Diário da Covid-19: Coeficiente de mortalidade no Brasil está acima da média mundial

Passageiros usam máscaras no ônibus, em São Paulo. A cidade adotou o bloqueio de avenidas após identificar o relaxamento no isolamento social. Foto Marcello Zambrana/AGIF

País chega a 33 óbitos por milhão de habitantes, atrás apenas dos EUA com 207 mortes por milhão, mas à frente da média dos outros países: 32 mortes por milhão

Por José Eustáquio Diniz Alves | ODS 3 • Publicada em 4 de maio de 2020 - 10:50 • Atualizada em 5 de maio de 2020 - 11:54

Passageiros usam máscaras no ônibus, em São Paulo. A cidade adotou o bloqueio de avenidas após identificar o relaxamento no isolamento social. Foto Marcello Zambrana/AGIF

O atual ministro da saúde do Brasil disse que o país “performa bem” na comparação internacional da pandemia do coronavírus. Infelizmente, existem até pessoas bem intencionadas que acreditam que o Brasil “não está indo tão mal” pois tinha na tarde do primeiro domingo de maio sete mil mortes, o que dá um coeficiente de mortalidade de “apenas” 33 por milhão de habitantes. De fato, neste mesmo dia 03/05, a República de San Marino, que possui 33 mil habitantes, teve 41 mortes pela covid-19, o que dá um coeficiente de mortalidade de 1.208 por milhão (36 vezes mais que no Brasil). Porém, quando olhamos para os 10 países mais populosos do mundo, o Brasil perde para todos e só “performa” melhor do que os EUA. Uma análise regional do Brasil indica que as regiões Sudeste e Norte apresentam os maiores coeficientes de incidência e de mortalidade e as regiões Sul e Centro-Oeste os menores.

O panorama nacional e global

O Ministério da Saúde informou, na tarde do domingo (03/05), que o número de casos do coronavírus no Brasil ultrapassou a marca histórica de 100 mil pessoas infectadas (101.147 casos), além de alcançar 7.025 óbitos, com uma taxa de letalidade de 6,9%. O número diário de pessoas infectadas foi de 4.588 casos, atrás apenas da Rússia e dos EUA. O número diário de mortes foi de 275 óbitos (o maior para os fins de semana) e no ranking internacional ficou atrás apenas do Reino Unido e dos EUA. No volume acumulado de mortes o Brasil ultrapassou a Alemanha e assumiu o 7º lugar no ranking das “covas” da covid-19.

No dia 03 de maio, o mundo atingiu a cifra de 3,6 milhões de pessoas infectadas pela covid-19 e 248 mil mortes, com uma taxa de letalidade de 7%. A despeito destes números elevados, na média mundial o ritmo da pandemia segue uma velocidade mais lenta em relação à brasileira.

O gráfico abaixo mostra a taxa diária de crescimento do número de casos da covid-19, para cada semana epidemiológica desde a 22 a 28 de março. Nota-se que as taxas brasileiras eram muito maiores do que a taxa média do mundo, mas o Brasil vinha diminuindo o ritmo mais rapidamente até a semana de 19 a 25 de abril. Porém, na última semana epidemiológica (de 26/04 a 02/05) a taxa continuou desacelerando no mundo e acelerou no Brasil.

O gráfico abaixo mostra a taxa diária de crescimento do número de mortes pela covid-19, para cada semana epidemiológica desde a 22 a 28 de março. Nota-se que as taxas brasileiras eram muito maiores do que a taxa média do mundo, mas o Brasil vinha diminuindo o ritmo mais rapidamente até a semana de 12 a 18 de abril. Porém, nas duas últimas semanas epidemiológicas (de 19/04 a 02/05) a taxa de variação diária do número de mortes ficou estável no Brasil, enquanto o mundo continuou desacelerando. Portanto, o Brasil se distanciou da média mundial.

Este repique que aconteceu no Brasil é muito preocupante, pois mostra que o pico da epidemia está ainda distante e as próximas duas semanas devem gerar um número muito elevado de casos e mortes, sobrecarregando o sistema de saúde e toda a infraestrutura envolvida nos cuidados da emergência sanitária. Os dados mostram que o Brasil está na contramão das tendências globais e não se observa uma consciência geral para enfrentar a situação. Seria necessário que o Poder Público se colocasse à altura dos desafios atuais e que o representante máximo da União assumisse as responsabilidades do momento e atuasse como bombeiro que arrisca a própria vida para apagar o fogo e para salvar vidas alheias. Não cabe à presidência do país jogar gasolina na fogueira.

