Tendência é de que população mude hábitos alimentares diante da alta de produtos naturais, como o tomate (Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil)

Como a inflação climática da comida afeta a segurança alimentar e a saúde?

Como a inflação climática da comida afeta a segurança alimentar e a saúde?

Por Micael Olegário ODS 3

Preços elevados levam ao consumo de ultraprocessados e de imitações como o “café fake”. Clima também prejudica qualidade nutricional da produção

Publicada em 12 de março de 2025 - 00:09

Clima, alimentação e saúde são temas entrelaçados pelo atual contexto de crise ecológica global. No Brasil, essa relação é sentida, principalmente, no prato das pessoas. Levantamento do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese) identificou aumento no custo da cesta básica em 13 capitais, de um total de 17 cidades pesquisadas. De acordo com o estudo, em média, o valor dos ítens básicos para alimentação equivale a 40% do salário mínimo, de R$ 1.518. O maior valor foi em São Paulo, onde a cesta ficou em R$ 851,82, o que corresponde a 60% do salário mínimo.

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No contexto de preços elevados, as pessoas são obrigadas a fazer mudanças nos hábitos alimentares, o que geralmente, significa reduzir o consumo de alimentos frescos e naturais. “Você chega no supermercado e aquele produto que você ia comprar está muito caro, então você acaba trocando por outro, na maioria das vezes é um produto ultraprocessado”, explica Maíra Mazoto, professora de Nutrição na Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (Unirio).

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Temos uma concentração elevada de CO2 (gás carbônico) que pode reduzir o teor de ferro e zinco em grãos e o teor de cálcio e magnésio em vegetais de raiz, como mandioca, insumo muito consumido pelos brasileiros, principalmente em regiões de insegurança alimentar

Franciele Cardoso
Professora da Unisinos

De um modo geral, os preços dos alimentos sofrem influência de diversos fatores, inclusive internacionais. Contudo, a questão climática adiciona desafios extras relacionados com sua produção e disponibilidade. “Se os alimentos ficarem mais caros, obviamente uma grande parcela das pessoas não poderão adquirir alimentos para sua dieta diária”, pontua Suzi Barletto Cavalli, professora do Programa de Pós-graduação em Nutrição da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC).

De acordo com a pesquisadora, a consequência desse cenário é o agravamento de problemas de saúde, como obesidade, desnutrição, diabetes, doenças coronárias, entre outras. Suzi também lembra do papel central da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) nesse debate, como a possibilidade de controle dos estoques e influência nos preços dos alimentos.

Foto colorida de prateleira de supermercado em que aparecem diversos alimentos, entre eles pacotes de café
Pacotes de café “fake” começaram a ganhar popularidade em meio a inflação do grão (Foto: Valter Campanato/Agência Brasil)

Café falso e ultraprocessados

A alta no preço do café – relacionada com as questões climáticas – tem feito surgir produtos alternativos que imitam o grão. É o caso do “café fake”, também chamado de “pó para bebida sabor café”, produto feito com a polpa do grão, misturado com outros insumos, incluindo aromatizantes e corantes. “A população acaba sofrendo bastante também com essa questão do café, porque é uma cultura extremamente vulnerável às variações climáticas”, enfatiza a pesquisadora, autora de artigo sobre os impactos das mudanças climáticas na segurança alimentar e nutricional

De acordo com Maíra Mazoto, diferente de outros alimentos, como a carne bovina, que pode ser substituída por outras proteínas – como frango ou ovos – o café não tem uma substituição fácil. “Já vemos o caso de misturas que imitam leite condensado, mas que a lista de ingredientes tem baixo valor nutricional e não fazem bem a saúde. Isso é importante notar ao substituir alimentos”, complementa a pesquisadora, sobre a atenção necessária com os ingredientes na hora de escolher os produtos.

Mas a agricultura – produção de alimentos – terá que ser sensível à nutrição e não o contrário. A atividade de produção de alimentos e de outros produtos, deverá ou deveria ser para preservar e priorizar a vida no planeta e do planeta

Suzi Barletto Cavalli
Professora de Nutrição da UFSC

Em muitos casos, diante da falta ou de preços elevados de frutas e alimentos frescos, as opções se tornam bolachas, salgadinhos e outros ultraprocessados. De acordo com definição do Guia Alimentar da População Brasileira, ultraprocessados são produtos que passam por diversas etapas e técnicas de processamento, com adição de muitos ingredientes, incluindo sal, açúcar, óleos, gorduras e substâncias de uso exclusivamente industrial.

Tem muitos estudos que já mostram as relações de ultraprocessados com diversas doenças cardiovasculares e com questões de saúde mental”, menciona Maíra. Relatório produzido pela ACT Promoção da Saúde relaciona o consumo desses produtos com pelo menos 57 mil mortes prematuras em 2019, além de doenças e de um impacto negativo de R$ 10,4 bilhões por ano na saúde pública brasileira.

Apesar da mobilização da sociedade civil e de diferentes entidades, como o Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Consea), os ultraprocessados ficaram de fora da lista do chamado “imposto seletivo” da Reforma Tributária, sancionada em janeiro deste ano. Reportagem do O Joio e o Trigo mostra ainda que fabricantes de ultraprocessados contam com isenções de impostos em valores que somam R$15 bilhões na última década.

Foto colorida de cestas com diferentes alimentos, como pimentão, abobrinha e cenoura
Além de reduzir quantidade de produção, clima extremo pode afetar qualidade nutricional dos alimentos (Foto: Rafa Neddermeyer/Agência Brasil)

Clima afeta qualidade dos alimentos

As condições climáticas atingem tanto a produção de alimentos de origem animal, quanto de origem vegetal. “As hortaliças, se não forem produzidas em sistemas de irrigação e proteção, serão muito afetadas, mas essa forma de produção requer um maior custo e também depende de recursos ambientais”, exemplifica Suzi Cavalli, doutora em Alimentos e Nutrição pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).

Além disso, existe também o impacto na qualidade e na composição nutricional dos alimentos produzidos sob extremos de temperaturas e instabilidade de chuvas. “Temos uma concentração elevada de CO2 (gás carbônico) que pode reduzir o teor de ferro e zinco em grãos e o teor de cálcio e magnésio em vegetais de raiz, como mandioca, insumo muito consumido pelos brasileiros, principalmente em regiões de insegurança alimentar”, complementa Franciele Cardoso, professora e pesquisadora na área de insegurança alimentar e mudanças climáticas na Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos).

“Por enquanto, estamos trabalhando com a questão do acesso e da disponibilidade. Não estamos olhando para a qualidade do alimento”, aponta Maíra Mazoto. Nesse contexto, a especialista defende a adoção de políticas públicas para o fortalecimento dos estoques da Conab, taxação de ultraprocessados e subsídios para a produção agroecológica.

De acordo com Suzi Cavalli, a tríade entre alimentos seguros, saudáveis e sustentáveis é essencial para a saúde e nutrição das pessoas. “Mas a agricultura – produção de alimentos – terá que ser sensível à nutrição e não o contrário. A atividade de produção de alimentos e de outros produtos, deverá ou deveria ser para preservar e priorizar a vida no planeta e do planeta”, destaca a professora – afinal de contas, comer e viver bem são direitos básicos.

Micael Olegário

Jornalista formado pela Universidade Federal do Pampa (Unipampa). Gaúcho de Caibaté, no interior do Rio Grande do Sul. Mestrando em Comunicação na Universidade Federal de Santa Maria (UFSM). Escreve sobre temas ligados a questões socioambientais, educação e acessibilidade.

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