Fumaça das queimadas encobre Manaus

Entre 1º e 8 de setembro de 2020, os focos de calor no Amazonas aumentaram 170% em relação ao mesmo período do ano passado

Por Amazônia Real | ODS 15ODS 3 • Publicada em 10 de setembro de 2020 - 08:00 • Atualizada em 15 de setembro de 2020 - 09:43

Manaus, vista da Ponte Rio Negro, sob uma densa cortina de fumaça: número de queimadas dispara no Amazonas (Foto: Bruno Kelly/Amazonia Real)

Elaíze Farias*

Manaus (AM) Uma extensa nuvem de fumaça de queimadas encobre Manaus desde segunda-feira (7) vinda de diferentes pontos da Amazônia. Os índices de focos de queimadas na região permanecem elevados e vêm batendo recordes históricos desde julho. Entre 1º e 8 de setembro de 2020, o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) registrou no Amazonas 2.002 focos, um número 170% superior ao mesmo período de 2019, quando o estado teve 742 focos. O estado do Pará teve um aumento mais expressivo, com 3.468 focos de queimadas, representando um aumento de 253% em relação ao mesmo período do ano passado, quando o Inpe detectou 983 focos.

“Os sete primeiros dias de setembro estão indicando três vezes mais [focos de queimadas] que no mesmo período do ano passado – e isso, considerando ainda que nos dias 1º e 2 de setembro de 2020, por limitação técnica do satélite, muitos focos não puderam ser registrados. Ou seja, esta primeira semana de setembro se apresenta preocupante quanto ao uso ilegal do fogo no Amazonas”, disse à Amazônia Real o coordenador de monitoramento de queimadas do Inpe, Alberto Setzer.

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Gráfico elaborado pelo coordenador do Inpe mostra a trajetória de partículas de fumaça que chegaram em Manaus na terça-feira (8). Cada marca nas curvas indica um intervalo de 6 horas e o registro foi feito ao longo de 96 horas. “A origem é no Pará, abrangendo até o sul do Estado quatro dias atrás. Em Manaus, os ventos estão vindo de leste para oeste e de sudeste para noroeste. O que também inclui fumaça emitida no leste e centro-leste do Amazonas”, informou Setzer, nesta terça-feira. Pelos registros do Inpe e outras instituições consultadas, a reportagem detectou concentração de queimadas nos municípios de Novo Progresso, São Félix do Xingu e Altamira, no Pará, e Lábrea, Apuí e Boca do Acre, no Amazonas.

Mapa de validação de Queimadas do INPE do dia 08 de setembro de 2020 (Reprodução)
Mapa de validação de Queimadas do INPE do dia 08 de setembro de 2020 (Reprodução)
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A gente tem ouvido falar do Exército, dos órgãos ambientais, de todos estarem atuando em campo. Fala-se em treinamento, fiscalização, combate a queimadas, mas ninguém sabe ao certo como está sendo o processo de prevenção.

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Além da fumaça, na terça-feira (08/09), um apagão deixou Manaus sem energia elétrica por quase duas horas, potencializando a já alta temperatura, em torno de 37 graus. A empresa Amazonas Energia informou que o fornecimento de energia foi interrompido por problemas técnicos no linhão de Tucuruí, operado pelo Operador Nacional do Sistema (ONS). O blecaute provocou outro transtorno à população: a interrupção de abastecimento de água, afetando todos os bairros de Manaus. Nesta quarta-feira, o serviço ainda não foi reativado em toda a cidade.

“Aqui em Manaus, há um cenário que parece filme de ficção científica, de muita fumaça”, resumiu o geógrafo e ambientalista Carlos Durigan. “Mais uma vez estamos frente a uma situação séria. Vemos que as agências de governo, tanto federais, inclusive com envolvimento do Exército, quanto estaduais, propagam que há frentes de combate ao desmatamento e queimadas, mas, na prática, não acontece.”

Ainda nesta terça-feira o Ministério da Defesa, o Exército e o Comando Conjunto da Amazônia divulgaram uma nota com informações sobre os resultados do 4º mês da Operação Brasil Verde 2, completados no próximo dia 10. A nota elenca que apreendeu 18.634,51 metros cúbicos de madeira e aplicou 356 multas que totalizam R$ 245.817.963,55.  A atuação ocorreu em 37 localidades de Rondônia, do Acre e da região sul do Amazonas.

Os números do governo Bolsonaro podem até impressionar, mas não para quem conhece a região em profundidade. “Na prática a gente não está vendo o resultado. Se está tendo tanta atividade em campo, por que estamos vivendo um período assim?”, cobrou Carlos Durigan, diretor da ong WCS Brasil e que mora e atua há mais de 20 anos na Amazônia, com atuação em diversas frentes da área socioambiental.

Pôr do sol em Manaus com uma densa cortina de fumaça: calor de 37 graus e falta de energia elétrica (Foto: Wilsa Freire/Amazônia Real)

“A gente tem ouvido falar do Exército, dos órgãos ambientais, de todos estarem atuando em campo. Fala-se em treinamento, fiscalização, combate a queimadas, mas ninguém sabe ao certo como está sendo o processo de prevenção. Como é a abordagem dos produtores rurais para conter o uso do fogo, no caso de ser inevitável o uso, por exemplo?”, questionou Durigan, sem deixar de lembrar que o governo baixou um decreto proibindo o uso do fogo na agricultura.

