Diário da Covid-19: média de casos e mortes volta a crescer

Agentes de saúde verificam a temperatura de um homem em uma comunidade ribeirinha do rio Murutipucu em Igarapé-Miri, Baixo Tocantins, no Pará. Foto Tarso Sarraf/AFP

Número de infectados no Brasil segue acima dos 30 mil e óbitos diários permanecem na casa dos 700

Por José Eustáquio Diniz Alves | ODS 3 • Publicada em 20 de setembro de 2020 - 11:43 • Atualizada em 8 de dezembro de 2020 - 10:12

Agentes de saúde verificam a temperatura de um homem em uma comunidade ribeirinha do rio Murutipucu em Igarapé-Miri, Baixo Tocantins, no Pará. Foto Tarso Sarraf/AFP

Depois de apresentar uma grande redução do número de pessoas infectadas e de vidas perdidas para o novo coronavírus, a morbimortalidade no Brasil subiu na 38ª semana epidemiológica (13 a 19 de setembro), pois a média diária de casos ficou acima de 30 mil e a média de mortes permaneceu acima de 700 óbitos diários.

O aumento não foi enorme, mas interrompeu a sequência de quedas e inverteu a tendência das curvas. De certa forma, este resultado era esperado em algum momento em decorrência da flexibilização da quarentena e da retomada das atividades econômicas e sociais, sem o monitoramento dos casos e sem um protocolo de prevenção bem estabelecido.

A outra novidade da semana foi a posse do ministro da Saúde, general Eduardo Pazuello que depois de quatro meses como ministro interino, foi efetivado no cargo no dia 16 de setembro. No período em que o militar permaneceu interino, o Ministério da Saúde estabeleceu a diretriz do uso precoce da cloroquina e da hidroxicloroquina no tratamento da covid-19. Todavia, nos 128 dias de interinidade, ocorreram 4,3 milhões de casos (média de 33,8 mil por dia) e 122,6 mil vidas perdidas (média de 958 óbitos por dia).

Em Nova Delhi, vendedores usando máscaras esperam que os clientes aluguem suas bicicletas de para passear ao longo da rua Rajpath. A Índia caminha para ser o país com o maior número de casos no mundo. Foto Jewel Samad/AFP
Em Nova Delhi, vendedores usando máscaras esperam que os clientes aluguem suas bicicletas de para passear ao longo da rua Rajpath. A Índia caminha para ser o país com o maior número de casos no mundo. Foto Jewel Samad/AFP

A média diária de casos e de mortes também subiu ligeiramente no mundo na última semana, mostrando que a pandemia é mais resistente do que se imaginava. O número global de pessoas infectadas ultrapassou a marca de 30 milhões de casos e o número global de vítimas fatais deve atingir 1 milhão de óbitos na próxima semana. Países que pensavam estar livres do SARS-CoV-2 estão enfrentando novas ondas do surto pandêmico. Fica claro que qualquer descuido na prevenção pode ser fatídico.

O panorama nacional

Os dados oficiais divulgados pelo Ministério da Saúde registraram 4.528.240 pessoas infectadas e 136.532 vidas perdidas, no dia 19 de setembro, com uma taxa de letalidade de 3%. Foram 33.057 novos casos e 739 óbitos em 24 horas.

O gráfico abaixo mostra os valores diários das variações dos casos e das mortes no Brasil da 16ª semana epidemiológica (SE = 12 a 19 de abril) até a 38ª SE (13 a 19/09). Nota-se que todas as baixas acontecem nos fins de semana e as elevações nos dias úteis. Mas as linhas (pontilhadas) da tendência polinomial de terceiro grau apresentam uma suavização das oscilações sazonais e indicam uma extrapolação para os próximos 7 dias. Observa-se uma tendência de queda do número diário de casos durante os meses de agosto e setembro. A média móvel de casos bateu o recorde no dia 29 de julho, com 46.393 novas pessoas infectadas e ficou abaixo de 30 mil casos no dia 12/09. Todavia, o número médio diário de casos voltou a ficar acima de 30 mil. Em termos de mortes, a linha pontilhada vermelha mostra que a curva estava estacionada em alto platô com um pico da média móvel atingindo 1.097 óbitos no dia 25/07, mas a média caiu para 715 óbitos no dia 12/09. Na 38ª SE a média de vidas perdidas subiu para 760 óbitos. Porém, o ajuste polinomial indica que os números devem voltar a cair na próxima semana (20 a 26 de setembro).

