Diário da Covid-19: Pandemia no Brasil segue em ritmo mais lento do que a média global

Uma estátua de Nossa Senhora Fátima é carregada durante a cerimônia que marca a última peregrinação do ano no santuário de Fátima, no centro de Portugal, realizada sob rígidas regras de distanciamento social. Foto Patrícia de Melo Moreira/AFP

Exemplos internacionais indicam, no entanto, que o Brasil não está imune a uma segunda onda do surto pandêmico. Rio e Manaus têm trajetória de alta

Por José Eustáquio Diniz Alves | ODS 3 • Publicada em 18 de outubro de 2020 - 11:19 • Atualizada em 21 de outubro de 2020 - 08:18

Uma estátua de Nossa Senhora Fátima é carregada durante a cerimônia que marca a última peregrinação do ano no santuário de Fátima, no centro de Portugal, realizada sob rígidas regras de distanciamento social. Foto Patrícia de Melo Moreira/AFP

Felizmente, nos últimos 15 dias, pela primeira vez, a pandemia avançou em ritmo menor no Brasil do que na média global. De fato, o novo coronavírus já havia se expandido pela Ásia, Europa e Estados Unidos quando chegou à América do Sul. A covid-19 começou a se propagar pelo Brasil após um certo lapso de tempo em relação aos países do Norte, mas passou a avançar em velocidade maior do que a média mundial. Em meados de maio o Brasil assumiu o 2º lugar no ranking internacional do número acumulado de pessoas infectadas pelo SARS-CoV-2 e no dia 10 de junho ultrapassou o Reino Unido e assumiu o 2º lugar no ranking acumulado de vidas perdidas. Entre os meses de março e agosto de 2020 a pandemia avançou no Brasil em ritmo superior ao da média mundial. Em setembro, o ritmo de expansão do número de casos no Brasil ficou pouco abaixo da média mundial. Na primeira quinzena de outubro, felizmente, a variação relativa das mortes no território nacional, de forma inédita, ficou abaixo da variação média global.

O que preocupa é que o número de casos continua crescendo globalmente, fundamentalmente devido à segunda onda na Europa e o número de mortes globais continua estacionado em alto patamar – acima de 5 mil óbitos diários – mas aumentando em alguns países. Exemplos internacionais sugerem que o Brasil não está imune a uma segunda onda do surto pandêmico. O quadro global é complexo. Há muitas incertezas e, provavelmente, não será possível uma rápida vacinação em massa contra a covid-19, pois não haverá vacinas aprovadas imediatamente e nem capacidade de produção e distribuição suficientes para imunizar todos os habitantes do Planeta, como bem alertou, recentemente, a Organização Mundial da Saúde. Faltam pouco mais de 2 meses para o final do ano e a pandemia ainda está longe de ser controlada. Já são cerca de 40 milhões de casos globais e mais de 1,1 milhão de mortes. Além dos problemas de saúde, as consequências econômicas e sociais são terríveis.

Em um restaurante em Manhattan, Nova York, pessoas jantam em barracas plásticas improvisadas para garantir o distanciamento social. Foto Angela Weiss/AFP
Em um restaurante em Manhattan, Nova York, pessoas jantam em barracas plásticas improvisadas para garantir o distanciamento social. Foto Angela Weiss/AFP

O Fundo Monetário Internacional (FMI) revisou suas estimativas para a economia mundial em 2020 e 2021. No relatório World Economic Outlook (WEO), de 13/10, o fundo projetou um tombo de 4,4% para a economia global este ano, número menos pior do que a estimativa de junho, que previa uma queda de 4,9%. Houve melhora também nas estimativas para o Brasil, pois agora o FMI estima uma queda de 5,8% no PIB brasileiro em 2020, tombo menor do que a estimativa anterior de 9,1%. Todavia, foram revisadas para baixo as previsões de crescimento em 2021: a estimativa é de uma expansão global de 5,2%, enquanto o Brasil deve crescer 2,8% – em junho, essas previsões eram de 5,4% e 3,6%, respectivamente.

