ODS 1
Acabar com a pobreza em todas as suas formas, em todos os lugares. Conheça as reportagens do Projeto Colabora guiadas pelo ODS 1.
Veja mais de ODS 1O atual ministro da saúde do Brasil disse que o país “performa bem” na comparação internacional da pandemia do coronavírus. Infelizmente, existem até pessoas bem intencionadas que acreditam que o Brasil “não está indo tão mal” pois tinha na tarde do primeiro domingo de maio sete mil mortes, o que dá um coeficiente de mortalidade de “apenas” 33 por milhão de habitantes. De fato, neste mesmo dia 03/05, a República de San Marino, que possui 33 mil habitantes, teve 41 mortes pela covid-19, o que dá um coeficiente de mortalidade de 1.208 por milhão (36 vezes mais que no Brasil). Porém, quando olhamos para os 10 países mais populosos do mundo, o Brasil perde para todos e só “performa” melhor do que os EUA. Uma análise regional do Brasil indica que as regiões Sudeste e Norte apresentam os maiores coeficientes de incidência e de mortalidade e as regiões Sul e Centro-Oeste os menores.
O panorama nacional e global
O Ministério da Saúde informou, na tarde do domingo (03/05), que o número de casos do coronavírus no Brasil ultrapassou a marca histórica de 100 mil pessoas infectadas (101.147 casos), além de alcançar 7.025 óbitos, com uma taxa de letalidade de 6,9%. O número diário de pessoas infectadas foi de 4.588 casos, atrás apenas da Rússia e dos EUA. O número diário de mortes foi de 275 óbitos (o maior para os fins de semana) e no ranking internacional ficou atrás apenas do Reino Unido e dos EUA. No volume acumulado de mortes o Brasil ultrapassou a Alemanha e assumiu o 7º lugar no ranking das “covas” da covid-19.
No dia 03 de maio, o mundo atingiu a cifra de 3,6 milhões de pessoas infectadas pela covid-19 e 248 mil mortes, com uma taxa de letalidade de 7%. A despeito destes números elevados, na média mundial o ritmo da pandemia segue uma velocidade mais lenta em relação à brasileira.
O gráfico abaixo mostra a taxa diária de crescimento do número de casos da covid-19, para cada semana epidemiológica desde a 22 a 28 de março. Nota-se que as taxas brasileiras eram muito maiores do que a taxa média do mundo, mas o Brasil vinha diminuindo o ritmo mais rapidamente até a semana de 19 a 25 de abril. Porém, na última semana epidemiológica (de 26/04 a 02/05) a taxa continuou desacelerando no mundo e acelerou no Brasil.
O gráfico abaixo mostra a taxa diária de crescimento do número de mortes pela covid-19, para cada semana epidemiológica desde a 22 a 28 de março. Nota-se que as taxas brasileiras eram muito maiores do que a taxa média do mundo, mas o Brasil vinha diminuindo o ritmo mais rapidamente até a semana de 12 a 18 de abril. Porém, nas duas últimas semanas epidemiológicas (de 19/04 a 02/05) a taxa de variação diária do número de mortes ficou estável no Brasil, enquanto o mundo continuou desacelerando. Portanto, o Brasil se distanciou da média mundial.
Este repique que aconteceu no Brasil é muito preocupante, pois mostra que o pico da epidemia está ainda distante e as próximas duas semanas devem gerar um número muito elevado de casos e mortes, sobrecarregando o sistema de saúde e toda a infraestrutura envolvida nos cuidados da emergência sanitária. Os dados mostram que o Brasil está na contramão das tendências globais e não se observa uma consciência geral para enfrentar a situação. Seria necessário que o Poder Público se colocasse à altura dos desafios atuais e que o representante máximo da União assumisse as responsabilidades do momento e atuasse como bombeiro que arrisca a própria vida para apagar o fogo e para salvar vidas alheias. Não cabe à presidência do país jogar gasolina na fogueira.
