Diário da Covid-19: pandemia cresce em Brasília e atinge Bolsonaro

Em imagem feito no dia 19 de abril, em Brasília, o presidente Bolsonaro tosse enquanto fala depois de se juntar a seus apoiadores que estavam participando de uma carreata para protestar contra medidas de quarentena e distanciamento social para combater o novo coronavírus. Foto Sérgio Lima/AFP

Presidente confirma que está com a doença que cresce no Centro-Oeste. Número de infectados diariamente na região passou de 1 mil casos em maio para 3 mil em junho e 4 mil em julho

Por José Eustáquio Diniz Alves | ODS 3 • Publicada em 7 de julho de 2020 - 13:17 • Atualizada em 20 de setembro de 2021 - 11:48

Em imagem feito no dia 19 de abril, em Brasília, o presidente Bolsonaro tosse enquanto fala depois de se juntar a seus apoiadores que estavam participando de uma carreata para protestar contra medidas de quarentena e distanciamento social para combater o novo coronavírus. Foto Sérgio Lima/AFP

Apesar do seu propalado histórico de atleta, o presidente Jair Bolsonaro se transformou hoje no paciente mais ilustre da covid-19 no país. A confirmação da doença presidencial chega no momento em que o surto do coronavírus alcança com força a capital federal e o seu entorno. Até recentemente, as regiões Sul e Centro-Oeste eram as menos impactadas pela pandemia. Contudo, esta realidade vem mudando rapidamente e os casos e mortes pela covid-19 têm crescido com mais velocidade em Brasília e em toda a região Centro-Oeste. Nesta terça-feira, dia 7, em entrevista para CNN Brasil, Record e TV Brasil, o presidente confirmou que contraiu o novo coronavírus. De máscara, ele fez o anúncio mas não chegou a mostrar o exame. Em nota, a assessoria do Palácio do Planalto disse que Bolsonaro “mantém bom estado de saúde”.

Depois da facada, não vai ser uma gripezinha que vai me derrubar, não.

O gráfico abaixo, com dados oficiais do Ministério da Saúde, mostra que o número de pessoas infectadas diariamente na região estava abaixo de 1.000 casos até o final de maio de 2020. Mas o número de novos casos superou a casa dos 3.000 no mês de junho e a média móvel de 7 dias ultrapassou 4.000 casos no início de julho.

Da mesma forma, o número de vítimas fatais também deu um salto. A média móvel de 7 dias apontava para um valor abaixo de 20 óbitos por dia até o final de maio e deu um salto para mais de 80 óbitos diários no mês seguinte, conforme mostra o gráfico. No mês de julho, o número de óbitos ultrapassou o limiar de 100 vidas perdidas no dia a dia.

No mês de maio, o número de casos da região Centro-Oeste representava cerca de 3% do total nacional e o número de óbitos representava cerca de 1% do total, mas no mês de junho esta proporção mudou e, no início de junho, já atingiu 7,5% e 3,5%, respectivamente, conforme mostra o gráfico abaixo.

Focando no desempenho estadual, o gráfico abaixo apresenta o número de casos acumulados para as Unidades da Federação (UF) da região Centro-Oeste e outras UFs selecionadas. Nota-se que São Paulo, Rio de Janeiro, Ceará e Amazonas são as UFs que apresentam o maior número de casos, mas Minas Gerais (com 21 milhões de habitantes) foi ultrapassada pelo Distrito Federal (com 3 milhões de habitantes). Em seguida vem Goiás, sendo que Mato Grosso é a UF com maior taxa de crescimento e já ultrapassou Mato Grosso do Sul. No conjunto, as 4 UFs da região possuem curvas com uma inclinação maior do que as das demais UFs, indicando que a propagação do coronavírus avança mais velozmente no Centro-Oeste.

Considerando o peso demográfico, o gráfico abaixo mostra o coeficiente de incidência para as UFs selecionadas. Percebe-se que o Distrito Federal assumiu o valor mais alto, com 19,2 mil casos por milhão de habitantes. No final de abril o DF tinha um coeficiente aproximadamente igual ao da média brasileira, mas agora no início de julho tem um valor mais de duas vezes maior. Este rápido crescimento do número de pessoas infectadas no Planalto Central pode ser explicado, pelo menos parcialmente, pelas aglomerações estimuladas pelo próprio presidente Jair Bolsonaro e pelas manifestações promovidas pelos partidários do Chefe da República. Sem dúvida, Brasília é um dos epicentros da doença e, agora, chegou ao Palácio da Alvorada. Não é mais uma gripezinha.