O gráfico abaixo mostra a variação média diária do número de casos no Brasil nas diversas semanas epidemiológicas (SE). Nota-se que o número de pessoas infectadas passou da média de 397 casos na 13ª SE (variação relativa de 19,4% ao dia), para 37.620 pessoas na 27ª SE (2,6% ao dia), um aumento absoluto de quase 100 vezes. Houve uma queda nas duas semanas seguintes e um grande salto para 45.665 casos na média diária da 30ª SE. Nas quatro semanas seguintes os números diários foram menores. Na 36ª SE o número médio subiu e ficou em 39.550 casos, mas teve uma queda abrupta na 37ª SE, para 27.527 casos. Contudo, o número de pessoas infectadas subiu para 30,4 mil casos na 38ª SE. Como sempre fazemos todos os domingos, apresentamos uma projeção para a 39ª SE (20 a 26/09), com estimativa de 28,1 mil casos diários no Brasil, com variação relativa de 0,6% ao dia.

O gráfico abaixo mostra que o número de vítimas fatais foi de 13 óbitos ao dia na 13ª SE (variação relativa de 29,7% ao dia), passou para 387 óbitos diários na 18ª SE e chegou a 1.014 óbitos diários na 23ª SE. Nas semanas seguintes o número diário oscilou em torno de 1.000 óbitos e bateu o recorde de 1.097 óbitos na 30ª SE (variação de 1,34% ao dia). Nas semanas seguintes houve queda do número médio diário até 965 óbitos na 33ª SE e um ligeiro aumento para 1.003 óbitos na 34ª SE. Nas 3 semanas seguintes a queda foi a mais significativa da série, chegando à média móvel de 715 óbitos na 37ª SE (05 a 12/09). Contudo, na 38ª SE a média diária de vítimas fatais foi de 760 óbitos. Nossa projeção indica que o número de vítimas fatais deve cair para uma média de 707 mortes diárias na 38ª SE, com variação relativa de 0,51% ao dia.

Os dados acima indicam que o patamar de casos e de mortes caiu, mas ainda continua em níveis elevados. O Brasil é o terceiro país no ranking global de casos (atrás apenas dos EUA e da Índia) e o segundo lugar no ranking de vítimas fatais (atrás apenas dos EUA). Em termos de coeficiente de mortalidade, o Brasil com 650 óbitos por milhão de habitantes, tem valor abaixo apenas do Peru (949 óbitos por milhão), Bélgica (857 óbitos por milhão) e Espanha (652 óbitos por milhão).

O panorama global

O mundo já ultrapassou 30 milhões de pessoas infectadas e se aproxima de 1 milhão de mortes. No dia 19, os registros globais indicavam 31 milhões de casos e 961 mil mortes, com uma taxa de letalidade de 3,1%.

No gráfico abaixo, a curva do número de casos parecia indicar uma reversão em meados de abril, começando a esboçar um declínio. Porém, manteve a tendência de alta e acelerou a subida, quase batendo o recorde de 300 mil casos em 24 horas nos últimos dois dias de julho e finalmente ultrapassando esta marca em vários dias em setembro. A curva de mortalidade apresentou uma variação máxima diária em 16 de abril com cerca de 8 mil óbitos. A partir deste dia houve queda até o valor mínimo no dia 25 de maio. Porém, a variação diária voltou a subir e atingiu valores acima de 7.000 óbitos nos dias 06 e 13 de agosto. Atualmente a média móvel de mortes está pouco acima de 5 mil óbitos diários.

Analisando a situação das seis nações do topo do ranking internacional, o gráfico abaixo, do jornal Financial Times, apresenta a média móvel de 7 dias do número diário de novos casos nos respectivos países. Nota-se, que a Índia está em primeiro lugar, com média próxima de 100 mil casos a cada 24 horas. Estados Unidos e Brasil apresentam média em torno de 30 mil a 35 mil, enquanto Peru, Rússia e México apresentam média em torno de 5 mil casos diários.

O gráfico seguinte, apresenta o mesmo número diário de casos, mas ponderado pelo tamanho da população. O Peru apresenta o maior coeficiente de incidência com uma média de 175 casos diários por milhão de habitantes. O Brasil apresenta incidência de 144 casos diários por milhão e os EUA 120 casos diários por milhão. A Índia pulou para o quarto lugar e apresenta coeficiente de incidência de 68 casos diários por milhão de habitantes. Rússia e México possuem coeficiente de incidência de aproximadamente 35 casos por milhão de habitantes.

