Acabou a Páscoa, mas a Via-Crúcis da pandemia continua, embora diversos países tenham chegado ao pico da variação diária de casos e mortes e já começam a descer a curva. De modo geral, houve uma redução do ritmo de crescimento da pandemia, embora seja cedo para comemorar algum tipo de vitória.
O panorama nacional
A atualização do Ministério da Saúde da tarde do dia 12/04, consolidou 22.169 casos notificados e 1.223 mortes, com uma variação absoluta de 1.442 casos (7% no dia) e de 99 mortes (8,8%), em relação ao dia anterior. A taxa de letalidade ficou em 5,5%.
Mesmo sabendo que existem muitas subnotificações, os dados brasileiros mostram que o ritmo atual da pandemia é menor do que no mês passado, embora seja maior do que a média mundial. Outro complicador dos dados brasileiros é que há uma tendência de redução das notificações nos fins de semana e nos feriados. Desta forma, é bom aguardar as atualizações de segunda e terça-feira para se ter uma visão mais abrangente da realidade.
Sem embargo, os dois gráficos abaixo mostram que a maior variação absoluta diária do número de casos ocorreu (até aqui) no dia 08 de abril e a maior variação absoluta diária do número de mortes ocorreu (até aqui) no dia 09/04. Se os casos diários vão continuar caindo ou não, veremos nos próximos dias.
O panorama global
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Veja o que já enviamosO dia 12 de abril encerrou com 1,85 milhão de casos e 114,2 mil mortes registradas no mundo, com uma taxa de letalidade de 6,2%.
Os 5 países no topo do ranking são Estados Unidos (560 mil casos e 22 mil mortes), Espanha (169 mil casos e 17 mil mortes), Itália (156 mil casos e 20 mil mortes), França (133 mil casos e 14 mil mortes) e Alemanha (128 mil casos e “somente” 3 mil mortes; a Alemanha está em 9º lugar em quantidade de mortes).
Estes 5 países têm apresentado redução diária do número de casos e de mortes nos últimos dias. Há dúvidas se os EUA já chegaram no pico das variações absolutas diárias, mas parece que os outros 4 países já chegaram no pico e já começam a descer a curva, conforme os gráficos abaixo.
Jacinda versus Jair
Em março, a primeira-ministra da Nova Zelândia, Jacinda Ardern, colocou em prática as restrições mais duras à mobilidade das pessoas na história do país. Ao invés de falar no “achatamento da curva”, ela adotou uma estratégia de “eliminar a curva” da pandemia do novo coronavírus. A Nova Zelândia já fez 12.684 testes por 1 milhão de habitantes (o Brasil fez 296 testes por 1 milhão de habitantes). Os números de novos casos da covid-19 estão caindo na Nova Zelândia desde 28 de março e o número de mortes alcançou o recorde neste domingo de Páscoa, com apenas 4 óbitos no total.
Enquanto isto, no Brasil, onde o Presidente da República contraria o seu ministro da Saúde, participa de aglomerações quase que diariamente e incentiva a transgressão aos protocolos de segurança da quarentena, o número de casos da covid-19 quase dobrou e o número de mortes mais que dobrou durante a Semana Santa. Infelizmente, a pandemia vai trazer muito sofrimento no mês de abril e é preciso o povo brasileiro JÁ IR se acostumando com o aumento das mortes!
A pandemia e o pandemônio econômico
De acordo com o Banco Mundial, a América Latina e o Caribe vão sofrer um forte impacto recessivo com a crise da covid-19 e a região deve apresentar queda de 4,6% no Produto Interno Bruto, (PIB), em 2020. Em relatório publicado no domingo de Páscoa (12/04), o Banco Mundial ainda estima que a economia brasileira vá encolher 5% em 2020. Ou seja, o Brasil vai ficar mais pobre e a renda per capita vai cair quase 6% (pois a população cresce 0,7% ao ano). Poderá ocorrer a maior recessão de todos os tempos no Brasil e na América Latina no corrente ano.
O Brasil vive a sua segunda década perdida e considerando o ciclo de oito anos (duas eleições presidenciais), o país tem o pior octênio em 120 anos. Todos os octênios entre 1900 e 1987 apresentaram crescimento médio anual acima de 2,9% ao ano. Mas a economia brasileira reduziu o desempenho após 1988, apresentou uma volta temporária à média histórica em 2010, e chegando ao fundo do poço na década 2011-20. Considerando a média móvel de 8 anos, em todo o período pós 1900, o octênio (2013-2020) terá o resultado mais decepcionante e pela primeira vez o Brasil terá um octênio com variação negativa do PIB no período. A recessão de 2020 fará o PIB cair 0,65% na média anual no octênio e a renda per capita cair 1,4%. Se a previsão do Banco Mundial se confirmar, o Brasil viverá o seu pior período de oito anos. E a covid-19 é apenas uma pequena parte desta história.