Ou seja, antes o FMI projetava uma recessão muito profunda em 2020, mas com recuperação muito rápida em 2021. Agora a estimativa é que a recessão esse ano será um pouco menor, mas, em contraposição, a recuperação no ano que vem será mais lenta. O Fundo considera a pandemia um “evento transformacional”, pois o desemprego deve permanecer alto, a renda disponível deve continuar caindo e a desigualdade social ficará agravada. O relatório WEO diz: “A pandemia vai reverter o progresso feito desde a década de 1990 na redução da pobreza global. Como consequência, perto de 90 milhões de pessoas podem ficar abaixo do limite de renda diária – de US$ 1,90 – da pobreza extrema este ano”.

No relatório Monitor Fiscal, divulgado no dia 14/10, o FMI completa: “A crise da covid-19 devastou a vida das pessoas, empregos e negócios. Os governos tomaram medidas enérgicas para amortecer o golpe, totalizando espantosos US$ 12 trilhões em todo o mundo. Essas boias salva vidas evitaram muitas mortes e garantiram a sobrevivência da população mais necessitada. Mas essas medidas são caras e, junto com quedas acentuadas nas receitas fiscais devido à recessão, empurraram a dívida pública global para quase 100% do PIB”. Inquestionavelmente, a economia e a doença do SARS-CoV-2 estão intrinsecamente interligadas e a dimensão do pandemônio econômico dependerá da duração da pandemia.

A terceira década do terceiro milênio vai começar, em 2021, com enormes desafios pela frente e será necessário redobrar os esforços para que o mundo possa cumprir a Agenda 2030 da ONU, aprovada em importantes eventos ocorridos no aniversário de 70 anos da organização intergovernamental criada para promover a cooperação internacional (Alves, 2015).

 O panorama nacional

Os dados oficiais divulgados pelo Ministério da Saúde registraram 5.224.362 pessoas infectadas e 153.675 vidas perdidas, no dia 17 de outubro, com uma taxa de letalidade de 2,9%. Na 42ª semana epidemiológica (SE), de 11 a 17 de outubro, a média diária de pessoas infectadas foi de 20,2 mil casos (variação relativa de 0,4% ao dia) e a média diária de vidas perdidas foi de 497 óbitos (variação relativa de 0,33% ao dia), o menor valor em quase 6 meses.

Na análise das 15 quinzenas de 01 de março a 15 de outubro de 2020, o gráfico abaixo mostra os valores diários das variações dos casos da covid-19 no Brasil. Nota-se que, na quinzena de 01 a 15 de março, houve uma média diária de 13 casos. Nas duas quinzenas seguintes foram 345 casos e 1.507 casos até o pico de 43.641 casos diários na quinzena 01 a 15 de agosto. A partir daí, os números caíram até 23.897 casos na quinzena 01 a 15 de outubro. A tendência é de continuidade da queda nacional do número de novos casos, embora o Brasil ainda apresente um coeficiente diário de incidência, relativamente alto, de cerca de 100 casos por milhão de habitantes.

O gráfico abaixo mostra os valores diários das variações dos óbitos no Brasil nas 14 quinzenas de 16 de março a 30 de setembro. Nota-se que, na quinzena de 16 a 31 de março, houve uma média diária de 13 óbitos e nas quinzenas seguintes este número subiu até o pico de 1.069 óbitos diários na quinzena de 16 a 31 de julho. Nas quinzenas a partir de agosto, os números de vítimas fatais diminuíram, sendo que na quinzena de 01 a 15 de outubro a média diária foi de 597 óbitos. A tendência nacional é também de queda do número de novos óbitos, embora o Brasil ainda apresente um coeficiente diário de mortalidade, relativamente alto, de cerca de 3 vítimas fatais por milhão de habitantes.

