à direita na figura abaixo. A América do Sul estava em 2º lugar no dia 21 de maio, mas deve assumir o 1º lugar no coeficiente acumulado de incidência até o final de maio, pois tem taxas diárias bem superiores aos demais continentes.

América do Sul vive o seu maior surto de covid-19: gráficos mostra média de casos

A média móvel de 7 dias do coeficiente diário de mortalidade estava em 8,3 óbitos por milhão de habitantes na América do Sul no dia 21/05, valor bem acima dos 2,3 óbitos da Europa, 1,5 óbitos da América do Norte, 1,2 óbitos da Ásia e menos de 1 óbito por milhão de habitantes da África e da Oceania, conforme mostra o gráfico à esquerda na figura abaixo.

Em termos acumulados, no dia 21/05, o coeficiente acumulado de mortalidade na América do Sul estava em 1,74 mil óbitos por milhão de habitantes, a América do Norte com 1,47 mil óbitos, a Europa com 1,42 mil óbitos e os demais continentes com menos de 140 óbitos por milhão de habitantes, conforme mostra o gráfico à direita na figura abaixo. Portanto, em termos de mortalidade, a América do Sul apresenta os maiores coeficientes do mundo.

O gráfico abaixo mostra o coeficiente diário de incidência para os 10 países da América do Sul (com mais de 1 milhão de habitantes), entre 01 de novembro de 2020 a 21 de maio de 2021. Nota-se que, no dia 21/05, o Uruguai registrou 960 casos diários por milhão de habitantes, a Argentina 673 casos, o Paraguai 352 casos, o Chile 317 casos, o Brasil 303 casos, a Colômbia 302 casos, a Bolívia 194 casos, o Peru 136 casos, o Equador 78 casos e a Venezuela 41 casos por milhão de habitantes.

O gráfico abaixo mostra o coeficiente acumulado de incidência para os mesmos países da América do Sul e o mesmo período. Observa-se que, no dia 21/05, a Argentina registrou 77 mil casos por milhão de habitantes, o Brasil vindo em segundo lugar com 75,1 mil casos por milhão,  o Uruguai com 74,4 mil casos, o Chile com 68,8 mil casos, a Colômbia com 62,7 mil casos, o Peru com 57,9 mil casos, o Paraguai com 45,9 mil casos, a Bolívia com 29,4 mil casos, o Equador com 23,6 mil casos e a Venezuela com 7,8 mil casos por milhão de habitantes.

O gráfico abaixo mostra o coeficiente diário de mortalidade para os 10 países da América do Sul, de 01/11 a 21/05. Novamente o Uruguai apresenta os maiores números, com 16 óbitos diários por milhão de habitantes, seguido do Paraguai com 12,7 óbitos por milhão, Argentina com 11,2 óbitos, Colômbia com 9,7 óbitos, Brasil com 9,2 óbitos, Peru com 7,1 óbitos, Chile e Equador com 4,8 óbitos, Bolívia com 4,5 óbitos e Venezuela com 1 óbito por milhão de habitantes.

O gráfico abaixo mostra o coeficiente acumulado de mortalidade para os mesmos países da América do Sul e o mesmo período. O Brasil com 2100 óbitos por milhão de habitantes apresenta o coeficiente mais alto do continente. Peru vem em seguida com 2040 óbitos por milhão, Colômbia com 1645 óbitos, Argentina 1623 óbitos, Chile com 1480 óbitos, Bolívia com 1180 óbitos, Equador com 1140 óbitos, Paraguai com 1138 óbitos, Uruguai com 1.082 óbitos e a Venezuela com 88 óbitos por milhão de habitantes.

Embora a América do Sul esteja em primeiro lugar em termos de coeficiente de mortalidade, o continente aplicou ao menos a 1ª dose da vacina a apenas 15,8% da sua população, bem atrás da América do Norte com 35,5% e a Europa com 28,7%. A média mundial de doses aplicadas está em apenas 9,6% da população global, sendo que a Ásia imunizou 5,1% e a África e a Oceania menos de 2% da população.

O Chile é o único país da América do Sul com mais de 50% da população imunizada com pelo menos 50% dos habitantes recebendo a 1ª dose da vacina contra a covid-19. Em seguida vem o Uruguai com 45% da população vacinada até o dia 21 de maio de 2021, e a Argentina e o Brasil com cerca de 18,5% da população vacinada. A média mundial está em 10% da população vacinada, mesmo número apresentado pela Colômbia. Abaixo da média mundial de vacinação estão Bolívia, Equador, Peru, Paraguai e Venezuela. Portanto, o continente sul-americano tem apresentado um ritmo lento de vacinação, quando comparado com a urgência da necessidade de imunização diante do alto coeficiente de mortalidade.

