Diário da Covid-19: Brasil já é o terceiro em número de novos casos no mundo

Apesar do crescimento assustador dos casos de covid-19, apoiadores do presidente Bolsonaro insistem em pedir o fim da quarentena. Foto Fabio Vieira/NurPhoto

Quase 28 mil pessoas já se curaram no país, mas há 8,3 mil em situação crítica. Em muitas cidades já não há mais disponibilidade de leitos hospitalares

Por José Eustáquio Diniz Alves | ODS 3 • Publicada em 26 de abril de 2020 - 11:20 • Atualizada em 26 de abril de 2020 - 14:47

Apesar do crescimento assustador dos casos de covid-19, apoiadores do presidente Bolsonaro insistem em pedir o fim da quarentena. Foto Fabio Vieira/NurPhoto

Nos últimos dias houve um aumento na quantidade de testes para covid-19 no Brasil. De acordo com o Ministério da Saúde, até o dia 19 de abril, foram realizados 130 mil testes específicos para Covid-19, passando, em uma semana, para cerca de 290 mil. Consequentemente, aumentaram as notificações e houve recorde de novos casos no dia 25/04, sendo que o Brasil atingiu o terceiro lugar em número de novos casos no mundo, atrás apenas dos Estados Unidos e da Rússia. Globalmente, o número de casos no planeta se aproxima de 3 milhões e o número de eventos fatais ultrapassou 200 mil óbitos.

O panorama nacional

Os números da pandemia do coronavírus no Brasil na tarde de sábado (25/04) indicam 58.509 casos e 4.016 mortes, com uma taxa de letalidade de 6,9%. A variação diária do número de pessoas infectadas foi recorde absoluto com 5.514 novos casos e o número diário de mortes (346 óbitos) é o terceiro mais elevado da série. Quase 28 mil pessoas já se curaram no Brasil, mas há 8,3 mil pessoas em situação crítica e, em muitas cidades, já não há mais disponibilidade de leitos hospitalares para atender a demanda crescente.

O gráfico abaixo mostra a evolução do número de casos da covid-19 no Brasil por semana epidemiológica (SE), segundo a definição do Ministério da Saúde que aponta a 10ª SE como a semana de 01 a 07 de março de 2020, a 11ª SE como 8 a 14/03 e assim por diante. No dia 01 de março o Brasil tinha apenas 2 casos confirmados de covid-19 e passou para 19 casos no dia 07/03. Foram apenas 17 casos, mas o aumento foi de 9,5 vezes (o que representa 37,9% ao dia). No dia 14/03 chegou a 121 casos. Foram apenas 102 casos na 12ª SE, mas houve um aumento semanal de 6,4 vezes (ou 30,3% ao dia) e assim por diante.

Os dados disponíveis da última semana epidemiológica (19 a 25 de abril), indicam um aumento de 21.910 casos, um incremento de 1,6 vezes em relação à semana anterior (ou 6,9% ao dia). Portanto, a despeito do aumento significativo do número absoluto de casos, a variação relativa tem diminuído, como apontam os números do gráfico. Mas um aumento de cerca de 7% ao dia (como na 17ª SE) significa que o número de casos dobra a cada 10 dias e multiplica por 8 em um mês. Assim, neste ritmo, o Brasil poderá ter mais de 400 mil casos na última semana de maio, ficando atrás apenas dos Estados Unidos. Isto não é uma projeção, mas uma constatação considerando a manutenção da velocidade ocorrida na última semana.

O gráfico abaixo mostra a evolução do número de mortes e as variações diárias ocorridas nas sucessivas semanas epidemiológicas (SE). O primeiro óbito pela Covid-19 ocorreu no dia 17 de março no Brasil e chegou a 18 óbitos no dia 21/03, o aumento foi de 18 casos em 5 dias, o que representou um crescimento diário de 78,3%. Na semana seguinte, o número de mortes chegou a 111 óbitos (ou 29,7% ao dia) e assim por diante. Na última semana (17ª SE) a variação foi de 1.669 óbitos em 7 dias (o que significou 7,8% ao dia). Neste ritmo, o Brasil pulará do atual 11º lugar para o 6º lugar no ranking de óbitos dos países até meados de maio e chegará ao segundo lugar (atrás apenas dos EUA) até meados de junho de 2020.

O Brasil ainda está longe do pico do crescimento. Toda a análise dos números da covid-19 no caso brasileiro ainda precisa levar em consideração que há um número muito elevado de subnotificações, mas o número de testes está crescendo e, consequentemente muitos casos e muitas mortes que não estavam esclarecidas devem passar a serem contabilizadas. Conhecer os números corretos é fundamental para a correta política de saúde. Só com boas estatísticas podemos salvar o maior número de vidas possível.

O panorama global

O dia 25 de abril encerrou com 2,92 milhões de casos e 203 mil mortes registradas no mundo, com uma taxa de letalidade de 7%. As variações diárias dos casos (acima de 90 mil) e das mortes (acima de 6 mil) estão mais ou menos estabilizadas, mas em alto patamar.

O gráfico abaixo mostra que no dia 01/03 havia 88,6 mil casos e passou para 106 mil no dia 07/03, um aumento de 1,22 vezes (ou 2,9% ao dia) na 10ª semana epidemiológica (SE). Na semana seguinte (11ª SE), passou de 110 mil casos para 156,7 mil, um aumento de 1,48 vezes (ou 5,7% ao dia) e assim por diante. Na última semana (17ª SE) o número de casos passou de 2,41 milhões no dia 19/04 para 2,92 milhões no dia 25/04 (um aumento de mais de 500 mil casos em uma semana, ou 1,25 vezes, significando 3,3% ao dia). Ou seja, o surto vai continuar avançando no mês de maio, mas com uma velocidade mais reduzida em relação ao mês de abril, mesmo assim o número de casos globais pode ultrapassar 6 milhões até o final do mês que vem.