Diante do desprestígio do ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, junto da opinião pública, o governo atribuiu o comando do combate às queimadas ao vice-presidente, o general Hamilton Mourão, presidente do Conselho Nacional da Amazônia Legal. A Amazônia Real entrou em contato com a Assessoria de Comunicação da Força-Tarefa Integrada Príncipe da Beira, como é denominada a operação, com sede em Porto Velho (RO), e com o Ministério da Defesa. Mas até a publicação desta reportagem o governo não respondeu a questões como o contínuo aumento das queimadas e a efetividade das ações citadas.

Em 2015, Manaus já ficou coberta por uma densa camada de poluição devido ao alto índice de queimadas, agravado com o fenômeno El Niño (que reduz volume de chuva na Amazônia) naquele ano – em 2019 e em 2020, não há ocorrência do El Niño na Amazônia. As nuvens de fumaça permaneceram suspensas sobre a capital durante vários dias. Na ocasião, lembrou Durigan, foi discutida a reativação do Plano de Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia (PPCDAM).

“Naquele ano, discutiu-se o retorno de uma frente de trabalho que atuaria ao longo das estradas, ações alternativas de uso de fogo e limpeza de áreas para agricultura, fogo controlado, manejo para reduzir fogo perdido”, explicou o ambientalista. Ele destacou que o PPCDAM previa também ações de combate à grilagem e outras atividades ilegais, que acabam estimulando a destruição da floresta amazônica, inclusive com queimadas. Hoje, a Operação Verde Brasil 2 mal consegue atuar no primeiro eixo. “Não há vontade política de trabalho de prevenção e combate à ilegalidade”, disse Durigan.

Durigan alerta também para a pouca capacidade institucional de órgãos ambientais dos estados, por diferentes razões: pouco recurso e por falta de vontade política. “Acaba que o cenário é esse: de destruição, onde todos que moramos na região temos nossa saúde afetada. E todo ano acontecendo de uma forma recorrente, sem um programa forte de implementação de ações de prevenção e também de combate a essa situação”, afirma.

Morador caminha na Ponte Rio Negro em Manaus: fumaça de queimadas sobre a cidade em plena pandemia (Foto: Bruno Kelly/Amazônia Real)

MPF cobra ações do governo do Amazonas

O Amazonas tem o Plano de Prevenção e Controle ao Desmatamento e Queimadas (PPCDQAM), que não é um programa novo e já foi discutido em anos anteriores. Questionada sobre o aumento das queimadas no estado, a Secretaria de Estado do Meio Ambiente (Sema) do Amazonas disse, por intermédio da Assessoria de Imprensa, que o comitê estadual do PPCDQAM vai se reunir na sexta-feira (11), em caráter emergencial, com a participação do governador Wilson Lima.

Mas, para o Ministério Público Federal no Amazonas, essa reunião chega atrasada. O MPF já havia se reunido com representantes da Sema em 19 de agosto, quando cobrou a implementação do PPCDQAM, especialmente o fortalecimento das equipes locais de brigadistas. “O MPF entende que o combate mais efetivo de queimadas depende da atuação de brigadistas e tem defendido nessas reuniões que o Estado precisa investir na contratação desses profissionais municípios mais críticos”, informou a assessoria.

Segundo o MPF, a contratação de brigadistas se mostra mais importante nesse momento, uma vez que as atividades de fiscalização dos órgãos ambientais são realizadas em tempo incompatível com a velocidade das queimadas e dos incêndios florestais. E essa contratação precisa ser feita pelo Estado, já que os municípios têm empecilhos para custear esses serviços por conta das eleições. O MPF lembrou ainda que o número de servidores já é reduzido para dar conta da demanda fora do período crítico de queimadas.

Uma ação civil pública do MPF pede à Justiça Federal que determine medidas de comando e controle para contenção do desmatamento causado por madeireiros, garimpeiros e grileiros nas dez áreas de maior incidência do crime na Amazônia. Em maio deste ano, uma decisão liminar  atendeu a pedido de tutela de urgência do MPF, anterior à ação civil pública. A liminar, contudo, foi suspensa pelo Tribunal Regional Federal da 1ª Região e o MPF já recorreu da decisão. Paralelamente, o Ministério Público Federal cobrou da presidência do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) uma série de indicadores de combate ao desmatamento. O órgão aguarda essas respostas até 14 de setembro.

A Sema encaminhou nota com informações já enviadas a outros questionamentos feitos pela Amazônia Real, como a captação de recursos para a implementação das ações contidas no PPCDQAM e demais projetos em cooperação, e envio de informações georreferenciadas dos polígonos de desmatamento e áreas vulneráveis da Operação Curuquetê. A secretaria estadual afirma que trabalha para celebrar uma cooperação técnica com a Superintendência Regional da Polícia Federal do Amazonas, para reforçar ações de vigilância, inteligência e proteção ambiental no sul do estado e unidades de conservação estaduais.

*Amazônia Real

Amazônia Real

A agência de jornalismo independente Amazônia Real é organização sem fins lucrativos, sediada em Manaus, no Amazonas, que tem a missão de fazer jornalismo ético e investigativo, pautada nas questões da Amazônia e de sua população, em especial daquela que tem pouca visibilidade na grande imprensa, e uma linha editorial em defesa da democratização da informação, da liberdade de expressão e dos direitos humanos.

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