Os números acima indicam que o volume de casos e de mortes apresentam uma trajetória de queda, mas ainda permanecem em alto patamar. Em números acumulados, o Brasil é o terceiro país no ranking global de casos (atrás apenas dos EUA e da Índia) e o segundo lugar no ranking de vítimas fatais (atrás apenas dos EUA). O Brasil (com 25 mil casos por milhão de habitantes) está entre os 10 países com maiores coeficientes de incidência e, em termos de coeficiente de mortalidade, o Brasil com 725 óbitos por milhão de habitantes está atrás apenas do Peru (1.014 óbitos por milhão) e da Bélgica (886 óbitos por milhão de habitantes), com dados do dia 15 de outubro.

O Brasil é um dos países mais impactados pela covid-19 no mundo, mas a pandemia atinge de maneira diferenciada as diversas regiões e cidades brasileiras. Os maiores números absolutos estão, evidentemente, na região Sudeste, pois é a região com 42% da população nacional. O Sudeste possui o menor coeficiente de incidência e o terceiro coeficiente de mortalidade. A região Sul tem o segundo menor coeficiente de incidência e o menor coeficiente de mortalidade. A região Norte tem o maior coeficiente de mortalidade.

Desde abril de 2020, o novo coronavírus, que estava concentrado nas cidades de São Paulo e Rio de Janeiro, foi se espalhando pelo território nacional. As duas maiores cidades do país somam 19 milhões de habitantes (9% do total nacional), mas possuiam 46% dos casos e 68% dos óbitos no dia 01 de abril de 2020. Porém, estes percentuais cairam progressivamente e chegaram a 8% dos casos e 16% dos óbitos no dia 15 de outubro. Houve uma desconcentração geográfica e uma interriorização da pandemia ao longo do ano.

O gráfico abaixo apresenta o coeficiente de incidência para as 26 capitais das Unidades da Federação (UFs), Brasília e a média nacional. A capital com o maior coeficiente é Boa Vista, em Roraima, com impressionantes 99.368 casos por milhão de habitantes (isto quer dizer que 10% da população foi infectada). De modo geral e não por coincidência, o impacto da pandemia tende a ser maior onde há corrupção e desvio do dinheiro da saúde. O senador Chico Rodrigues (DEM-RR) foi alvo no dia 14/10 de uma operação conjunta da Controladoria-Geral da União (CGU) e da Polícia Federal para apurar desvios de verbas destinadas ao combate à pandemia do novo coronavírus. O dinheiro desviado teria vindo justamente de emendas parlamentares, de acordo com a Polícia Federal. Foram encontrados quase R$ 30 mil e parte das notas de dinheiro estaria entre as nádegas do senador. O suposto esquema teria desviado até R$ 20 milhões em verbas públicas por meio de licitações fraudulentas, segundo os investigadores.

Brasília é a segunda capital com o maior coeficiente de incidência (67.253 casos por milhão) e Porto Velho (RO) tem o terceiro coeficiente com 58,5 mil casos por milhão. A média nacional, no dia 15/10 foi de de 24.599 casos por milhão. Abaixo da média brasileira, estavam Porto Alegre, Recife, Curitiva, Fortaleza, Belo Horizonte e Rio de Janeiro, esta última com 16,6 mil casos por milhão de habitantes. A média global, na mesma data, foi de 5 mil casos por milhão de habitantes.

O gráfico abaixo apresenta o coeficiente de mortalidade das mesmas 27 capitais. A capital com o maior coeficiente é a “Cidade Maravilhosa”, com espantosos 1.717 óbitos por milhão de habitantes. Mais uma vez, corrupção e saúde estão intrinsecamente ligados como é o caso de todo o território fluminense. O governador Wilson Witzel foi alvo de um processo de impeachment por mau uso do dinheiro público na Saúde em meio à pandemia da covid-19. No plano municipal, o prefeito Marcelo Crivella também enfrenta problemas com a justiça. O Ministério Público do Rio de Janeiro (MPRJ) afirmou que havia um “QG da Propina” que funcionava na Prefeitura do Rio e recebia R$ 1,5 milhão por mês da empresa Assim Saúde para intermediar o fornecimento de planos de saúde a servidores municipais. Sem uma boa gestão da saúde é impossível controlar a pandemia.

