Diário da Covid-19: Brasil registrou 1,2 mortes por minuto nos 200 dias de 2021

Números da pandemia melhoram nos últimos meses, mas país segue liderando o ranking diário de mortes, superando à Índia e os EUA

Por José Eustáquio Diniz Alves | ODS 3 • Publicada em 18 de julho de 2021 - 09:35 • Atualizada em 29 de julho de 2021 - 14:33

Desde que a profissional de saúde quilombola Raimunda Nonata, de 70 anos, recebeu a primeira dose da Coronavac,, em janeiro, o Brasil viu os números da doença melhorarem, apesar de seguirem em níveis muito elevados. Foto Tarso Sarraf/AFP

Existe uma boa notícia no país. A média de mortes da pandemia vem caindo enquanto avança a proporção de pessoas vacinadas. As médias diárias de óbitos da última semana são as menores em 4 meses e houve uma desaceleração dos casos da covid-19 no Brasil. Mas o montante de vidas perdidas continua elevado. Por conseguinte, não podemos banalizar as cerca de 1,2 mil mortes diárias da covid-19. Seria um erro assumir uma postura de que a pandemia já passou. Lastimavelmente, nos 200 dias de 2021 (com 288.000 minutos) houve 347.657 mil mortes provocadas pelo SARS-CoV-2, o que representa 1,2 mortes por minuto durante os quase 7 meses do ano.

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Devido à alta mortalidade provocada pelo coronavírus entre abril e julho, o Brasil é o país com maior número acumulado de mortes em 2021 e continua apresentando as maiores médias diárias, superando inclusive os EUA e a Índia. O gráfico abaixo mostra os 3 países do topo do ranking global de vítimas fatais do SARS-CoV-2, entre 01/11 e 16/07. O Brasil apresentou uma média de 1,2 mil óbitos diários, superior à média de 850 óbitos diários da Índia, embora o país asiático tenha uma taxa de vacinação bem abaixo da brasileira. Já os EUA, com maior taxa de vacinação, apresentam uma média diária de mortes de 260 óbitos.

Desta forma, o quadro geral da pandemia não tem sido favorável ao Brasil, especialmente no corrente ano. Em 2020 os EUA foram o país com o maior montante absoluto de mortes da covid-19, registrando 352.166 óbitos em 31 de dezembro. Na mesma data, o Brasil registrou 194.949 óbitos e a Índia 148.738 óbitos, segundo o site Our Word in Data, com dados da Universidade Johns Hopkins.

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Mas em 2021, o Brasil assumiu a liderança e tem sido o líder do triste ranking de vidas perdidas, conforme mostra o gráfico abaixo. Nos primeiros 200 dias de 2021 o Brasil acumulou 349 mil óbitos, seguido pela Índia com 265 mil óbitos e pelos EUA com 261 mil óbitos. Portanto, o Brasil apresentou em 2021 uma média de 1,2 mortes por minuto, a Índia apresentou 0,92 mortes por minuto e os EUA apresentaram 0,91 mortes por minuto.

O gráfico abaixo mostra o número de mortes acumuladas nos 3 países mais afetados desde o início da pandemia. Os EUA continuam em primeiro lugar com 609 mil óbitos acumulados até o dia 16/07, seguido do Brasil com 540 mil óbitos e a Índia com 413 mil óbitos. Em 01 de janeiro de 2021 as mortes acumuladas do Brasil representavam 55% das mortes americanas e as mortes da Índia representavam 42%. Mas no dia 16/07 já tinham passado para 89% e 68%, respectivamente. No ritmo atual o Brasil tende a ultrapassar os EUA em algum momento do segundo semestre de 2021 e a Índia tende a manter o terceiro lugar no ranking global.

Em 6 meses de vacinação, o Brasil já aplicou cerca de 123 milhões de doses contra covid-19, sendo 89 milhões de pessoas que tomaram a primeira dose, e 34 milhões que receberam a segunda dose ou vacina de dose única. A população totalmente imunizada contra covid-19 no país chegou a 16%. Evidentemente, o processo de imunização tem contribuído para a redução dos casos e das mortes provocadas pela pandemia. Porém, o número de doses ainda é baixo para afastar de vez qualquer possibilidade de um repique da doença, em especial, diante do surgimento de novas cepas mais contagiosas.

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O Reino Unido, por exemplo, conseguiu chegar a 53% da população totalmente imunizada e teve grande sucesso na redução dos casos e das mortes entre fevereiro e maio de 2021. Porém, no mês de junho e, principalmente, em julho tem apresentado um aumento no número de pessoas infectadas e, também, um crescimento no volume de mortes, felizmente, neste segundo caso, em menor proporção. A média diária de vítimas fatais que tinha caído para 5 óbitos voltou a subir para 40 óbitos (um aumento de 8 vezes).

A Rússia, que tem uma proporção de pessoas totalmente imunizada em paridade com o Brasil, estava a caminho de redução da pandemia, mas passa atualmente por uma 3ª onda da covid-19 e tem apresentado números recordes de mortes, superando todos os níveis anteriores do país. Até nações asiáticas, como Tailândia e Malásia, que pareciam imunes à covid-19, estão apresentando surtos imprevistos e registram recordes sucessivos de casos e de mortes, comparado com o início da pandemia.

Portanto, não é conveniente cantar vitória antes da hora. É bom comemorar a redução da morbimortalidade da covid-19 que ocorreu nos últimos 2 meses no Brasil. Mas junto com a comemoração é preciso redobrar os cuidados de prevenção e multiplicar os esforços de vacinação. A saúde e a vida das pessoas contam. E ainda há muitas pedras no caminho que nos leva ao fim da pandemia.