O panorama nacional

O Ministério da Saúde contabilizou 16.047.439 pessoas infectadas e 448.208 vidas perdidas no Brasil no dia 21 de maio de 2021, com uma taxa de letalidade de 2,8%. A média móvel de 7 dias das mortes ficou em 1.928 óbitos, abaixo do número de 14 dias atrás, mas acima do valor da semana passada. A média móvel do número de pessoas infectadas continua subindo e está 10% acima da média de 14 dias atrás. Confirmando a tendência comentada no Diário da Covid-19 da semana  passada (Alves, 16/05/2021), o aumento de casos de pessoas infectadas parece indicar o início da 3ª onda pandêmica no Brasil.

A lenta vacinação brasileira ainda não conseguiu incluir a totalidade da população idosa do país e, infelizmente, o cronograma de vacinação da população adulta (18 a 59 anos) deve se prolongar para 2022. Contudo, o Boletim do Observatório Covid-19 Fiocruz, divulgado nesta dia 21 de maio, mostra que o processo de rejuvenescimento da pandemia continua se acelerando e, pela primeira vez, a mediana da idade de internações em UTIs de todo o país ficou abaixo dos 60 anos: “A análise comparou a Semana Epidemiológica 1 (3 a 9 de janeiro) e a 18 (2 a 8 de maio) de 2021 e verificou que a mediana da idade das internações hospitalares (idade que delimita a concentração de 50% dos casos) foi de 66 anos na SE 1 para 55 anos na SE 18. Já a mediana de idade de internações em UTI foi de 68 anos na SE 1 para 58 anos na SE 18” (Boletim Fiocruz).

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“Luto para viver

Vivo para morrer

Enquanto minha morte não vem

Eu vivo de brigar contra o rei”

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Enquanto na América do Sul o Brasil caminha para a 3ª onda sucessiva, a CPI da covid-19 já indicou os equívocos da cúpula política do governo de Jair Bolsonaro que possibilitaram o agravamento da emergência sanitária. Os questionamentos ao ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello deixaram claro que a incompetência, a falta de compaixão e o negacionismo favoreceram a propagação do coronavírus e, consequentemente, possibilitaram o aumento do número de vítimas fatais. O relator da CPI, senador Renan Calheiros (MDB-AL), identificou 15 “afirmações falsas” do ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello, relacionadas ao uso de cloroquina, aquisição de vacinas e falta de oxigênio.

O artigo “Mais votos, menos vidas” de PH de Noronha, aqui no #Colabora, de 17 de maio de 2021, comenta estudos que mostram que as regiões onde a população mais votou em Bolsonaro são justamente onde a epidemia de covid-19 tem causado mais mortes. De fato, o controle da pandemia depende de uma efetiva sinergia entre o Poder Público e a Sociedade Civil e quando os governantes lançam mensagens contraditórias e não incentivam a atuação preventiva coletiva fica quase impossível deter a propagação comunitária do vírus.

O gráfico abaixo apresenta um ajuste linear entre a percentagem de votos no segundo turno em Jair Bolsonaro nas eleições presidenciais de 2018 e o número de vidas perdidas para a covid-19, ponderada pelo peso demográfico das Unidades da Federação (UF). A estatística mostra que a correlação entre as variáveis tem uma associação positiva forte (42% de explicação da variabilidade entre a percentagem do voto em Bolsonaro e o coeficiente de mortalidade). Ou seja, naquelas UFs em que houve uma forte votação no atual presidente da República a proporção de mortes é maior do que naquelas UFs em que o atual mandatário teve menor proporção de votos.

A ironia dessa história é que os apoiadores do atual Governo Federal tendem a ser as principais vítimas da pandemia. Sendo assim, a maior morbimortalidade ocorre em maior proporção entre os eleitores de Jair Bolsonaro. Desta forma, ser de oposição está associado a maior esperança de vida e ser da situação constituí maior chance de morte. Por conseguinte, pode-se dizer que o rei está nu e a farsa está sendo pouco a pouco desmascarada na luta do dia a dia pela sobrevivência.

Frase do dia 23 de maio de 2021

“Luto para viver

Vivo para morrer

Enquanto minha morte não vem

Eu vivo de brigar contra o rei”

Caxangá (1977), de Milton Nascimento e Fernando Brant.

Interpretação: Elis Regina e Milton Nascimento

Referências

ALVES, JED. Diário da Covid-19: Aumento de casos pode ser início da 3ª onda no Brasil, #Colabora, 16 de maio de 2021

NORONHA, PH. Mais votos, menos vidas, #Colabora, 17 de maio de 2021

CASTRO, Regina. Mediana de idade de internações por covid-19 fica abaixo de 60 anos pela primeira vez, CCS/Fiocruz, 21 de maio de 2021

José Eustáquio Diniz Alves

José Eustáquio Diniz Alves é sociólogo, mestre em economia, doutor em Demografia pelo Centro de Desenvolvimento e Planejamento Regional (Cedeplar/UFMG), pesquisador aposentado do IBGE, colaborador do Projeto #Colabora e autor do livro "ALVES, JED. Demografia e Economia nos 200 anos da Independência do Brasil e cenários para o século" (com a colaboração de F. Galiza), editado pela Escola de Negócios e Seguro, Rio de Janeiro, 2022.

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