Luto na PM do Pará: mais de 40 mortos nos últimos 20 dias de pandemia

Segundo a Polícia Militar do Pará, somente no mês de abril, foram adquiridas 72 mil luvas descartáveis, 53.900 máscaras, 350 unidades de sabonete líquido, 6.600 litros de álcool gel e 5.933 litros de álcool líquido 70% para uso da tropa e higienização das viaturas policiais. Já foram testados 779 militares. (Foto: Agência Pará)

Em média, dois policiais militares morrem a cada dia no Pará por covid-19, suspeita da doença ou problemas respiratórios, mostra levantamento. “Policiais saem de casa, mas não sabem se vão voltar vivos para a sua família”, diz filho de uma das vítimas.

Por Yuri Alves Fernandes | ODS 3 • Publicada em 15 de maio de 2020 - 08:56 • Atualizada em 11 de fevereiro de 2021 - 20:58

Segundo a Polícia Militar do Pará, somente no mês de abril, foram adquiridas 72 mil luvas descartáveis, 53.900 máscaras, 350 unidades de sabonete líquido, 6.600 litros de álcool gel e 5.933 litros de álcool líquido 70% para uso da tropa e higienização das viaturas policiais. Já foram testados 779 militares. (Foto: Agência Pará)

“Policiais saem de casa, mas não sabem se vão voltar vivos para a sua família”, desabafa Caio Fernando*, filho de um subtenente morto há duas semanas no Pará. O relato, até dois meses atrás, poderia ser completamente entendido no contexto da insegurança na qual esses profissionais vivem. Mas agora eles estão expostos a mais um agente preocupante por causa da pandemia do coronavírus. A morte profissional, de quase 50 anos, por suspeita de covid-19 é apenas uma entre dezenas em menos de um mês na Polícia Militar do Pará (PMPA). Desde o dia 25 de abril, 41 profissionais da área perderam suas vidas; duas mortes a cada dia. A grande maioria, pelo menos 35, por complicações relacionadas ao vírus, por problemas respiratórios ou por serem portadores de outras doenças de risco. Metade estava em atividade na corporação. No Instagram, a página do órgão virou um cemitério virtual. Postagens com mensagens de luto tomaram conta da rede social e a população paraense se manifesta, a cada novo obituário, de forma atônita.

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O número de mortes de policiais militares no Pará por covid-19 ou suspeita é maior, por exemplo, do que no Estado do Rio de Janeiro, o terceiro mais afetado pelo coronavírus no Brasil. Na região fluminense, com o dobro do número de habitantes e com quase o triplo de efetivos na PM, 10 policiais perderam a luta contra a covid-19. No dia 29 de abril, o G1 publicou uma reportagem na qual informava que, segundo a PM paraense, até o dia 27 do mesmo mês a corporação contabilizava 705 casos suspeitos, 97 confirmados e 1.007 policiais afastados.

Página do Instagram da Polícia Militar do Pará comunica frequentemente as mortes de policiais do Estado (Reprodução/Instagram)

Em busca dos dados atualizados e mais detalhes sobre os impactos do coronavírus, o #Colabora entrou em contato com as assessorias de comunicação da Polícia Militar do Pará e da Secretaria de Segurança Pública e Defesa Social do Estado (Segup). Porém, a Segup afirmou que “por motivos estratégicos e de inteligência os dados não são públicos”. E que “as estimativas são utilizadas como base das ações preventivas e também de atendimento médico, quando necessário”.

Perfil das vítimas

Com base nas postagens feitas no perfil oficial do Instagram da PMPA foi possível fazer um levantamento sobre as mortes durante os últimos 20 dias. Segundo as informações, das últimas 41 mortes, 32% foram em razão de complicações relacionadas à covid-19; 20% tiveram sintomas de covid-19, mas sem a confirmação divulgada; e 17% em decorrência de síndrome respiratória aguda grave ou outras questões pulmonares. Cinco não tiveram a causa revelada e outros quatro morreram por motivos como problemas no coração e câncer – pacientes do grupo de risco para a covid-19. Durante o período analisado pelo #Colabora, pelo menos em cinco dias foram 4 mortes a cada 24 horas.

A média de idade dos policiais mortos é de 54 anos, sendo o soldado Wilson Roberto, de 31, o mais novo. Ele veio à óbito por complicações de saúde relacionadas à covid-19. O mais velho, o coronel da Reserva Remunerada João Soares da Silva tinha 83, morreu por síndrome respiratória aguda grave. Entre o total, duas mulheres: as sargentas Sebastiana Cristina, de 52 anos, e Maria Luciete Ferreira, de 57. A primeira por causa de uma insuficiência respiratória e pneumonia; a segunda, por complicações respiratórias relacionadas à covid-19.

