‘Na eleição de 2022, o povo já terá esquecido a pandemia’

Em homenagem aos mortos pela covid-19, a ONG Rio de Paz espalhou bandeiras e sacos na praia de Copacabana. Foto Barbara Dias/AGIF/AFP. Maio/2021

Para o cientista político Jairo Nicolau, eleição presidencial será pautada pela economia e não pela covid-19

Por PH de Noronha | ODS 16ODS 3 • Publicada em 24 de maio de 2021 - 09:23 • Atualizada em 26 de maio de 2021 - 09:39

Em homenagem aos mortos pela covid-19, a ONG Rio de Paz espalhou bandeiras e sacos na praia de Copacabana. Foto Barbara Dias/AGIF/AFP. Maio/2021

O cientista político Jairo Nicolau, professor titular da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e do Centro de Pesquisa e Documentação da Fundação Getúlio Vargas (CPDOC/FGV), alerta: a eleição presidencial de 2022 deverá ser pautada – e decidida – pela economia, e não pela covid-19. E o maior equívoco que a oposição pode cometer é subestimar o presidente Jair Bolsonaro no pleito do ano que vem, “ficar dizendo que ele está morto, perdido, desesperado”.

“Isso é um equívoco total para lidar com esse senhor. Ele ainda tem uma liderança muito consistente e forte e uma parte grande do Brasil continua com ele”, diz Jairo

Mestre e doutor em Ciências Políticas no Iuperj, com pós-doutorado na Universidade de Oxford e no King’s Brazil Institute, Jairo é autor de vários livros sobre a política brasileira. O último deles, publicado já durante a epidemia, é “O Brasil dobrou à direita: Uma radiografia da eleição de Bolsonaro em 2018”.

Nesta entrevista para o Projeto #Colabora, ele analisa o impacto da epidemia de covid-19 sobre o governo Bolsonaro e como isso pode afetar – ou não – sua candidatura à reeleição em 2022.

Jairo Nicolau sobre 2022: "Jair Bolsonaro não está morto". Foto Divulgação
Jairo Nicolau : “Jair Bolsonaro não está morto”. Foto Divulgação

A covid-19 está, realmente, enfraquecendo Bolsonaro em termos eleitorais?

Acho que se a eleição fosse este ano, o Bolsonaro estaria perdido, era derrota certa. Foi o que aconteceu com o Trump, que tentou a reeleição no meio de um momento duro da epidemia nos Estados Unidos, antes de começar a vacinação. Não estou dizendo que o Bolsonaro seja favorito. O Trump era, não foi fácil a vitória de Joe Biden. Mas, sem nenhuma dúvida, a epidemia já virou o grande tema do governo de Bolsonaro. Mais da metade de seu tempo à frente do Palácio do Planalto foi ocupada pela covid-19. E pelo visto isso vai durar ainda mais um bom tempo, porque ninguém sabe ao certo se a epidemia acaba, ou se vai virar uma situação mais ou menos sob controle, como já acontece em alguns países, como Israel e Estados Unidos.

Bolsonaro em seu primeiro ano de governo (2019) manteve enorme aprovação popular, de acordo com as pesquisas. E agora?

Para mim, Bolsonaro vive hoje o pior momento de seu governo. Não só pela avaliação formal das pesquisas, mas também porque os erros que cometeu na gestão da epidemia, de um ponto de vista político, poderiam ter sido compensados caso ele tivesse aderido ao processo de vacinação. Questões como fecha ou não fecha, máscara ou não máscara, cloroquina, aglomeração, isso gerou polêmica no mundo inteiro. Só não tem polêmica em relação à vacina, ela é um consenso. Todos os chefes de estado dos principais países do planeta se vacinaram publicamente e fizeram disso peça importante de suas campanhas nacionais de vacinação. O maior erro dele foi esse. Ainda que o Ministério da Saúde faça essas propagandas todas pela vacinação, ele não entrou nessa onda. E não está se beneficiando de uma potencial recuperação do país com o declínio da epidemia, porque ele simplesmente errou em todos os tempos. O Trump não chegou a viver o ápice da vacinação, ele teve uma ambiguidade no começo, mas apostou na vacinação. O Bolsonaro, não. Esse é um erro que vai lhe custar caro. E ele é uma pessoa que não corrige os erros, é incapaz de ir para a TV e dizer que errou. Nesta epidemia, tivemos o pior governante, que errou em tudo.