O Amazonas e o Ceará possuem altos coeficientes de incidência em decorrência do grande número de casos ocorridos em abril e maio, mas no mês de junho já apresentaram um ritmo mais lento de avanço. O estado de Mato Grosso é a UF que avança em maior velocidade e já se aproxima dos coeficientes do Rio de Janeiro e São Paulo.

O Mato Grosso do Sul (com 3.630 casos por milhão) tinha o menor coeficiente entre as UFs selecionadas, mas já ultrapassou Minas Gerais (com 2.753 casos). Mas a UF com menor coeficiente de incidência tem um valor quase duas vezes o coeficiente do mundo.

O gráfico abaixo apresenta o número acumulados de óbitos para as Unidades da Federação (UF) da região Centro-Oeste e outras UFs selecionadas. Nota-se que São Paulo, Rio de Janeiro e Ceará são as UFs com maior número de casos. O Amazonas estava muito próximo do Ceará até meados de maio, mas tem conseguido estabilizar a curva nos últimos 40 dias.

Minas Gerais, Distrito Federal e Goiás estão relativamente próximos e com uma inclinação da curva semelhante. Mas Mato Grosso já ultrapassou Goiás e o DF e já se aproxima de MG, pois o número de mortes cresce em ritmo muito veloz. Mato Grosso do Sul é a UF com menor número de óbitos, mas tem apresentado taxas elevadas nos últimos 30 dias.

Como mostrou Oscar Valporto no artigo “Brasil encerra junho com recorde e pandemia acelera marcha para o oeste”, no dia 01/07, aqui no #Colabora, as medidas adotadas para reduzir as restrições impostas pelo isolamento social e a falta de providências mais firmes para conter a doença por parte do governo federal, contribuiu para a propagação da pandemia, especialmente na região Centro-Oeste.

Observando o coeficiente de mortalidade, percebe-se que os estados do Amazonas e do Ceará possuem os maiores coeficientes, com pouco mais de 700 óbitos por milhão de habitantes no dia 05 de julho de 2020, seguido do Rio de Janeiro com 618 óbitos por milhão e por São Paulo com 350 óbitos por milhão. Mas cabe destacar que o Amazonas, cuja capital foi palco de um colapso do sistema funerário, apresentando cenas aterrorizantes, tem atualmente um terço do número médio de mortes de meados de maio.

Mesmo assim, o Amazonas (707 mortes por milhão) tem o dobro do valor do coeficiente nacional que é de 306 óbitos por milhão em 05/07/2020. As 4 UFs da região Centro-Oeste possuem coeficientes abaixo do valor médio nacional, mas o Distrito Federal e Mato Grosso se aproximam do valor do Brasil. Apenas Minas Gerais e Mato Grosso do Sul possuem coeficientes de mortalidade abaixo do coeficiente mundial.

Comparando as regiões, com os dados do Brasil e do mundo, observa-se que somente a região Sul possui um coeficiente de mortalidade (63 óbitos por milhão) abaixo do coeficiente do mundo (69 óbitos por milhão), embora o Sul possua um coeficiente de incidência (3.192 casos por milhão) bem acima do coeficiente global, conforme mostra a tabela abaixo.

A região Centro-Oeste possui coeficientes de incidência e de mortalidade com valores menores do que os coeficientes brasileiros, embora maiores do que os da região Sul. Os maiores coeficientes estão na região Norte, seguidos da região Nordeste. A região sudeste (a mais populosa do país) possui os maiores números de casos e de óbitos, mas possui coeficientes menores do que os do Norte e Nordeste.

O crescimento do número de casos e de mortes pela covid-19 no Centro-Oeste mostra que não existe região imune ao avanço da pandemia. A taxa de transmissibilidade da doença continua alta em todo o país e o surto pandêmico avança naqueles locais que pareciam estar protegidos, mas que não resistiram ao relaxamento das medidas de prevenção.

O que acontece entre o Centro-Oeste e outras regiões do Brasil é parecido com o que aconteceu nos EUA entre o Oeste e o Leste, pois enquanto a Califórnia parecia uma história de sucesso diante da pandemia de coronavírus, o surto do estado de Nova York atingiu seu pico e a taxa de mortalidade por Covid-19 na Califórnia era menos de um décimo da de Nova York. Nas últimas semanas a situação se inverteu e o grande estado do Oeste piorou, enquanto o grande estado do Leste melhorou.