[g1_quote author_name=”Caio Fernando*” author_description=”Filho de subtenente morto há duas semanas” author_description_format=”%link%” align=”left” size=”s” style=”simple” template=”01″]

No dia que fui levá-lo para a emergência no hospital da Polícia do Estado do Pará, não passamos nem da porta, não tinha emergência. Meu pai precisava de aparelho para respirar, mas não tinha. Infelizmente, ele não saiu nem do carro pelo fato de não ter esses atendimentos no hospital

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Policias reformados ou na reserva remunerada representam a metade. Os outros 50% estavam em plena atividade. É o caso do soldado Ulisses Gonçalves da Silva, que tinha 33 anos. O jovem, diabético, morreu por insuficiência respiratória aguda e complicações de saúde relacionadas à covid-19. Trabalhava no 20° Batalhão de Polícia Militar (20° BPM), em Belém, e estava na corporação há mais de 6 anos. O #Colabora questionou a Segurança Pública e Defesa Social do Pará se o Ulisses, que fazia parte do grupo de risco para a doença, estava em serviço antes da internação ou se já havia sido afastado, mas não obtivemos resposta até a publicação dessa matéria.

A PM garantiu que utiliza a estratégia de testagem rápida dos militares com suspeita da doença, a partir de determinados critérios, para detectar os casos positivos para melhor acompanhamento e cuidados. Já foram 779 militares testados, segundo a assessoria do órgão. Mas, nos comentários das postagens com as mensagens de luto, muitas pessoas questionam a Polícia Militar e fazem denúncias sobre a falta de Equipamentos de Proteção Individual para o efetivo. Ao #Colabora, a Segup afirmou que disponibilizou “mais de 3.000 testes rápidos, 1.200 medicamentos, além de 15 mil vacinas para Influenza em postos exclusivos para os servidores. Ocorre, ainda, a distribuição de máscaras, luvas e álcool 70%, líquido e em gel para todas as forças de segurança”. Uma mulher, no entanto, relatou nos comentários que os irmãos policiais, de São Felix do Xingu, estavam sem os materiais de proteção.

Pará em estado grave de saúde

Diante da mobilização dos internautas, a assessoria de comunicação da Polícia Militar fez uma série de esclarecimentos nas redes sociais respondendo várias questões relacionadas às medidas de assistência adotadas e sobre os hospitais que estão atendendo a corporação. Sem essa orientação prévia, Caio Fernando, por exemplo, levou o pai para o Hospital da Polícia Militar do Pará, em Belém. “Não passamos nem da porta, não tinha emergência. Meu pai precisava de aparelho para respirar, mas não tinha. Infelizmente, ele não saiu nem do carro pelo fato de não ter esses atendimentos no hospital”, lamenta.

Segundo o site da Polícia Militar, o Hospital da Polícia Militar (HPM) suspendeu alguns serviços em outubro de 2010, ficando “a assistência médica hospitalar de urgência/emergência e internações realizadas através de credenciamentos de serviços privados feitos pelo Fundo de Saúde da Polícia Militar do Pará – FUNSAU”. Ainda de acordo com a instituição, atualmente o HPM presta apenas serviço móvel de urgência e emergência durante as missões realizadas pela corporação. Em nota divulgada nessa quinta-feira, 14, a PM afirmou que após 10 anos desativado o espaço será reformado e readequado para o atendimento de militares e dependentes com um investimento total de R$ 11 milhões.

A Segup informou ainda que a Policlínica Metropolitana, inaugurada no início do ano em Belém, está funcionando como a unidade referência para o atendimento dos agentes de segurança pública do Estado. “O agente pode, ainda, procurar o quadro médico da sua instituição para agendamento de exames e encaminhamentos para a urgência e internação, se necessário, dependendo da disponibilidade”. Leia abaixo a nota de esclarecimento da PM com as orientações e medidas adotadas.

No Pará, sexto estado do Brasil com mais casos de covid-19, são 11,4 mil diagnósticos positivos, 1.095 mortes e 6,8 mil recuperados até nessa quinta-feira, 14. O estado está à beira do colapso na saúde pública. Recentemente, 152 respiradores comprados da China – país ao qual o governador Helder Barbalho escreveu uma carta pedindo apoio – chegaram com defeito. No interior, hospitais estão sobrecarregados. Marabá, a 500 quilômetros de Belém, recebe pacientes de 23 cidades, mas o hospital de campanha tem apenas quatro UTIs. Para as regiões mais afastadas, uma policlínica itinerante começou a levar atendimento médico ambulatorial para tratamento da covid-19.