A tabela abaixo mostra a situação da pandemia (no dia 03/05) entre os 10 países mais populosos do mundo, considerando a estimativa populacional para 2020 da Divisão de População da ONU. Nota-se que entre os 10 países, o maior número de casos é disparado dos EUA (com 1,2 milhões), vindo a Rússia em segundo lugar (com 135 mil) e o Brasil em terceiro (com 101 mil). A China e a Índia – países com mais de 1 bilhão de habitantes – possuem menos de 100 mil casos. Indonésia e Paquistão, que possuem mais habitantes do que o Brasil, têm menos de 20,1 mil casos (5 vezes menos do que o Brasil). A China possui 57,6 casos por milhão de habitantes, a Índia 30,8 e os EUA impressionantes 3,5 mil casos por milhão de habitantes.

O Brasil tem o terceiro coeficiente de incidência com 478 por milhão, atrás da Rússia (que tem 923 por milhão), mas o coeficiente de incidência brasileira está acima da média mundial (de 457 por milhão). O Brasil está atrás, praticamente, apenas dos países europeus que já estão em um nível mais avançado do surto pandêmico. Mas como o país possui taxas mais elevadas, está se aproximando dos países com maiores coeficientes e incidência.

Quanto ao número de mortes, entre os 10 países mais populosos, o Brasil (com 7 mil óbitos) só “performa” melhor do que os Estados Unidos (que possuem 68,5 mil mortes). O Brasil tem um coeficiente de mortalidade de 33 óbitos por milhão de habitantes, atrás dos EUA com 207 mortes por milhão, mas à frente de todos os outros países, inclusive à frente do coeficiente de mortalidade do mundo que estava em 32 por milhão, no dia 03 de maio de 2020.

Portanto, dizer que o “Brasil não vai tão mal no ranking do coronavírus”, como escreveu o jornalista Vinícius Torres Freire, no jornal Folha de São Paulo (03/05) é desconhecer que o Brasil está bem pior do que os demais países do seu patamar de tamanho demográfico (com exceção dos EUA) e que avança a taxas mais aceleradas de mortalidade do que os países europeus. Provavelmente, o Brasil nunca vai ter um coeficiente de mortalidade superior ao de San Marino (1.208 óbitos por milhão), mas usar este fato como critério de bom desempenho, ou algo semelhante, é afrontar o bom-senso.

O panorama regional no Brasil

O gráfico abaixo mostra o crescimento do número de casos da covid-19 por regiões do Brasil entre os dias 20 de março e 03 de maio. Observa-se que as regiões mais populosas (Sudeste e Nordeste) possuem os maiores números de casos, mas a região Norte aparece em terceiro lugar e a região Sul (que é a terceira mais populosa) aparece em quinto lugar.

O Brasil tinha 904 casos da covid-19 no dia 20 de março de 2020 e passou para 101 mil no dia 03 de maio, um aumento de 112 vezes (ou 11,1% ao dia). A região Sudeste tinha 553 casos no dia 20/03 e passou para 48 mil no dia 03/05, um crescimento de 87 vezes (ou 10,4% ao dia). No mesmo período o Nordeste passou de 134 casos para 30 mil, um aumento de 224 vezes (ou 12,8% ao dia). A região Norte tinha 15 casos e passou para 14 mil, um aumento de 958 vezes (ou 16,5% ao dia). O Sul passou de 90 casos para 5,5 mil, um aumento de 61 vezes (ou 9,6% ao dia) e a região Centro-Oeste passou de 112 casos para 3 mil, um aumento de 28 vezes (ou 7,7% ao dia), conforme mostra os percentuais do gráfico abaixo.

Portanto, as regiões NO e NE cresceram acima da média nacional e as regiões SE, SU e CO cresceram abaixo da média nacional. Embora o Sudeste concentre o maior número de casos é a região Norte que apresenta o maior crescimento diário.

