Busca por uma cura para novo vírus COVID-19 está mostrando como a ciência pode mudar para melhor

aboratório na China testa amostra de sangue de pacientes infectados com o coronavírus: chineses incentivam compartilhamemto de dados e informações (Foto: STR/AFP)

Por The Conversation | ODS 3 • Publicada em 20 de fevereiro de 2020 - 16:33 • Atualizada em 12 de março de 2020 - 14:50

aboratório na China testa amostra de sangue de pacientes infectados com o coronavírus: chineses incentivam compartilhamemto de dados e informações (Foto: STR/AFP)

(Xin Xu*) – A Organização Mundial da Saúde (OMS) declarou no dia 30 de janeiro emergência global de saúde pública devido ao surto do novo coronavírus. Um dia depois, a organização de pesquisa Wellcome Trust pediu que pesquisadores, periódicos e financiadores de todo o mundo compartilhassem dados e descobertas relevantes para o coronavírus de maneira rápida e aberta, para informar o público e ajudar a salvar vidas.

No mesmo dia, a Infraestrutura Nacional de Conhecimento da China lançou um site gratuito e pediu aos cientistas que publiquem pesquisas sobre o coronavírus com acesso aberto. Pouco tempo depois, a importante revista científica Nature publicou um editorial pedindo que todos os pesquisadores de coronavírus “continuem compartilhando, fiquem abertos”.

Assim, enquanto as cidades estão trancadas e as fronteiras fechadas em resposta ao surto de coronavírus, a ciência está se tornando mais aberta. Essa abertura já está fazendo a diferença na resposta dos cientistas ao vírus e tem o potencial de mudar o mundo.

Mas não é tão simples quanto dar acesso a todas as pesquisas disponíveis para qualquer pessoa, para qualquer finalidade. Sem cuidado e responsabilidade, existe o perigo de que a ciência aberta possa ser mal utilizada ou contribuir para a disseminação de informações erradas.

Cientistas da Universidade de VirPath, em Lyon , na França pesquisam novo vírus: após pesquisadores da Universidade de Xangai conseguirem sequenciar o DNA do coronavírus, eles disponibilizaram a descoberta e cientistas de todo o mundo começaram a usá-la para desenvolver diagnósticos (Foto: Jeff Pachoud/AFP)
Cientistas da Universidade de VirPath, em Lyon , na França pesquisam novo vírus: após pesquisadores da Universidade de Xangai conseguirem sequenciar o DNA do coronavírus, eles disponibilizaram a descoberta e cientistas de todo o mundo começaram a usá-la para desenvolver diagnósticos (Foto: Jeff Pachoud/AFP)

A ciência aberta pode vir de várias formas, incluindo dados abertos, publicações abertas e recursos educacionais abertos.

1. Dados abertos

O sequenciamento de DNA é de grande importância para o desenvolvimento de kits de diagnóstico específicos em todo o mundo. Yong-Zhen Zhang e seus colegas da Universidade Fudan, em Xangai, foram os primeiros a sequenciar o DNA do novo coronavírus. Eles colocaram a sequência do gene no GenBank, um repositório de dados de acesso aberto. Pesquisadores de todo o mundo imediatamente começaram a analisá-lo para desenvolver diagnósticos.

No dia 19 de fevereiro, 81 diferentes sequências genéticas de coronavírus haviam sido compartilhadas abertamente via GenBank e outras 189 através do China National Genomics Data Center. Eles fornecem os dados que permitirão aos cientistas decodificar o mistério do vírus e, quem sabe, encontrar um tratamento ou vacina.

A OMS e organizações nacionais como o Centro Chinês de Controle e Prevenção de Doenças também publicam dados estatísticos abertos, como o número de pacientes. Isso pode ajudar os pesquisadores a mapear a propagação do vírus e oferecer ao público informações atualizadas e transparentes.

2. Publicações abertas

As publicações científicas são caras. A Tetrahedron Letters, uma das revistas mais caras da editora Elsevier, especializada em títulos científicos, custa 16.382 libras para uma assinatura anual institucional e 673 libras para uma assinatura pessoal. Mesmo a Universidade de Harvard não pode se dar ao luxo de assinar todas as revistas. Isso significa que nem todos os pesquisadores têm acesso a todas a estas publicações distribuídas por assinatura.

Os autores podem publicar seus artigos gratuitamente, o que geralmente significa que eles precisam pagar aos editores uma média de £ 2.000 em custos de processamento de artigos. Em 2018, apenas 36,2% das publicações científicas eram de acesso aberto.

