Governo propõe novos cortes na pesquisa científica do país

No laboratório de Bio-Manguinhos, na Fiocruz, técnico trabalha com o kit de diagnóstico molecular para o coronavírus. Foto Imagens Fiocruz/Julho/2020

Em meio ao caos da pandemia, orçamento para Ciência, Tecnologia e Inovação é 34% menor do que foi em 2020

Por Agostinho Vieira | ODS 3 • Publicada em 3 de fevereiro de 2021 - 19:01 • Atualizada em 19 de abril de 2023 - 09:41

No laboratório de Bio-Manguinhos, na Fiocruz, técnico trabalha com o kit de diagnóstico molecular para o coronavírus. Foto Imagens Fiocruz/Julho/2020

Depois de quase um ano de convivência forçada com a covid-19, algumas lições pareciam óbvias e fáceis de serem assimiladas. Todos sabem, por exemplo, que é importante usar máscara, manter o distanciamento social, ter uma embalagem de álcool gel sempre por perto e investir em pesquisa. Certo? Errado. Mesmo passando os últimos meses com o pires na mão, esperando que países como a China e a Índia nos forneçam vacinas e insumos básicos para combater a pandemia, o governo do presidente Jair Bolsonaro resolveu iniciar o ano de 2021 propondo novos cortes no orçamento do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI). Pior. A ideia nem é inovadora. No ano passado o governo já havia cortado 15% dos investimentos em pesquisa.

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A comunidade científica, obviamente, está protestando contra mais este atentado à inteligência nacional. Nesta quarta-feira, dia 3 de fevereiro de 2021, o Conselho Deliberativo da Coppe/UFRJ divulgou uma nota repudiando a proposta do governo: “A Coppe/UFRJ adverte a sociedade brasileira para as recentes decisões e medidas do governo federal que resultarão no enfraquecimento e, no limite, na eliminação das condições objetivas de funcionamento de instituições do sistema brasileiro de Ciência, Tecnologia e Inovação”, diz o texto.

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O desmonte do sistema se estende a agências de fomento à pesquisa, como a Capes, o CNPq e o Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT). A Capes terá 1,2 bilhão de reais a menos do que teve em 2019. Já o CNPq terá apenas 18% do que dispunha no mesmo ano. O FNDCT corre o risco de perder 4,8 bilhões de reais este ano, desviados da sua função primordial para aumentar a Reserva de Contingência Financeira. No ano passado já foram retirados deste Fundo 4,3 bilhões de reais com a mesma finalidade.

Em entrevista para a Rede Brasil Atual, o presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), Ildeu de Castro Moreira, disse que os recursos disponíveis para investimento no ministério serão da ordem de R$ 2,7 bilhões: “Isso é um terço a menos do que tínhamos no ano passado. Haverá uma redução de cerca de 8% dos recursos para bolsas. A verba para fomento à pesquisa está extremamente reduzida, em R$ 22 milhões, que é um valor ridículo”.

Pesquisa científica: técnicos da Fiocruz investigam a ação de medicamentos antivirais sobre o novo coronavírus. Foto Acervo da Fiocruz
Técnicos da Fiocruz investigam a ação de medicamentos antivirais sobre o novo coronavírus. Foto Acervo da Fiocruz

Além disso, a proposta do governo prevê um corte de 68,9% nos benefícios fiscais para a importação de equipamentos e insumos destinados à pesquisa científica. Para o professor Renato Cordeiro, pesquisador emérito da Fiocruz e membro da Academia Brasileira de Ciências, essa redução vai prejudicar fortemente as investigações dos laboratórios e instituições que estão na linha de frente do combate ao covid-19 como a Fiocruz, o Butantan, a USP, a UFRJ, a Unifesp, a UFMG e muitos outros: “Sequenciamentos do genoma do SARS-CoV-2, fabricação e pesquisas com novas vacinas e medicamentos, exigem modernização constante de equipamentos e compra de insumos que não são encontrados no Brasil”, explicou.

Da pior forma possível, a pandemia evidenciou a dramática consequência da falta de investimentos em pesquisa e desenvolvimento de equipamentos e fármacos no país. Nos últimos 40 anos, a partir de 1980, a produção de insumos farmacêuticos, no Brasil, caiu de 55% para 5% da nossa necessidade de consumo.

“Nos últimos anos, o governo brasileiro vem navegando na contramão da história. Cortando e contingenciando seguidamente o orçamento para a pesquisa, a educação e a proteção ao meio ambiente, com grande impacto na performance científica do país. O cenário para 2021 é desolador. Enquanto isso, a Alemanha, por exemplo, já anunciou que investirá, entre 2021 e 2030, a vultosa soma de 160 bilhões de euros no seu ensino superior e na pesquisa cientifica. Movimentos semelhantes acontecem na China, na Coreia do Sul e nos Estados Unidos. Com isso, o abismo que nos separa desses países só cresce”, lamenta o professor Renato Cordeiro.

Outro problema grave provocado pelo desmonte promovido nas universidades e nos institutos de pesquisa, é a fuga de talentos. Jovens cientistas brasileiros estão sem motivação e sofrem com a falta de esperança em relação ao futuro da ciência no Brasil: “Pesquisadores e pós-doutores têm migrado para outros países em busca de oportunidades profissionais. O Brasil está dando uma contribuição enorme para os países do primeiro mundo promovendo essa diáspora, exportando nossos talentosos jovens para os Estados Unidos, a França e a Inglaterra. Em pouco tempo, a China também entrará nesse mercado de cérebros sem gastar um tostão na formação dos jovens cientistas”, conta Renato Cordeiro.

Deveria parecer lógico, mas não é. Sob o falso argumento de que é preciso reduzir gastos e manter a responsabilidade fiscal, o governo aposta, mais uma vez, contra a produção científica no país. Uma decisão que já está custando caro. Não só pela importação de medicamentos e insumos de outros países, mas, principalmente, com as vidas dos brasileiros que sofrem com a pandemia. Como diz a nota da Coppe/UFRJ, “é lamentável e inexplicável que o governo, na contramão do que é feito na maioria dos demais países, insista na retirada das condições de funcionamento e na asfixia financeira das universidades e das instituições de pesquisa científica e tecnológica do país”. Pelo visto, o Brasil não está acima de tudo.

Agostinho Vieira

Formado em Jornalismo pela Escola de Comunicação da UFRJ. Foi repórter de Cidade e de Política, editor, editor-executivo e diretor executivo do jornal O Globo. Também foi diretor do Sistema Globo de Rádio e da Rádio CBN. Ganhou o Prêmio Esso de Jornalismo, em 1994, e dois prêmios da Society of Newspaper Design, em 1998 e 1999. Tem pós-graduação em Gestão de Negócios pelo Insead (Instituto Europeu de Administração de Negócios) e em Gestão Ambiental pela Coppe/UFRJ. É um dos criadores do Projeto #Colabora.

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