O gráfico abaixo mostra que o ritmo de aumento das mortes pela Covid-19 é mais acelerado do que o ritmo do aumento dos casos. Na primeira semana de março (10ª SE), o número de mortes passou de 3.050 no dia 01/03 para 3.599 no dia 07/03, um aumento de 1,21 vezes (ou 2,8% ao dia). Nas semanas seguintes o número absoluto de mortes cresceu muito e a velocidade da pandemia também aumentou até a 13ª SE, quando o número de mortes passou de 14,6 mil óbitos no dia 22/03 para 30,9 mil mortes no dia 28/03, um aumento de 2,23 vezes ou 13,1% ao dia. Nas semanas seguintes o número absoluto de mortes continuou aumentando, mas com desaceleração do ritmo. Na semana passada (17ª SE) o número de mortes passou de 165 mil no dia 19/04 para 203 mil em 25/04, um aumento de 1,26 vezes (ou 3,4% ao dia).

Ou seja, o surto de mortes vai continuar avançando no mês de maio, mas com uma velocidade mais reduzida em relação ao mês de abril, mesmo assim o número de mortes globais deve chegar a 500 mil até o final do mês que vem.

A pandemia e a exploração das riquezas do Planeta

A humanidade vinha retirando riqueza do Planeta a uma taxa crescente para produzir bens e serviços em benefício de um padrão elevado de consumo que beneficia um enorme número de habitantes que, desafortunadamente, devolvem esgoto, poluição e resíduos sólidos para a natureza. Esta lógica de retirar riquezas ecossistêmicos e devolver lixo e poluição para o meio ambiente é adotada, de maneira geral, por toda a população mundial, diferindo apenas em grau, dependendo do nível de renda de cada indivíduo.

Desde a década de 1970, a população global dobrou e o Produto Interno Bruto global quadruplicou. Essas tendências exigiram grandes quantidades de recursos naturais para impulsionar o desenvolvimento econômico e as consequentes melhorias no bem-estar humano. No entanto, esses ganhos têm um custo tremendo para o meio ambiente, impactando, em última instância, no padrão de vida da população e exacerbando as desigualdades dentro e entre os países.

[g1_quote author_name=”Henry Thoreau (1817-1862)” author_description=”Escritor e naturalista” author_description_format=”%link%” align=”left” size=”s” style=”simple” template=”01″]

Este mundo curioso que nós habitamos é mais maravilhoso do que conveniente, mais bonito do que útil, mais para ser admirado e apreciado do que usado

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O relatório “Global Resources Outlook 2019, da UNEP (United Nations Environment Programme) mostra que, entre 1970 e 2017, a extração global de materiais cresceu de 27 bilhões de toneladas para 92 bilhões de toneladas, triplicando nesse período e continuando a crescer. Desde 2000, o crescimento das taxas de extração acelerou para 3,2% ao ano, impulsionado em grande parte por grandes investimentos em infraestrutura e padrões de vida materiais mais elevados países em desenvolvimento em desenvolvimento, especialmente na Ásia. Portanto, a extração per capita de recursos está aumentando e o sonho do desacoplamento entre crescimento econômico e uso de recursos naturais está cada vez mais distante.

Praia lotada na Califórnia no fim de semana. Orange County é o único município da região onde as praias permanecem abertas. Foto Apu Gomes/AFP,

Em janeiro de 2020, o Instituto “Circle Economy”, lançou o relatório “The Circularity Gap Report 2020”, mostrando que a quantidade de material consumido pela humanidade já ultrapassa 100 bilhões de toneladas a cada ano e, apesar deste alto volume de exploração da natureza, a proporção de reciclagem está caindo. Os autores do relatório alertam que tratar os recursos do mundo como ilimitado está levando a um desastre global, com aumento da taxa de extinção de espécies e com o agravamento da emergência climática. A exploração das riquezas da Terra chegou a 100,6 bilhões de toneladas de materiais, sendo metade do total constituída por areia, argila, cascalho e cimento usados ​​na construção, juntamente com outros minerais extraídos para produzir fertilizantes. Carvão, petróleo e gás compõem 15% e minérios metálicos 10%. Cerca de 25% são culturas agrícolas e árvores usadas como alimento e combustível (conforme pode ser visto na figura acima). São 13 toneladas para cada habitante do globo.

Com a paralisação da economia internacional provocada pela pandemia da covid-19, o ritmo de exploração das riquezas naturais diminuiu, inclusive houve um grande declínio do preço das commodities. Mas há uma grande pressão para a retomada da economia e para se voltar ao “velho normal”. Contudo, a lição que devemos tirar da situação atual é que precisamos de um novo modelo de desenvolvimento. Somente com um rápido decrescimento demoeconômico será possível reduzir significativamente a exploração dos recursos naturais e suas consequências, evitando ou mitigando um grande colapso ecológico.

Frase do dia 26 de abril de 2020

“Este mundo curioso que nós habitamos é mais maravilhoso do que conveniente, mais bonito do que útil, mais para ser admirado e apreciado do que usado”.

Henry Thoreau (1817-1862)

José Eustáquio Diniz Alves

José Eustáquio Diniz Alves é sociólogo, mestre em economia, doutor em Demografia pelo Centro de Desenvolvimento e Planejamento Regional (Cedeplar/UFMG), pesquisador aposentado do IBGE, colaborador do Projeto #Colabora e autor do livro "ALVES, JED. Demografia e Economia nos 200 anos da Independência do Brasil e cenários para o século" (com a colaboração de F. Galiza), editado pela Escola de Negócios e Seguro, Rio de Janeiro, 2022.

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