O gráfico também mostra que outras duas capitais no topo do ranking são Cuiabá (com 1,6 mil óbitos por milhão) e Belém (com 1,5 mil óbitos por milhão). São Paulo, a maior cidade do país, tem coeficiente de 1.079 óbitos por milhão. A média nacional ficou em 725 óbitos por milhão. Abaixo da média brasileira, estão Campo Grande, Curitiba, Palmas, Belo Horizonte e, com o menor coeficiente, Florianópolis (279 óbitos por milhão. A média global, na mesma data, é de 141 vítimas fatais por milhão de habitantes.

A cidade do Rio de Janeiro tem o menor coeficiente de incidência e o maior coeficiente de mortalidade, com a maior taxa de letalidade do país, de 10% (10 mortes para cada 100 pessoas infectadas). Essa alta letalidade sugere que os números de casos registrados na “Cidade Maravilhosa” estejam subnotificados, especialmente porque a capital fluminense é, entre as  grandes cidades, a com menor proporção de testes aplicados.

Para efeito de comparação, o Rio com 11,6 mil vidas perdidas para a Covid-19 tem 2,5 vezes o montante de mortes de toda a China (4.634 óbitos). Contrastando com o nosso vizinho do Sul, a capital fluminense, com o dobro da população do Uruguai, possui 46 vezes mais casos e 226 mais óbitos. O coeficiente de mortalidade do Rio de Janeiro é de  1.717 óbitos por milhão e do Uruguai de 15 óbitos por milhão. Ou seja, para cada óbito uruguaio há, proporcionalmente, 117 mortes cariocas.

Para agravar a situação, existe a possibilidade de uma segunda onda na cidade e no estado do Rio de Janeiro. Vários países europeus estão passando por uma segunda onda da pandemia, havendo, inclusive, países que passam por uma terceira onda, como Portugal, Israel e Irã.

O gráfico abaixo mostra que o pico do número diário de casos e de mortes na cidade do Rio de Janeiro ocorreu na virada dos meses de maio e junho. Nos meses seguintes o montante diminuiu até o mínimo ocorrido em setembro de 2020. Contudo, os números voltaram a apresentar uma tendência de alta no mês de outubro. Ainda não está claro se está ocorrendo uma pequena oscilação ou se trata de uma tendência de mais longo prazo de alta. O fato é que o ajuste polinomial de terceiro grau indica uma subida no número de casos e de mortes para a próxima semana. Para o total do Brasil a tendência é de queda, mas a capital fluminense pode estar indicando uma tendência pioneira de segunda onda no país (a mesma propensão ocorre também em Manaus).

Com o fim da quarentena e a flexibilização do isolamento social, a população fica mais vulnerável ao contágio do SARS-CoV-2. Sem dúvida, a retomada das atividades econômicas e o aumento das aglomerações (praias, bares, festas, etc.) são um sinal da possibilidade de retomada (na forma de uma segunda onda) do crescimento da covid-19. Na falta de medidas preventivas efetivas, um repique de casos e mortes não é um evento a ser desconsiderado pelas autoridades de saúde do Brasil.

O panorama global

O mundo se aproximou da marca de 40 milhões de pessoas infectadas e já ultrapassou 1,1 milhão de mortes no dia 17 de outubro, com uma taxa de letalidade de 2,8%. Na 42ª semana epidemiológica (SE), de 11 a 17 de outubro, a média diária de pessoas infectadas no mundo foi de impressionantes 355 mil casos (variação relativa de 0,9% ao dia) e a média diária de vidas perdidas foi de 5,3 mil óbitos (variação relativa de 0,5% ao dia). No dia 16/10, o mundo bateu o recorde do ano e superou 400 mil novos casos em 24 horas.