Já o gráfico abaixo apresenta a média móvel dos óbitos diários da covid-19. A Índia está na liderança com uma média de 1.164 óbitos diários, enquanto Brasil e EUA apresentam uma média em torno de 770 óbitos diários. O México com média de 375 óbitos diários. E o Peru e a Rússia com média de 115 óbitos diários.

Considerando novamente o fator demográfico, o gráfico abaixo apresenta a média do número de óbitos pelo tamanho da população. O Brasil e o Peru, atualmente, estão empatados com cerca de 3,7 óbitos diários por milhão de habitantes. O México tem um coeficiente de mortalidade de 2,9 óbitos diários por milhão. Os EUA apresentam coeficiente de 2,4 novos óbitos por milhão. A Rússia e a Índia possuem coeficiente de mortalidade em torno de 0,9 óbitos diários por milhão de habitantes.

Todos estes números indicam que o Brasil e os EUA continuam no topo do ranking internacional, mas a Índia ganha destaque e tem se tornado o novo epicentro da pandemia global, já que possui os maiores valores diários de casos e de mortes. Como o gigante do sul da Ásia possui a segunda maior população do mundo e um número de habitantes maior do que toda a população das Américas é bem provável que a Índia ultrapasse os EUA em número acumulado de casos e ultrapasse o Brasil em número acumulado de mortes até o final do ano de 2020.

Embora países como Butão, Nova Zelândia e Uruguai, dentre outros, tenham conseguido evitar a propagação comunitária do SARS-CoV-2 e já tenham voltado às atividades econômicas, sociais e escolares, outros países enfrentam uma segunda onda, como Israel que bateu o recorde de novas infecções (com mais de 6 mil casos no dia 16/09) e a França que bateu o recorde com 13,5 mil casos no dia 19/09.

O Brasil vive uma situação paradoxal, pois enquanto as praias e os bares estão cada vez mais cheios de gente, há dificuldade para implementar o atendimento presencial nas unidades do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) para atender milhões de beneficiários.

A Organização Pan-Americana da Saúde (OPAS) adverte que, apesar do grande número de casos existentes no continente, inúmeras pessoas ainda não expostas à covid-19 permanecem vulneráveis nas Américas. A OPAS considera que os princípios básicos de ajuste do comportamento individual, a adaptação de espaços e o exercício da liderança política são fundamentais para tornar o transporte, os locais de trabalho, as escolas e os espaços públicos tão seguros quanto possível para todos.

O Brasil vive uma situação paradoxal, pois enquanto as praias e os bares estão cada vez mais cheios de gente, há dificuldade para implementar o atendimento presencial nas unidades do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) para atender milhões de beneficiários. Da mesma forma, enquanto algumas prefeituras já pensam em liberar as multidões nos estádios de futebol, as escolas continuam fechadas prejudicando milhões de crianças que estão sendo deixadas para trás nesta epidemia da covid-19. Com a crise fiscal e o endividamento público crescente, o auxílio emergencial foi reduzido e nada garante que haverá um programa efetivo de proteção social em 2021 em todo o território nacional.

O Brasil entrou na pandemia em uma situação de fraqueza econômica e como uma das nações mais desiguais do mundo. Já se tornou um dos países mais impactados pelo novo coronavírus. E pelo ritmo atual, deve sair com uma estrutura produtiva ainda mais enfraquecida e com um grau de desigualdade social ainda mais acentuado.

Frase do dia 20 de setembro de 2020

“Um sentir é do sentente, mas o outro é o do sentidor”

João Guimarães Rosa (1908-1967)

Financial Times. Coronavirus tracked: the latest figures as countries start to reopen. The FT analyses the scale of outbreaks and the number of deaths around the world

https://www.ft.com/content/a2901ce8-5eb7-4633-b89c-cbdf5b386938

José Eustáquio Diniz Alves

José Eustáquio Diniz Alves é sociólogo, mestre em economia, doutor em Demografia pelo Centro de Desenvolvimento e Planejamento Regional (Cedeplar/UFMG), pesquisador aposentado do IBGE, colaborador do Projeto #Colabora e autor do livro "ALVES, JED. Demografia e Economia nos 200 anos da Independência do Brasil e cenários para o século" (com a colaboração de F. Galiza), editado pela Escola de Negócios e Seguro, Rio de Janeiro, 2022.

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