E qual o impacto disso para a reeleição dele em 2022?

No segundo semestre, por volta de setembro, quando as estimativas são de que o quadro deve estar mais ou menos sob controle no Brasil, com um ritmo melhor de vacinação chegando a grande parte da população, a economia irá voltar aos poucos à normalidade. Obviamente a doença não estará extinta, vai ficar com ciclos alternados, ondas aqui e ali, mas a tendência é claramente de melhoria. A sorte de Bolsonaro é de que nesse momento haverá uma distância de um ano até a eleição de outubro de 2022. Com essa tendência de a economia melhorar, ainda que não seja de uma forma ampla para a evolução do país, novos empregos serão gerados, veremos a volta do consumo e as pessoas voltarão a estudar. Acho que esse é o fio de esperança que Bolsonaro tem para a eleição de 2022. Em outubro do ano que vem, já teremos uma certa recuperação econômica e haverá uma diferença muito grande do quadro grave de epidemia visto um ano e meio antes, neste primeiro semestre de 2021.

O Bolsonaro é uma pessoa que não corrige os erros, é incapaz de ir para a TV e dizer que errou. Nesta epidemia, tivemos o pior governante, que errou em tudo.

É possível esquecer a pandemia?

A oposição vai fazer a população lembrar do que aconteceu, enquanto ele vai tentar jogar uma outra agenda. A sorte dele, e por isso não está absolutamente perdido ainda, é que eu acho que esse tema da epidemia vai morrer. E se a economia estiver razoável, ele consegue terminar seu governo um pouco melhor e minimamente competitivo para a eleição. A grande questão de 2022 não será a epidemia, será a economia – emprego, renda, pobreza, perspectivas econômicas para o país. A epidemia vai estar zerada. Vimos isso na eleição municipal, que aconteceu no meio de uma baixa do quadro de epidemia, e ela não foi um tema discutido. O eleitor brasileiro tem esses comportamentos: depois de um ano, as pessoas não vão mais querer falar desse quadro desastroso que estamos vivendo, da CPI da Covid, das cenas da tragédia, dos mortos. Elas vão querer é virar a página, voltar à vida normal. E isso favorece o Bolsonaro.

Comentaristas na imprensa dizem que Bolsonaro possui um eleitorado “raiz” que é muito difícil de mudar, continuará com ele até o fim. Porém, alguns milhões de brasileiros votaram em Bolsonaro somente no segundo turno e, agora, parte significativa desse eleitorado está desapontada e não deve continuar apoiando o presidente. Você concorda com essa análise?

Esse eleitorado que você chamou de “raiz”, mais fiel e mais defensor, que avalia o governo como positivo, ótimo e bom, e que admira o Bolsonaro, tenho a impressão de que o presidente conseguiu mantê-lo em sua quase totalidade. Até porque essas pessoas compartilham da mesma visão, foram sendo criadas identidades, são cidadãos que querem a economia aberta durante a epidemia, que embarcaram no discurso da cloroquina. E ele cultiva uma subcultura bolsonarista que se retroalimenta, as pessoas pensam de uma maneira que municie uma visão dele, e vice-versa. Há intelectuais e pessoas comuns que pensam igualzinho a ele, sobre a China, sobre a cloroquina, sobre o fechamento da economia. Bolsonaro vem mantendo esse apoio. E ninguém consegue estimar o tamanho desse eleitorado, que é fiel a ele depois de tudo que a gente passou. Por outro lado, dos eleitores que embarcaram na onda bolsonarista de 2018, boa parte foi embora. Não sei se uma parte volta, isso dependerá do contexto da campanha eleitoral. Se tiver um candidato de centro-direita que acene com algum potencial, ele poderá capturar esse eleitorado que foi para o Bolsonaro. Mas em um cenário de polarização com Lula, aí eu temo que o Bolsonaro consiga recuperar uma parte desse grupo de eleitores. Porque mesmo rejeitando o presidente e suas loucuras, essas pessoas têm uma noção muito negativa da época do PT, do tema da corrupção, enquanto no governo Bolsonaro houve, proporcionalmente, pouca corrupção noticiada. O antipetismo ainda é forte, ele está sendo diluído, mas com muita lentidão. E o próprio Lula instiga esse sentimento antipetista em certos segmentos de classe média. Bolsonaro pode conquistar uma parte desse eleitorado por conta justamente de ter o Lula do outro lado. A tropa de choque do Bolsonaro é de políticos tradicionais, como Fernando Bezerra, não é o bolsonarista de 2018. Ele ainda consegue fazer pontes com o mundo da política tradicional. Uma parte do Brasil conservador consegue levar o Bolsonaro, seja por pragmatismo, seja porque compartilha das loucuras que ele pensa e faz. Não vai ser fácil impedir que o Bolsonaro vá para o segundo turno. Esse momento de avaliação negativa tende a se arrefecer à medida que a economia melhore e as mortes se reduzam.