A tabela abaixo mostra a situação da pandemia (no dia 03/05) entre os 10 países mais populosos do mundo, considerando a estimativa populacional para 2020 da Divisão de População da ONU. Nota-se que entre os 10 países, o maior número de casos é disparado dos EUA (com 1,2 milhões), vindo a Rússia em segundo lugar (com 135 mil) e o Brasil em terceiro (com 101 mil). A China e a Índia – países com mais de 1 bilhão de habitantes – possuem menos de 100 mil casos. Indonésia e Paquistão, que possuem mais habitantes do que o Brasil, têm menos de 20,1 mil casos (5 vezes menos do que o Brasil). A China possui 57,6 casos por milhão de habitantes, a Índia 30,8 e os EUA impressionantes 3,5 mil casos por milhão de habitantes.
O Brasil tem o terceiro coeficiente de incidência com 478 por milhão, atrás da Rússia (que tem 923 por milhão), mas o coeficiente de incidência brasileira está acima da média mundial (de 457 por milhão). O Brasil está atrás, praticamente, apenas dos países europeus que já estão em um nível mais avançado do surto pandêmico. Mas como o país possui taxas mais elevadas, está se aproximando dos países com maiores coeficientes e incidência.
Quanto ao número de mortes, entre os 10 países mais populosos, o Brasil (com 7 mil óbitos) só “performa” melhor do que os Estados Unidos (que possuem 68,5 mil mortes). O Brasil tem um coeficiente de mortalidade de 33 óbitos por milhão de habitantes, atrás dos EUA com 207 mortes por milhão, mas à frente de todos os outros países, inclusive à frente do coeficiente de mortalidade do mundo que estava em 32 por milhão, no dia 03 de maio de 2020.
Portanto, dizer que o “Brasil não vai tão mal no ranking do coronavírus”, como escreveu o jornalista Vinícius Torres Freire, no jornal Folha de São Paulo (03/05) é desconhecer que o Brasil está bem pior do que os demais países do seu patamar de tamanho demográfico (com exceção dos EUA) e que avança a taxas mais aceleradas de mortalidade do que os países europeus. Provavelmente, o Brasil nunca vai ter um coeficiente de mortalidade superior ao de San Marino (1.208 óbitos por milhão), mas usar este fato como critério de bom desempenho, ou algo semelhante, é afrontar o bom-senso.
O panorama regional no Brasil
O gráfico abaixo mostra o crescimento do número de casos da covid-19 por regiões do Brasil entre os dias 20 de março e 03 de maio. Observa-se que as regiões mais populosas (Sudeste e Nordeste) possuem os maiores números de casos, mas a região Norte aparece em terceiro lugar e a região Sul (que é a terceira mais populosa) aparece em quinto lugar.
O Brasil tinha 904 casos da covid-19 no dia 20 de março de 2020 e passou para 101 mil no dia 03 de maio, um aumento de 112 vezes (ou 11,1% ao dia). A região Sudeste tinha 553 casos no dia 20/03 e passou para 48 mil no dia 03/05, um crescimento de 87 vezes (ou 10,4% ao dia). No mesmo período o Nordeste passou de 134 casos para 30 mil, um aumento de 224 vezes (ou 12,8% ao dia). A região Norte tinha 15 casos e passou para 14 mil, um aumento de 958 vezes (ou 16,5% ao dia). O Sul passou de 90 casos para 5,5 mil, um aumento de 61 vezes (ou 9,6% ao dia) e a região Centro-Oeste passou de 112 casos para 3 mil, um aumento de 28 vezes (ou 7,7% ao dia), conforme mostra os percentuais do gráfico abaixo.
Portanto, as regiões NO e NE cresceram acima da média nacional e as regiões SE, SU e CO cresceram abaixo da média nacional. Embora o Sudeste concentre o maior número de casos é a região Norte que apresenta o maior crescimento diário.
O gráfico abaixo mostra o crescimento do número de mortes da covid-19 por regiões do Brasil entre os dias 26 de março e 03 de maio. Da mesma forma, as regiões mais populosas (Sudeste e Nordeste) possuem os maiores números de casos, mas a região Norte aparece em terceiro lugar e a região Sul (que é a terceira mais populosa) aparece em quinto lugar.