O gráfico abaixo mostra a evolução da média diária dos casos da covid-19 no mundo, nas 15 quinzenas de 01 de março a 15 de outubro de 2020. Nota-se que, na quinzena de 01 a 15 de março, houve uma média diária de 6 mil casos. Na quinzena 16 a 31 de março, o número de casos deu um salto para 43 mil e continuou subindo até 260 mil na quinzena de 01 a 15 de agosto. A única queda aconteceu na segunda quinzena de agosto com 251 mil casos por dia. Em seguida a trajetória de alta foi retomada e chegou a 329 mil casos diários na primeira quinzena de outubro.

O gráfico abaixo mostra a evolução do número diário de óbitos no mundo nas 15 quinzenas de 01 de março a 15 de outubro. Na quinzena de 01 a 15 de março, houve uma média diária de 239 óbitos. Na quinzena seguinte houve 2,4 mil óbitos diários e, na quinzena 01 a 15 de abril, atingiu o pico da série com 6.566 óbitos diários. Os números absolutos caíram até 4.304 óbitos diários na quinzena 01 a 15 de junho, mas voltaram a subir até 5.878 óbitos na quinzena 01-15 de agosto. Nas quinzenas seguintes os números diminuíram até 5.048 óbitos diários na quinzena 16 a 30 de setembro, e atingiu 5.392 óbitos diários na primeira quinzena de outubro.

Comparando o ritmo do avanço da pandemia no Brasil e no mundo, o gráfico abaixo mostra a variação média diária dos casos nas quinzenas de 01 de abril a 15 de outubro. Na primeira quinzena de abril a percentagem de casos crescia a 6% ao dia no mundo e a 11,3% ao dia no Brasil. Estes números caíram rapidamente e na segunda quinzena de julho o mundo crescia a 1,6% ao dia e o Brasil a 1,9% ao dia. Na segunda quinzena de agosto houve empate e na primeira quinzena de setembro, o número de casos no Brasil passou a crescer menos do que no mundo. Na primeira quinzena de outubro, o mundo cresceu a 0,9% ao dia e o Brasil cresceu 0,5% ao dia.

O gráfico abaixo mostra a variação média diária dos óbitos nas quinzenas de 01 de abril a 15 de outubro. Na primeira quinzena de abril a percentagem de óbitos crescia a 7,3% ao dia no mundo e a 15,5% ao dia no Brasil. Estes números caíram rapidamente houve empate na última quinzena de setembro. Na primeira quinzena de outubro, o mundo cresceu a 0,5% ao dia e o Brasil cresceu 0,4% ao dia. Pela primeira vez, a percentagem de óbitos cresce atualmente menos no Brasil do que no mundo.

Sem dúvida, a pandemia do novo coronavírus não dá trégua. A Europa – que sofreu intensamente nos meses de março e abril – parecia que tinha controlado a propagação do SARS-CoV-2 nos meses seguintes e quase zerado o número de mortes. Contudo, o mês de outubro trouxe uma segunda onda de casos, com recordes impressionantes em alguns países: a França que tinha apresentado um pico da média móvel de 7 dias com 4,5 mil casos em 01 de abril atingiu 20 mil casos em 16 de outubro; a Rússia que tinha apresentado média móvel de 10,9 mil casos em 12/05 atingiu 14 mil casos diários em 16 de outubro. A situação é a mesma no conjunto da União Europeia.

Os países europeus que conseguiram conter as taxas de infecção por meio de quarentenas rígidas na primavera, relaxaram as medidas de isolamento social e prevenção no verão e agora estão observando o retorno do vírus no outono, devendo assistir o aumento das mortes no inverno. A Organização Mundial da Saúde vê este processo com preocupação e adverte que após essa segunda onda de casos, provavelmente, virá uma segunda onda de mortes. A OMS estima que o número de vidas perdidas no continente, num futuro próximo, pode chegar a cinco vezes o pico de abril.

