A distanásia é uma realidade muito presente no Brasil, constata a paliativista Sarah Ananda Gomes, presidente da Sociedade Mineira de Tanatologia e Cuidados Paliativos (Sotamig), que acompanha rotinas hospitalares há uma década. Ela percebe que não se tem a dimensão do impacto negativo de se estender a vida biológica e não a biográfica. “A vida humana não se define biologicamente. Permanecemos humanos enquanto existe em nós a esperança da beleza e da alegria”, explica o psicanalista e escritor Rubem Alves, no artigo “Sobre a morte e o morrer”, na Folha de S.Paulo.
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O direito à vida é o de “exercer a nossa biografia”, argumenta a advogada Luciana Dadalto. O empresário mineiro Luiz Carlos Gomes da Costa, portador de esclerose lateral amiotrófica (ELA) que não aceitou prolongar a própria vida, queria preservar sua história biográfica dentro de todos os limites éticos e jurídicos. “Em que medida a moral de um povo (ou de um médico) pode se sobrepor aos direitos de uma outra pessoa?”, questiona a advogada. A morte foi delegada aos hospitais, quase ninguém morre em casa mais, e, com isso, ela se tornou um inimigo a ser vencido por todos naquele ambiente de luzes brancas e macas.
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Veja o que já enviamosNão tinha equipe paliativista na primeira unidade em que Luiz foi. Não existia um entendimento que incluísse nas indicações médicas os valores do paciente. Já no segundo hospital para o qual foi transferido, a família encontrou amparo e respeito.
Durante quase duas semanas no novo ambiente, fizeram reuniões, familiares e profissionais da saúde, para definirem juntos a condução a cada dia. Luiz estava sedado, “tranquilo e sereno”. Os filhos e o pai dele, Hélio Costa, participaram das conversas (a mãe havia morrido quando ele era criança).
Decididos a não mais executar medidas invasivas e inúteis, Luiz passaria pela extubação para deixar a doença seguir seu curso natural. Todos compreendiam e estavam bem. Foram feitas medicações para propiciar conforto, evitar secreções e que ele respirasse bem sem o tubo.
No dia marcado, o pai de Luiz, a madrasta, uma das irmãs, a mulher e os dois filhos estavam lá no box final do corredor da UTI. Disseram tudo que queriam antes de ele ser extubado. “Luiz fazia a gente se sentir único, apesar de ter muitos amigos”, contou um dos mais próximos, que também o visitou nesse dia.
Após o procedimento, ele respirou tranquilamente, abriu os olhos algumas vezes e ficou estável por cerca de quatro horas. Tudo ocorreu no tempo dele. Hélio rezou o salmo 33 e disse no ouvido de Luiz que prestaria assistência para a sua família. Nos períodos mais difíceis da doença, chorava sempre que ligava para o celular do filho, porque Luiz não conseguia falar. O pai já perdia ali seu maior companheiro de trabalho.
Os paliativistas cuidaram para que a morte de Luiz fosse menos dolorosa e cercada de gente querida. “Foi tudo com carinho, com a presença de Deus; em nenhum momento ele foi agredido, foi da forma que ele merecia, que ele pediu”, reconhece Oldimeia Costa, evidenciando o ser de luz que era Luiz: “Agradeço a oportunidade de ter cuidado dele, ter vivido feliz tanto tempo com ele”.
Existe um receio de que a extubação paliativa seja eutanásia, mas uma das provas em contrário é que, na maioria das vezes, o paciente morre horas, dias e até semanas depois, tendo alta hospitalar. Não é imediatamente, como ocorreria em uma ação para matar.
Oldimeia nunca teve dúvidas do que deveria fazer e foi apoiada pela família: “Tenho meu coração muito tranquilo e em paz, porque não fiz nada que transgredisse a lei de Deus, a lei dos homens e a do amor que tínhamos um pelo outro”. Ela viu muitos exemplos de famílias de pacientes que faziam a traqueostomia, passavam anos em casa sofrendo e depois se arrependiam: “A pessoa fica numa condição de ver tudo que está acontecendo, mas não participa de nada. Luiz não conseguia segurar o neto, e ele não queria isso, sempre teve autonomia”.
Luiz empreenderia a mesma luta por ela, certifica-se Oldimeia, que lutou por ele, apoiando-se no exemplo de força e coragem que ele dava: “Vimos que é possível um fim com dignidade”. Ela torce para que os cuidados paliativos sejam regra, descrevendo como um “ato de humanidade com alguém em sua finitude e com sua família”.
Todavia, a morte que foi adequada para Luiz pode ser diferente para outros. Cada família tem um caminho a percorrer até a hora de parar, se for o caso, com um tratamento ineficaz e penoso. Mas elas precisam ter informações e um espaço de escuta e amparo. E não se pode confundir uso de tecnologia com cuidado.