No segundo semestre, por volta de setembro, quando as estimativas são de que o quadro deve estar mais ou menos sob controle no Brasil, com um ritmo melhor de vacinação chegando a grande parte da população, a economia irá voltar aos poucos à normalidade. Obviamente a doença não estará extinta, vai ficar com ciclos alternados, ondas aqui e ali, mas a tendência é claramente de melhoria. A sorte de Bolsonaro é de que nesse momento haverá uma distância de um ano até a eleição de outubro de 2022

Acho que ele vai voltar ao patamar de um terço de aprovação, um terço de neutros e um terço de reprovação. Ano passado aconteceu isso, em maio/junho, quando teve aquela crise do Ministério da Saúde, que começou com a saída do ministro Luiz Henrique Mandetta. Bolsonaro estava com 50% de rejeição, mas recuperou a popularidade com o auxílio emergencial. Eu intuo que isso possa voltar a acontecer, por conta da própria natureza da opinião pública brasileira, que não é estrutural. As pessoas não são de esquerda ou de direita estruturalmente, elas vão na onda. Hoje o sentimento antibolsonarista está num ápice, mas, passada a epidemia, as pessoas voltam ao normal e podem se voltar para ele. Para vencer Bolsonaro em 2022, é preciso muita argúcia, apostar num nome de centro que tire os votos dele no primeiro turno, e apostar numa campanha mais moderada do Lula, costurando com esse centro. Porque sua resiliência e o conservadorismo brasileiro dão a Bolsonaro chances muito boas de disputar uma segunda eleição em 2022, estando no governo e passada a epidemia. Não podemos subestimar sua força. A gente tem um Brasil que é muito fiel a ele. As pessoas comuns não têm detalhes técnicos de quais políticas públicas funcionam melhor, detalhes da eficiência das vacinas. Elas repetem as coisas que recebem das redes bolsonaristas porque são histórias muito plausíveis. A história de que a China saiu da crise econômica e está crescendo depois de ter inventado e espalhado o vírus, o mundo está em maus lençóis e eles estão muito bem, vendendo vacinas, é uma história muito plausível para as pessoas comuns. É teoria da conspiração, mas é uma ótima história para as pessoas acreditarem, é perfeita para quem é desinformado. Porque as pessoas querem é emprego, trabalho, têm uma visão fatalista religiosa no Brasil de que esse vírus é uma doença, que não tinha como se proteger, que não tem como evitar as mortes. Há um certo fatalismo que o Bolsonaro reforça com um tipo de darwininsmo social, de que as pessoas têm que morrer mesmo, que o vírus pega as pessoas mais velhas, que isso é da vida, fazer o quê, e muita gente repete isso. Bolsonaro representa uma parte do Brasil que pensa como ele, que repete essas coisas, um vai alimentando o outro, e isso o torna uma pessoa muito competitiva. Para os bolsonaristas pessoas comuns, ele está tentando. Mas deu azar, mas o Supremo (STF) não deixa, mas ele é boicotado – eles têm explicação para tudo. Acho que Bolsonaro muito dificilmente ficará fora do segundo turno. Precisaria haver um candidato de centro-direita forte, mas essa hipótese cada dia fica mais difícil. Bolsonaro não virá com a força que costumava ter, mas será ainda muito competitivo em 2022. O maior erro da oposição é subestimá-lo, ficar dizendo que ele está morto, perdido, desesperado. Esse é um equívoco total para lidar com esse senhor. Bolsonaro ainda tem uma liderança muito consistente e forte, e uma parte grande do Brasil continua com ele.

PH de Noronha

É jornalista, trabalhou nas editorias de Economia e Internacional do Jornal do Brasil e O Globo e foi editor de Macroeconomia e Política no Brasil Econômico. Atuou na comunicação corporativa de empresas como Cetip e TIM Brasil e nos governos federal (Anac e BNDES) e estadual (Secretaria de Segurança).

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