O paradoxo da recuperação econômica

O pandemônio econômico provocado pela pandemia parece que ficou para trás. O ano de 2020 foi marcado por grande recessão global e nacional. Mas depois da tempestade sempre vem a bonança. Assim, o ano de 2021 tem sido caracterizado pela retomada da atividade econômica. Porém, a recuperação econômica do Brasil e da América Latina tem ocorrido de forma lenta e paradoxal.

A região da América Latina e o Caribe (ALC) possui 8,4% da população mundial, mas no dia 16 de julho de 2021, registrou 1,32 milhão de mortes, representando 32,5% das 4,08 milhões de vidas perdidas globalmente. A Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe publicou na semana passada o texto “La paradoja de la recuperación en América Latina y el Caribe” (Cepal, 07/2021) mostrando que a região ainda convive com problemas estruturais de desigualdade social, pobreza, baixo investimento e baixa produtividade.

A CEPAL chama a atenção para o fato de que a região, antes da pandemia, estava praticamente estagnada, com crescimento médio de 0,5% ao ano e um crescimento per capita negativo no período 2014-19. Este período de 6 anos apresentou o crescimento mais lento desde a Grande Depressão dos anos de 1930. Mas o que estava ruim piorou. Mesmo em um contexto global em que as assimetrias econômicas, sociais e ambientais são exacerbadas, a pandemia fez com que a economia da região experimentasse a maior contração do PIB desde 1900, com queda de 6,8% em 2020.

O crescimento quase zero antes da crise, juntamente com a contração em 2020 e a fraqueza do Estado de bem-estar e dos sistemas de saúde e de proteção social se traduziram em elevação do desemprego, queda da renda e aumento da pobreza e das desigualdades sociais. O encolhimento de 2020 também resultou em fechamentos de micro, pequenas e médias empresas e a destruição das capacidades produtivas e humanas. Esses fenômenos afetaram mais do que proporcionalmente as mulheres e reforçaram os nós estruturais das desigualdades de gênero e de raça/cor.

Para 2021, a Cepal prevê um crescimento de 5,2% para a região, o que será suficiente apenas para recuperar o patamar do PIB registrado em 2019. A dinâmica do crescimento em 2021 está sujeita às incertezas decorrentes do progresso desigual dos planos de vacinação e da capacidade dos países de reverter os problemas estruturais que provocam a trajetória de baixo crescimento que predominava antes da pandemia.

Para o Brasil, o boletim Focus, divulgado pelo Banco Central no dia 12/07, prevê crescimento de 5,3% do PIB, alta de 6,1% na inflação, taxa de juros (Selic) de 6,6% e o dólar sendo negociado no final do ano em torno de R$ 5. Evidentemente, estes números são bem melhores do que a média da década de 2011-20, mas, em termos de recuperação do PIB per capita, apenas repõe a perda de 2020.

Desta forma, se a recuperação da atividade produtiva no Brasil pode ser motivo de regozijo para importantes agentes econômicos, o crescimento do PIB ainda se mostra incapaz de absorver todo o potencial produtivo da mão-de-obra brasileira. Os dados do IBGE mostram que o desemprego aberto atinge cerca de 15 milhões de pessoas e a subutilização da força de trabalho abarca mais de 30 milhões de potenciais trabalhadores. Assim sendo, no segundo semestre de 2021, o Brasil ainda vai conviver com números relativamente elevados da pandemia e com números extremamente altos da desocupação formal e informal.

Como mostrou Oscar Valporto no artigo “Fome: retrocesso dramático em um Brasil de retrocessos”, aqui no #Colabora (12/07/21) o Brasil terminou 2020 com 113 milhões de brasileiros e brasileiras em situação de insegurança alimentar. Relatando a quinta edição do Relatório Luz da Sociedade Civil sobre a Agenda 2030 da ONU, ele aponta que das 169 metas estabelecidas nos 17 Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS), mais de 80% delas estão em retrocesso, estagnadas ou ameaçadas no Brasil.

Portanto, os problemas brasileiros são anteriores à pandemia, embora tenham sido agravados pela conjuntura desfavorável da covid-19. O cenário político nacional também não ajuda, o que aumenta as incertezas na capacidade de superação da crise. Em 2022 o país vai comemorar os 200 anos da Independência. Vamos torcer para que a esperança vença as frustações e que o país consiga vislumbrar e trilhar o caminho do progresso, da democracia, da paz e do bem-estar social e ambiental.

Frase do dia 18 de julho de 2021

“Mas a vida, a vida, a vida,

a vida só é possível reinventada”

Cecilia Meireles (1901-1964)

Referência

CEPAL. La paradoja de la recuperación en América Latina y el Caribe. Crecimiento con persistentes problemas estructurales: desigualdad, pobreza, poca inversión y baja productividad, Julio 2021

VALPORTO, Oscar. Fome: retrocesso dramático em um Brasil de retrocessos, #Colabora, 12/07/21

José Eustáquio Diniz Alves

José Eustáquio Diniz Alves é sociólogo, mestre em economia, doutor em Demografia pelo Centro de Desenvolvimento e Planejamento Regional (Cedeplar/UFMG), pesquisador aposentado do IBGE, colaborador do Projeto #Colabora e autor do livro "ALVES, JED. Demografia e Economia nos 200 anos da Independência do Brasil e cenários para o século" (com a colaboração de F. Galiza), editado pela Escola de Negócios e Seguro, Rio de Janeiro, 2022.

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