A desindustrialização brasileira e a importação de equipamentos médicos, EPIs e DMAs
A pandemia do novo coronavírus colocou em evidência as fragilidades do setor de saúde no Brasil e a dificuldade de a indústria nacional fornecer os equipamentos e materiais necessários para uma boa gestão da saúde pública. O Brasil está preso na dependência de importações de equipamentos, remédios, EPIs e DMAs.
Os Equipamentos de Proteção Individual (EPIs) incluem óculos, protetores auriculares, máscaras, mangotes, capacetes, luvas, botas e outros itens de proteção. Os Dispositivos Médicos no sentido Amplo (DMAs) englobam as próteses, diagnósticos in vitro, equipamentos de imagem e soluções de e-saúde utilizados para diagnosticar, monitorar, avaliar, prevenir e indicar o tratamento aos pacientes que sofrem de uma vasta gama de doenças.
É impressionante ver que, diante do aumento das internações hospitalares, o Brasil não consiga produzir respiradores, realizar exames e testes para detecção do coronavírus e tenha que mandar aviões para a China para trazer importações gigantescas de simples máscaras faciais.
Na verdade, a dependência brasileira não ocorre somente na área de saúde. Infelizmente, o país está em um processo de desindustrialização que implica subordinação nacional à tecnologia e inovação produzidas no exterior. A precoce desindustrialização brasileira atingiu índice recorde de retrocesso em 2018. A participação da Industria de Transformação no PIB ficou em 11,3%, número baixo dos 12,1% de 1947. A Industria de Transformação que chegou a ser responsável por 21,8% do PIB no início da Nova República (1985), caiu bastante nos governos Sarney e Collor, subiu um pouco no governo Itamar, voltou a cair durante o Plano Real no primeiro governo FHC e subiu no segundo FHC e no início do governo Lula. Porém, a desindustrialização precoce se acelerou no segundo governo Lula e, também, nos governos Dilma e Temer, conforme gráfico abaixo. No atual governo o quadro é ainda mais dramático.
Ou seja, o Brasil está passando por um processo de “especialização regressiva” da estrutura produtiva. A cada dia o país fica mais dependente da produção e exportação de commodities minerais e do agronegócio, com forte impacto negativo sobre o meio ambiente. A produtividade da economia brasileira está estagnada desde os anos 1980 e isto gera perda de competitividade, enquanto o país aumenta os seus déficits fiscais e a dívida pública. O nível atual de investimentos e de emprego formal é menor do que aquele que havia em 2014. Estamos na segunda década perdida e o Brasil vai começar a próxima década mais pobre e mais frágil. O que já estava ruim, parece que vai piorar depois da pandemia da covid-19.
Por que o mundo não ouviu Mary Shelley?
Mary Wollstonecraft Godwin nasceu em Londres, em 30/08/1797, sendo filha do grande pensador iluminista William Godwin e da primeira feminista da Era Moderna, May Wollstonecraft. Em 1816, ela se casou com o revolucionário poeta Percy Shelley, passando a ser conhecida como Mary Shelley.
Aos 18 anos de idade ela escreveu o livro “Frankenstein, ou o Prometeu Moderno”, que passou a ser um clássico da literatura inglesa e internacional e continua atual 200 anos depois da sua publicação em 01 de janeiro de 1818. Em seu bicentenário, o livro foi objeto de debate nos principais centros de pesquisa do mundo e o #Colabora fez vários artigos comentando esta obra-prima (a Escola de Samba Beija-Flor ganhou o carnaval carioca de 2018 homenageando o livro Frankenstein, com o seguinte título do enredo: “Monstro é aquele que não sabe amar. Os filhos abandonados da pátria que os pariu”). O livro Frankenstein trata das injustiças sociais e dos efeitos não antecipados da ciência e da tecnologia, e apresenta uma profunda reflexão sobre a racionalidade iluminista e os rumos do desenvolvimento científico e tecnológico. A adolescente Mary Shelley alertou a humanidade sobre os riscos de um progresso desregrado gerar um monstro.
Antes dos 30 anos, Mary Shelley também publicou, em 1826, uma outra obra seminal e totalmente atual que é o livro “The Last Man”, descrevendo a história de um mundo futuro que foi devastado por uma praga. O livro fala do futuro da humanidade no final do século XXI destruído por uma pandemia. Não importando muito em saber se o vírus é real ou metafórico, o fato é que a autora questiona as contradições da inteligência e da engenhosidade humanas, questionando a ideia da “perfectibilidade da razão”, além de recusar colocar o ser humano no centro do universo e acima da natureza. Uma pena a autora não ser mais conhecida.
Se o mundo não escutou a mensagem que salta da obra de Mary Shelley, pelo menos vamos lê-la na quarentena.