O gráfico abaixo mostra o crescimento do número de mortes da covid-19 por regiões do Brasil entre os dias 26 de março e 03 de maio. Da mesma forma, as regiões mais populosas (Sudeste e Nordeste) possuem os maiores números de casos, mas a região Norte aparece em terceiro lugar e a região Sul (que é a terceira mais populosa) aparece em quinto lugar.

O Brasil tinha 78 mortes pela covid-19 no dia 26 de março de 2020 e passou para 7 mil no dia 03 de maio, um aumento de 90 vezes (ou 12,2% ao dia). A região Sudeste tinha 67 mortes no dia 26/03 e passou para 3,8 mil no dia 03/05, um crescimento de 105 vezes (ou 12,7% ao dia). No mesmo período o Nordeste passou de 6 mortes para 1,9 mil, um aumento de 320 vezes (ou 15,9% ao dia). A região Norte tinha 1 morte e passou para 963 mil, um aumento de 963 vezes (ou 19,3% ao dia). O Sul passou de 2 mortes para 210, um aumento de 105 vezes (ou 12,7% ao dia) e a região Centro-Oeste passou de 1 morte para 85, um aumento de 85 vezes (ou 12,1% ao dia), conforme mostra os percentuais do gráfico abaixo.

Portanto, as regiões NO, NE e SU cresceram acima da média nacional e a região Centro-Oeste empatou na taxa de crescimento com a média do Brasil e a região Sudeste, embora tenha mais mortes, apresentou o menor crescimento no período. Mas o que chama a atenção é que o aumento percentual diário é muito elevado e está generalizado no país.

A tabela abaixo apresenta os casos e mortes da covid-19 para o mundo, o Brasil e a regiões, além da população e dos coeficientes de incidência e mortalidade. Cabe destacar que no dia 03 de maio os coeficientes de incidência (478 por milhão) e de mortalidade (33 por milhão) ultrapassaram os coeficientes do mundo, respectivamente, 457 por milhão e 32 por milhão. Entre as regiões brasileiras o Centro-Oeste é que possui o menor coeficiente de mortalidade (5 por milhão) e a região Sul o menor coeficiente de incidência (183 por milhão). O destaque negativo é da região Norte que apresenta o maior coeficiente de incidência (770 por milhão) e o maior coeficiente de mortalidade (52 por milhão).

Todos estes números mostram que o surto de covid-19 continua crescendo fortemente no Brasil, bem acima da média mundial. E o mais preocupante é que a distância entre o ritmo do Brasil e do mundo está se ampliando e não reduzindo. Numa análise regional, percebe-se que a região Norte é a que apresenta as maiores taxas de crescimento e, consequentemente, é onde o sistema de saúde e até o sistema funerário não conseguem atender à população afetada pela pandemia.

De um modo geral, o Brasil apresenta um dos piores desempenhos do mundo no controle da surto do coronavírus. Na América do Sul o Brasil tem 50% dos casos e dois terços das mortes. Em relação ao continente africano (que tem mais de 1,3 bilhão de habitantes) o Brasil tem mais de duas vezes o número de casos e mais de 3 vezes o número de mortes.

E o mais grave é que a velocidade da pandemia no Brasil mostra que o país não foi capaz de achatar a curva e um pico muito elevado significa incapacidade de atendimento médico e sanitário. Alguns lugares relaxaram o isolamento social e agora estão necessitando fazer o lockdown (fechamento total), como ocorreu em São Luís, no Maranhão, neste domingo (03/05). As próximas duas semanas serão de muita dificuldade para todo o Brasil.

Frase do dia 29 de abril de 2020

“A maioria das pessoas vivem vidas de silencioso desespero”

Henry Thoreau (12/07/1817 – 06/05/1862)

Autor de “Desobediência Civil” e “Walden ou A Vida nos Bosques”

José Eustáquio Diniz Alves

José Eustáquio Diniz Alves é sociólogo, mestre em economia, doutor em Demografia pelo Centro de Desenvolvimento e Planejamento Regional (Cedeplar/UFMG), pesquisador aposentado do IBGE, colaborador do Projeto #Colabora e autor do livro "ALVES, JED. Demografia e Economia nos 200 anos da Independência do Brasil e cenários para o século" (com a colaboração de F. Galiza), editado pela Escola de Negócios e Seguro, Rio de Janeiro, 2022.

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