Cacique decreta lockdown em aldeias no Acre

Bloqueio no Rio Gregório com troncos de árvores: após determinação de cacique, indígenas Yawanawá não permitem entrada e saída da região das aldeias (Foto: Biraci Yawanawá/Amazônia Real)

Indígenas colocam barreira em rio para tentar evitar covid-19 após o registro dos primeiros casos em município vizinho

Por Amazônia Real | ODS 16ODS 3 • Publicada em 19 de maio de 2020 - 18:58 • Atualizada em 19 de setembro de 2020 - 12:06

Bloqueio no Rio Gregório com troncos de árvores: após determinação de cacique, indígenas Yawanawá não permitem entrada e saída da região das aldeias (Foto: Biraci Yawanawá/Amazônia Real)

Bruna Mello*

Rio Branco (AC) –Com o registro de casos de coronavírus entre indígenas do Acre, o cacique da aldeia Nova Esperança, Biraci Brasil Yawanawá, resolveu fazer um lockdown (bloqueio total) da floresta e proibiu, até o final de maio, a circulação dos mais de 370 moradores entre a comunidade e a cidade de Tarauacá, que fica distante mais de 400 quilômetros de Rio Branco, capital do Acre. Outra medida da liderança foi fechar com troncos de árvores o acesso de embarcações à aldeia pelo rio Gregório e a outra margem do manancial, que é afluente do rio Juruá.

O único acesso de Tarauacá à aldeia Nova Esperança é por via fluvial. A viagem pode levar de cinco a oito horas se for realizada em voadeira com motor de popa. A medida do bloqueio atingiu também a vizinha Aldeia Sagrado. A decisão pelo “lockdown” ocorreu após a Prefeitura de Tarauacá confirmar casos de coronavírus entre não indígenas. Antes, o cacique Biraci Brasil Yawanawá já tinha cancelado eventos de canto, dança e cerimônias de cura e a presença de visitantes não indígenas na aldeia, que fica dentro da Terra Indígena Rio Gregório.

Até o fim de semana, Tarauacá registrava 34 casos confirmados de Covid-19. O estado do Acre tem 2.234 notificações da doença e 67 mortes, segundo o boletim do Ministério da Saúde divulgado na última segunda-feira (18).“Vendo essa situação que está acontecendo não teve outro jeito. Nós estamos correndo muito risco e, se isso chegar aos nossos povos, pode virar um colapso, um massacre total”, disse o cacique Biraci.

Os anciões são nossos guardiões dos saberes, das nossas medicinas e histórias. Para nós, povos Yawanawá, se perdemos nossos velhos, perdemos nosso maior tesouro. A única forma que encontramos de dizer para o mundo que estamos preocupados foi fechando o rio

No Brasil, até segunda (18/5), a Sesai havia registrado 402 casos confirmados de novo coronavírus entre indígenas aldeados e 23 mortes. De acordo com o boletim, 151 indígenas com Covid-19 estão “com infecção ativa, que ainda não completou 14 dias em isolamento domiciliar, a contar da data de início dos sintomas, ou, em caso de internação hospitalar, que ainda não recebeu alta médica”. A secretaria não informa na estatística as etnias desses povos.

O cacique da aldeia Nova Esperança, Biraci Brasil Yawanawá, disse que sua maior preocupação com a pandemia do novo coronavírus é com os anciões da comunidade, já que eles fazem parte do grupo de risco para a doença. “Os anciões são nossos guardiões dos saberes, das nossas medicinas e histórias. Para nós, povos Yawanawá, se perdemos nossos velhos, perdemos nosso maior tesouro. A única forma que encontramos de dizer para o mundo que estamos preocupados foi fechando o rio (Gregório) ”.

Biraci explicou que o lockdown é uma estratégia de prevenção da doença aos povos Yawanawá e que as comunidades estão cientes que sofrerão com falta de mantimentos; mas antes da decisão do bloqueio total de circulação dos indígenas, eles já tinham decidido plantar e aumentar a produção do roçado para evitar um possível desabastecimento.