A estabilização da pandemia do Sars-CoV-2, esperada pelo Ministério da Saúde para o mês de junho, não se confirmou. O número de casos cresce continuamente, apesar do recorde diário de novos casos ter ocorrido no dia 19 de junho (com 54.771 casos), a média móvel de 7 dias que estava em 29,2 mil neste dia, continuou subindo e já ultrapassou 37 mil casos no início de julho. Da mesma maneira, embora o recorde do número diário de óbitos tenha ocorrido no dia 04 de junho, com 1.473 vidas perdidas, a média móvel que estava em 1.038 óbitos neste dia, ultrapassou 1.040 óbitos no final de junho.

Grafite no Rio de Janeiro mostra o presidente Bolsonaro usando máscara contra a covid-19 sobre o olhos. Foto Bárbara Dias/AGIF
Grafite no Rio de Janeiro mostra o presidente Bolsonaro usando máscara contra a covid-19 sobre o olhos. Foto Bárbara Dias/AGIF

Diante de tantas mortes, em nenhum momento o presidente Bolsonaro articulou uma frase de pesar verdadeiro e ainda zombou do agravamento da morbimortalidade com a expressão, “E dai?”, como mostrou João Moreira Salles (julho 2020), em artigo na Revista Piauí. Pior, fez diversos vetos no projeto de lei sobre uso de máscaras durante a pandemia, eliminando a obrigatoriedade de uso do equipamento de proteção em igrejas, comércios e escolas. Não satisfeito, posteriormente vetou a obrigatoriedade do uso de máscaras em prisões e em estabelecimentos de cumprimento de medidas socioeducativas.

Assim, tudo indica que o desprezo pela prevenção, a reabertura prematura e sem planejamento das atividades econômicas em diversos locais e a falta de um adequado rastreamento e monitoramento das pessoas infectadas frustraram a expectativa de declínio da curva epidemiológica. O fato é que a pandemia veio para ficar e é equivocado achar que se pode voltar ao velho normal sem adotar protocolos de segurança efetivos para as novas práticas de trabalho, estudo, viagens e novos modos de produção e gerenciamento da cadeia de suprimentos. Alguns analistas dizem que a economia brasileira já chegou no fundo do poço, mas para ser real é preciso saber como e quando acontece o pico da pandemia.

O Brasil cometeu muitos erros desde o início da difusão do novo coronavírus há mais de 4 meses. Ficou indeciso entre salvar as atividades econômicas ou salvar a vida dos brasileiros. Não fez nenhuma das duas coisas adequadamente e está pagando um alto preço pela indecisão. Minimizar os problemas da saúde pública não foi a melhor maneira para maximizar os ganhos da economia. Até agora, houve apenas uma soma de negatividades. O primeiro semestre de 2020 está perdido e é preciso evitar que o segundo semestre vá pelo mesmo caminho.

A população brasileira está cansada e as dificuldades econômicas se avolumam com a debacle. Mas o crescimento da covid-19 na região Centro-Oeste é um alerta para que o país redobre os esforços para resolver a emergência sanitária. Assim como não dá para colocar a carroça na frente dos bois, não dá para negar a inexorabilidade da realidade.

Frase do dia 07 de julho de 2020

“O mais espantoso é a realidade”

Fiódor Dostoiévski (1821-1881),

Escritor Russo

Referências:

Oscar Valporto. Diário da Covid-19: Brasil encerra junho com recorde e pandemia acelera marcha para o oeste, #Colabora, 1 de julho de 2020

https://projetocolabora.com.br/ods3/diario-da-covid-19-junho-acaba-com-recorde-e-pandemia-marca-para-o-oeste/

João Moreira Salles. A Morte e a Morte. Jair Bolsonaro entre o gozo e o tédio. Revista Piauí, Edição 166, Julho 2020 https://piaui.folha.uol.com.br/materia/a-morte-no-governo-bolsonaro/

José Eustáquio Diniz Alves

José Eustáquio Diniz Alves é sociólogo, mestre em economia, doutor em Demografia pelo Centro de Desenvolvimento e Planejamento Regional (Cedeplar/UFMG), pesquisador aposentado do IBGE, colaborador do Projeto #Colabora e autor do livro "ALVES, JED. Demografia e Economia nos 200 anos da Independência do Brasil e cenários para o século" (com a colaboração de F. Galiza), editado pela Escola de Negócios e Seguro, Rio de Janeiro, 2022.

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