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Veja o que já enviamosForça total na desumanidade: sobre morrer de Brasil
Estudante de 22 anos que sofreu mal súbito em academia no Rio entra para a lista de vítimas da insensibilidade e do menosprezo à vida que grassa por aqui

Na terra tão violenta como ensolarada, sobram paulada e miséria, facada e batida, imperícia e (muita!!) bala, a produzir cadáveres em ritmo incessante, emblema do capitalismo desembestado que governa estes trópicos. Alguns óbitos decorrem da aposta dobrada e triplicada na ausência de empatia, no descaso, na ganância, no total desprezo à vida. É quando, na crueldade mais absoluta, se morre de Brasil.
Leu essa? Ganância mata
A mais recente, na terça-feira (20), levou Dayane de Jesus, 22 anos, estudante de relações internacionais da UFRJ, durante o prosaico ato de se exercitar na academia Forma Fitness, em Copacabana. A jovem passou mal e, na precariedade do estabelecimento que aluga espaço num clube de classe média, não teve atendimento de emergência. Somente um médico, também cliente, tentou socorrê-la. Em vão.
A banalidade da ocorrência choca ao ratificar como vale pouco – nada – a vida por aqui. Não havia na unidade um desfibrilador que, em teoria, poderia ter acudido a estudante. Ela tinha uma condição cardíaca, mas estava liberada para os exercícios – inclusive, fizera check-up em abril. Pode ter sido fatalidade impossível de prever, mas a academia não ajudou, com a ausência do aparelho que salva muitas vidas.
Para piorar, a Forma Fitness estava fora da lei vigente desde 2022, que obriga a manter o equipamento disponível permanentemente, além de treinar seus funcionários para operá-lo. (Você aí acredita que as academias têm? Se sim, é mais crédulo do que o acima assinado.) O estabelecimento reza pela cartilha ultrabrasileira que ignora a prevenção – outro efeito colateral do menosprezo nacional à vida. A investigação ainda prossegue, porque, no limite, os donos podem responder por homicídio culposo (sem intenção de matar). Mas a hipótese mora no exílio das improbabilidades.
Os patrões do empreendimento assumiram, voluntariamente, a vilania típica por aqui. Viraram a página da morte no espaço que gerenciam com a sem-cerimônia de quem só se interessa pelo negócio. “Voltamos com força total”, anunciaram na rede social, após vencer a breve interdição. Em seguida, dobraram a aposta na desumanidade. “(…) Serviu para ver qual cliente/funcionários (sic) fecham com a empresa. Aos que trabalham na empresa como personal e discorda (sic), cai fora… Ninguém está aqui obrigado (…) Não gostou é só sair”, grita o texto, todo em maiúsculas.
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Impossível não imaginar o impacto da postagem na família da jovem de 22 anos, que teve a vida abreviada no ato comum (e altamente recomendável) de cuidar do corpo. Sob essa perspectiva, vira um manifesto de chocante crueldade. Ah, mas a academia gera empregos, precisa se sustentar etc. Sem dúvida. Mas empatia, ainda que pouca, jamais fará mal – até na lógica capitalista, na qual imagem tem valor.
A Forma Fitness entra, assim, para o trágico rol da insensibilidade empresarial, que privilegia o faturamento em vez do cuidado com os clientes. Tem a companhia do quiosque Tropicália, aquele na orla da Barra que, em 2022, continuou aberto durante quase três horas, com o corpo do congolês Moïse Kabagambe, espancado até a morte, bem ao lado; do quiosque vizinho Naná 2, que, em 2023, reabriu normalmente na manhã seguinte ao fuzilamento dos três médicos por traficantes; da produção do show de Taylor Swift no Estádio Nilton Santos, no mesmo ano, que, num calor de rachar catedrais, não distribuiu água para o público, e a estudante Ana Clara Benevides, 23, não resistiu após passar mal; e de inúmeras outras fatalidades que poderiam ser evitadas.
Todas mortes de Brasil.
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