Até 18 de fevereiro, havia 500 artigos científicos sobre o novo coronavírus no abrangente banco de dados acadêmico Dimensions. Apenas 160 (32%) deles estavam em publicações de acesso aberto. Isso inclui servidores de pré-impressão, como o bioRxiv e o arXiv, que são arquivos de acesso aberto amplamente usados para publicar pesquisas antes de serem submetidas à revisão científica por pares.

Normalmente, você precisaria pagar taxas de assinatura para ler qualquer um dos outros 340 artigos. No entanto, os artigos publicados pelas 100 empresas que assinaram a declaração do Wellcome Trust sobre o compartilhamento de pesquisas com coronavírus foram disponibilizados gratuitamente pelas editoras.

As principais editoras – incluindo Elsevier, Springer Nature, Wiley Online Library, Emerald, Oxford University Press e Wanfang – também criaram páginas de pesquisas com acesso aberto. O banco de dados chinês CQVIP ofereceu acesso gratuito a todos os seus 14.000 periódicos durante o surto de coronavírus.

Como leva em média 160 dias para uma pré-impressão ser publicada após a revisão por pares, o compartilhamento de pré-impressões pode economizar tempo e salvar vidas. O acesso gratuito a artigos sobre o coronavírus também pode acelerar a pesquisa global sobre esse assunto.

3. Recursos educacionais abertos

Devido ao surto, as universidades na China adiaram o começo das aulas de novos turmas e passaram para o aprendizado online. Mas, além dos 24.000 cursos online abertos a estudantes, as universidades (incluindo as conceituadas Universidade de Pequim, Tsinghua University e Xi’an Jiaotong University) estão oferecendo cursos online gratuitos ao público sobre o coronavírus. Esses cursos podem oferecer ao público informações confiáveis baseadas em pesquisas acadêmicas, ajudando-os a entender e se proteger melhor contra o vírus.

Pesquisador analisa coronavírus em laboratório na Alemanha: alerta que ciência aberta deve ser usado com responsabilidade pelos pesquisadores e pelo público (Foto: Sebastian Gollnow/DPA/AFP)
Pesquisador analisa coronavírus em laboratório na Alemanha: alerta que ciência aberta deve ser usado com responsabilidade pelos pesquisadores e pelo público (Foto: Sebastian Gollnow/DPA/AFP)

Ciência aberta e responsável

Embora todos esses desenvolvimentos sejam positivos, é importante lembrar que ciência aberta não significa ciência sem limites. Deve ser usado com responsabilidade pelos pesquisadores e pelo público.

Para começar, os pesquisadores precisam ter respeito mútuo pela integridade de seu trabalho. Por exemplo, já houve relatos de divergências sobre se os cientistas precisam solicitar consentimento para reutilizar dados de pré-publicação do sequenciamento compartilhado de genes de coronavírus.

Mesmo supondo que os pesquisadores ajam de boa fé e não apenas para promover suas próprias carreiras, ainda assim é importante esclarecer as condições através das quais eles disponibilizam suas pesquisas e verificar e seguir cuidadosamente essas condições ao usar os dados de outras pessoas. O uso responsável dos dados pré-publicação é vital para promover uma cultura científica que incentive a cooperação transparente e explícita.

Também há problemas com a disponibilização da pesquisa sem a revisão por pares – como acontece com os servidores de pré-impressão -, pois interpretações equivocadas e erros podem facilmente acontecer. Um artigo publicado no bioRxiv – um desses servidores – em 2 de fevereiro de 2020 alegou mostrar “inserções” no DNA do coronavírus que mostravam uma “estranha semelhança” com as regiões encontradas no DNA do HIV.

Após críticas ao trabalho, os autores retiraram o artigo afirmando que não pretendiam “alimentar as teorias da conspiração” de que o novo coronavírus havia sido deliberadamente projetado. Essas teorias da conspiração foram recentemente condenadas por 27 cientistas de oito países em declaração à revista médica The Lancet, talvez a mais importante do mundo.

Até 19 de fevereiro de 2020, o artigo retirado era o estudo mais discutido no mundo em notícias online e mídias sociais, de acordo com o site de ranking acadêmico Altmetric. O artigo pode ter sido retirado, mas não foi esquecido.

A ciência aberta é vital para enfrentar os grandes desafios do mundo. Mas, numa época em que as informações podem ser mal utilizadas, distorcidas ou mal interpretadas em nível global tão rapidamente, também precisamos de cientistas e do público para tratar a ciência aberta com muito cuidado e responsabilidade.

*Pesquisadora no Pós-Doutorado do Centro de Ensino Superior Global da Universidade de Oxford (Inglaterra)

Tradução: Oscar Valporto

The Conversation

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