O Brasil tinha 78 mortes pela covid-19 no dia 26 de março de 2020 e passou para 7 mil no dia 03 de maio, um aumento de 90 vezes (ou 12,2% ao dia). A região Sudeste tinha 67 mortes no dia 26/03 e passou para 3,8 mil no dia 03/05, um crescimento de 105 vezes (ou 12,7% ao dia). No mesmo período o Nordeste passou de 6 mortes para 1,9 mil, um aumento de 320 vezes (ou 15,9% ao dia). A região Norte tinha 1 morte e passou para 963 mil, um aumento de 963 vezes (ou 19,3% ao dia). O Sul passou de 2 mortes para 210, um aumento de 105 vezes (ou 12,7% ao dia) e a região Centro-Oeste passou de 1 morte para 85, um aumento de 85 vezes (ou 12,1% ao dia), conforme mostra os percentuais do gráfico abaixo.
Portanto, as regiões NO, NE e SU cresceram acima da média nacional e a região Centro-Oeste empatou na taxa de crescimento com a média do Brasil e a região Sudeste, embora tenha mais mortes, apresentou o menor crescimento no período. Mas o que chama a atenção é que o aumento percentual diário é muito elevado e está generalizado no país.
A tabela abaixo apresenta os casos e mortes da covid-19 para o mundo, o Brasil e a regiões, além da população e dos coeficientes de incidência e mortalidade. Cabe destacar que no dia 03 de maio os coeficientes de incidência (478 por milhão) e de mortalidade (33 por milhão) ultrapassaram os coeficientes do mundo, respectivamente, 457 por milhão e 32 por milhão. Entre as regiões brasileiras o Centro-Oeste é que possui o menor coeficiente de mortalidade (5 por milhão) e a região Sul o menor coeficiente de incidência (183 por milhão). O destaque negativo é da região Norte que apresenta o maior coeficiente de incidência (770 por milhão) e o maior coeficiente de mortalidade (52 por milhão).
Todos estes números mostram que o surto de covid-19 continua crescendo fortemente no Brasil, bem acima da média mundial. E o mais preocupante é que a distância entre o ritmo do Brasil e do mundo está se ampliando e não reduzindo. Numa análise regional, percebe-se que a região Norte é a que apresenta as maiores taxas de crescimento e, consequentemente, é onde o sistema de saúde e até o sistema funerário não conseguem atender à população afetada pela pandemia.
De um modo geral, o Brasil apresenta um dos piores desempenhos do mundo no controle da surto do coronavírus. Na América do Sul o Brasil tem 50% dos casos e dois terços das mortes. Em relação ao continente africano (que tem mais de 1,3 bilhão de habitantes) o Brasil tem mais de duas vezes o número de casos e mais de 3 vezes o número de mortes.
E o mais grave é que a velocidade da pandemia no Brasil mostra que o país não foi capaz de achatar a curva e um pico muito elevado significa incapacidade de atendimento médico e sanitário. Alguns lugares relaxaram o isolamento social e agora estão necessitando fazer o lockdown (fechamento total), como ocorreu em São Luís, no Maranhão, neste domingo (03/05). As próximas duas semanas serão de muita dificuldade para todo o Brasil.
Frase do dia 29 de abril de 2020
“A maioria das pessoas vivem vidas de silencioso desespero”
Henry Thoreau (12/07/1817 – 06/05/1862)
Autor de “Desobediência Civil” e “Walden ou A Vida nos Bosques”
José Eustáquio Diniz Alves, sociólogo, mestre em economia e doutor em Demografia pelo Centro de Desenvolvimento e Planejamento Regional (CEDEPLAR) da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), com pós-doutorado no Núcleo de Estudos de População – NEPO/UNICAMP. É professor e pesquisador independente. CV Lattes: http://lattes.cnpq.br/2003298427606382