Nas Américas, países como Cuba e Jamaica que conseguiram minimizar a primeira onda, enfrentaram uma segunda onda da pandemia e até mesmo os EUA – com o maior volume acumulado de casos e mortes do mundo – estão experimentando uma terceira onda dos casos da covid-19 em outubro. O icônico desfile do Dia de Ação de Graças da Macy’s, que era realizado anualmente na cidade de Nova York, pela primeira vez em 94 anos de história, não acontecerá em 2020.

O Brasil, depois de ter alcançado o patamar mais alto do ranking do grupo de países com maiores coeficientes de incidência e mortalidade, tem apresentado uma tendência de queda nos últimos dois meses. Todavia, existem sinais de uma segunda onda, pois algumas capitais como Rio de Janeiro e Manaus apresentam uma trajetória de alta nas 3 últimas semanas. O perigo de um repique dos casos e das mortes no Brasil é não só possível, como real.

Na verdade, o Brasil e o mundo estão longe da chamada imunidade de rebanho. Perder o controle sobre a propagação do novo coronavírus seria colocar em risco milhões de vidas. Em carta aberta, publicada na prestigiosa revista The Lancet, 80 pesquisadores se manifestam contra a proposta de permitir a livre infecção da população, o que, segundo a OMS, causaria 77 milhões de mortes. Os signatários da carta dizem: “A evidência é muito clara: controlar a propagação comunitária da covid-19 é a melhor maneira de proteger nossas sociedades e economias até que vacinas seguras e terapêuticas eficazes cheguem nos próximos meses. Não podemos permitir distrações que minem uma resposta eficaz; é essencial que ajamos com urgência com base na evidência científica” (Alwan, 15/10/2020).

Portanto, para quem imaginou que a pandemia pudesse estar controlada antes do final do ano, os números globais de outubro são uma ducha de água fria. E se a doença não for erradicada rapidamente a atividade econômica não será capaz de gerar emprego e renda, agravando o quadro de desequilíbrio macroeconômico, de desigualdade social e de pobreza no mundo.

Os próximos dois meses exigirão muita atenção e cuidado com a sazonalidade do SARS-CoV-2 e o crescimento das curvas epidemiológicas em alguns países. Uma coisa é certa, não haverá condições de se realizar grandes festas públicas no próximo réveillon. Apenas será possível reforçar os costumeiros desejos de ano novo para que todos os sonhos de controle da pandemia e da economia possam ser realizados ao longo do ano de 2021.

Frase do dia 18 de outubro de 2020

“O desafio da modernidade é viver sem ilusões, sem se tornar desiludido”

Antônio Gramsci (1891-1937)

Referências:

ALVES, JED. Os 70 anos da ONU e a agenda global para o segundo quindênio (2015-2030) do século XXI. Revista Brasileira de Estudos de População (Impresso). v.3, p.587 – 598, 2015.

http://www.scielo.br/pdf/rbepop/v32n3/0102-3098-rbepop-32-03-0587.pdf

IMF. World Economic Outlook (WEO): A Long and Difficult Ascent, 13 October, 2020

https://www.imf.org/en/Publications/WEO/Issues/2020/09/30/world-economic-outlook-october-2020

IMF. Fiscal Monitor: Policies for the Recovery. Washington, 14 October, 2020

https://www.imf.org/en/Publications/FM/Issues/2020/09/30/october-2020-fiscal-monitor

Nisreen A Alwan et. al. Scientific consensus on the COVID-19 pandemic: we need to act now. The Lancet, October 15, 2020

https://www.thelancet.com/action/showPdf?pii=S0140-6736%2820%2932153-X

José Eustáquio Diniz Alves

José Eustáquio Diniz Alves é sociólogo, mestre em economia, doutor em Demografia pelo Centro de Desenvolvimento e Planejamento Regional (Cedeplar/UFMG), pesquisador aposentado do IBGE, colaborador do Projeto #Colabora e autor do livro "ALVES, JED. Demografia e Economia nos 200 anos da Independência do Brasil e cenários para o século" (com a colaboração de F. Galiza), editado pela Escola de Negócios e Seguro, Rio de Janeiro, 2022.

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