De acordo com a Secretaria de Saúde do Estado (Sespa), o Pará tem atualmente 40% dos leitos clínicos vagos e exclusivos para o tratamento da covid-19. O número, no entanto, é bem menor quando se trata de leitos de UTI Adulto: restam apenas 37 (13% do total). Desde o dia 7 de maio, Belém e mais nove municípios estão vivendo em lockdown, seguindo o decreto estadual 729/2020. A determinação prevê o funcionamento apenas dos serviços essenciais, como saúde e alimentação. De acordo com o Índice de Isolamento Social desenvolvido pela Inloco, metade da população paraense ignora as recomendações de confinamento. Mesmo assim, o estado é o terceiro com melhor taxa do Brasil, só fica atrás do Amapá e do Ceará.

Policiais Militares fazem blitz do lockdown em Belém, no Dia das Mães (Foto: Marcelo Seabra | Agência Pará)

Homenagens

Enquanto isso, de volta ao mundo virtual, centenas de mensagens saudosas de familiares e amigos dos profissionais vítimas da covid-19 tomam conta das redes sociais da instituição. Algumas histórias tocam o coração, como a do sargento Renato Dias Pereira, de 50 anos, que tinha acabado de receber uma promoção. A do também sargento Climi Cleber, de 47, que recebeu uma homenagem da filha, Thaunny: “Não o posso abraçar de novo, mas o amarei com todo meu coração eternamente”. E a do cabo Rômulo Rogério, de apenas 35. “Ele me disse que estava trabalhando de máscara e luva, tomando todos os cuidados. Vou sentir saudades do sorriso largo e alegre”, escreveu a amiga de farda Santa Rosa.

Já o subtenente citado no início da reportagem deixa, além da saudade, uma herança valiosa para filho: a paixão pela música. Pai e filho tocaram juntos pela primeira vez em uma orquestra da igreja há pouco mais de dois anos. “Uma das melhores experiências que eu tive na vida, e o que mais marcou foi que eu pude tocar junto com o pai, aquele em quem eu mais me inspirei pra ter a música como parte da minha vida”, escreveu o filho na ocasião. Hoje, em meio a dor da perda, Caio faz um apelo pela maior valorização da classe: “A profissão da polícia é de extrema importância para todos, e por ser uma profissão de risco, deveria haver apoio médico e equipamentos de emergência e urgência, ou qualquer apoio possível”.

O #Colabora, como forma de homenageá-los, encerra a reportagem com os nomes dos 41 policiais mortos no Pará: Cláudio da Costa Silva; Luiz Gonzaga Pacífico dos Santos; Sebastião Gomes da Silva Júnior; Ananias Sena do Carmo; Antônio Carlos de Almeida Rodrigues; Carlos Alberto Araújo de Souza; Josué Saraiva dos Santos; Gilberto de Oliveira Lopes; Rosivaldo do Espírito Santo Cunha, Reinaldo Nobre de Miranda Júnior; Nivaldo Silvio Costa Ferreira; Climi Cleber Pinheiro Soares; Djalma da Cruz Pereira; Nascimento Marques dos Santos; José Mendes; Ércio José Fonseca da Costa; João Soares da Silva Neto; Renato Nascimento Cordovil; Wilson Roberto Martel dos Santos; Dailton Teixeira dos Santos; Maria Luciete Ferreira Castro; Juscelino Rosivaldo Lima Brandão; Daniel Gonçalves da Silva; Edson José Alcântara; Raimundo Monteiro Ferreira; Rubens Lameira Barros; Leonardo Silva Monteiro; José Humberto dos Santos da Silva; Ulisses Gonçalves da Silva; Ismaelino Antônio Vieira de Souza; Joilson Corjesu Lopes Monteiro; João Carlos Oliveira Campos; Renato Dias Pereira; Gilson Cleber Evangelista Lopes; Rômulo Rogério Ferreira da Costa; Eledilson Renato Costa Oliveira; Sebastiana Cristina Cordeiro dos Santos; Gerson Monteiro Negrão; José Luiz Miranda Aracaty; Wilder de Oliveira Baptista e João Barreto Bentes.

*O #Colabora adotou um nome fictício para preservar a identidade do entrevistado. 

Yuri Alves Fernandes

Jornalista e roteirista do #Colabora especializado em pautas sobre Diversidade. Autor da série “LGBT+60: Corpos que Resistem”, vencedora do Prêmio Longevidade Bradesco e do Prêmio Cidadania em Respeito à Diversidade LGBT+. Fez parte da equipe ganhadora do Prêmio Vladimir Herzog de Anistia e Direitos Humanos, com a série “Sem direitos: o rosto da exclusão social no Brasil”. É coordenador de jornalismo do Canal Reload e diretor do podcast "DáUmReload", da Amazon Music. Já passou pelas redações do EGO, Bom Dia Brasil e do Fantástico. Por meio da comunicação humanizada, busca ecoar vozes de minorias sociais, sobretudo, da comunidade LGBT+.

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