Grupo de indígenas Yawanawa fazem ações de prevenção contra o coronavírus nas aldeias: preocupação com os idosos (Foto: Biraci Yawanawá/Amazônia Real)
Grupo de indígenas Yawanawa fazem ações de prevenção contra o coronavírus nas aldeias: preocupação com os idosos (Foto: Biraci Yawanawá/Amazônia Real)

“Vamos precisar fazer nossos roçados. Agora, mais do que nunca vamos precisar plantar muito para nossas aldeias. Pensamos em encontrar uma estratégia para depois trazer, de uma forma segura e organizada, esses alimentos para nossas aldeias. Mas, enquanto estivermos nos sentindo ameaçados, vamos manter fechado”, disse o cacique.

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Grupos de indígenas estão percorrendo as aldeias para orientar sobre prevenção. Biraci Yawanawá contou ainda que, apesar de não existir nenhum caso suspeito de coronavírus nas comunidades, os indígenas estão receosos, principalmente porque toda a assistência médica, remédios e unidades de saúde estão da cidade de Tarauacá. O líder indígena afirmou que as comunidades não receberam apoio do Dsei do Alto Juruá. A Amazônia Real tentou falar novamente com o órgão após a declaração do cacique, mas até o fechamento desta edição não houve retorno.

Quando questionado sobre as políticas públicas para os povos indígenas criadas pelo atual governo, Biraci Brasil Yawanawá é direto e lamenta a situação: “É só para dizer que existe. Há um descaso e fragilidade no cuidado com os povos indígenas. Vemos isso claramente”, afirmou o cacique.

Os Yawanawá (yawa/queixada; nawa/gente) são um grupo pertencente à família lingüística pano que ocupa atualmente a T.I. Rio Gregório. Até 2014, segundo a Sesai, a população no Brasil era estimada em 813 pessoas. Povos dessa etnia vivem também em territórios da Bolívia e do Peru.

Estudante da etnia Huni Kuin com covid-19

Entre indígenas no Acre, o primeiro caso de covid-19 foi notificado em 8 de maio. Um estudante da etnia Huni Kuin, de 25 anos, testou positivo para o novo coronavírus, segundo a Secretaria de Estado de Saúde (Sesacre). Mas a Federação do Povo Huni Kuin do Acre afirma que registrou mais um caso de coronavírus em um técnico de enfermagem, que é também da mesma etnia.

No boletim oficial da Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai), do Ministério da Saúde, não consta notificações para casos de coronavírus entre indígenas no Acre. O estado conta com o Distrito Sanitário Especial Indígena (Dsei) Alto Juruá, responsável pelo atendimento de 18.208 pessoas de 14 etnias, que vivem em 162 aldeias.

Segundo o presidente da Federação do Povo Huni Kuin do Acre, Ninawa Inu Huni Kuin, o jovem indígena infectado pelo novo coronavírus é natural do município de Santa Rosa do Purus, mas faz curso técnico de enfermagem em Rio Branco. Por este fato, a Sesai não incluiu o caso no boletim epidemiológico.

“Com essa pandemia, ele voltou para o município de Santa Rosa do Purus. Ele estava com sintomas suspeitos, fez o teste e deu positivo. O jovem está em isolamento social, acompanhado pela equipe de saúde e não está com sintomas sérios. Está sendo feito o mapeamento das pessoas que tiveram contato com ele para as orientações necessárias”, disse o presidente da federação.

Ninawa afirmou que o técnico de enfermagem, que testou para Covid-19, trabalha na Casa de Atenção à Saúde Indígena (Casai) de Rio Branco. A liderança disse que o profissional chegou a ficar internado em uma unidade de saúde da capital. “Ele é Huni Kuin, liderança indígena e tesoureiro da federação. Passou 12 dias internado e teve alta há três dias. Agora, ele está em isolamento e sendo acompanhado pela equipe de saúde e se recupera bem”, disse o presidente da Federação do Povo Huni Kuin do Acre.

A Amazônia Real procurou a coordenação do Dsei Alto Juruá para solicitar esclarecimentos dos casos de Covid-19 entre esse povo, mas até o fechamento desta edição não houve retorno.

*Amazônia Real

 

Amazônia Real

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