Diário da Covid-19: Brasil caminha para ultrapassar os EUA

Vista da Unidade de Terapia Intensiva que trata pacientes com a covid-19 no Hospital Gilberto Novaes, em Manaus. Foto Michael Dantas/AFP

Pandemia do coronavírus avança a uma velocidade três a quatro vezes maior em terras tupiniquins do que em terras ianques

Por José Eustáquio Diniz Alves | ODS 3 • Publicada em 22 de maio de 2020 - 09:00 • Atualizada em 23 de maio de 2020 - 09:44

Vista da Unidade de Terapia Intensiva que trata pacientes com a covid-19 no Hospital Gilberto Novaes, em Manaus. Foto Michael Dantas/AFP

Os Estados Unidos da América (EUA) contabilizaram ontem, dia 21 de maio, 1,62 milhões de pessoas infectas e quase 100 mil mortes, superando, com folga, todos os países do mundo. A China foi o epicentro inicial da pandemia e ficou na liderança do ranking global até o dia 19/03 quando passou o bastão para a Itália no número de mortes. Os EUA assumiram a liderança do ranking dos países com mais pessoas doentes a partir do dia 26/03 e ultrapassaram a Itália, a partir do dia 08/04, galgando a liderança isolada também do triste ranking dos países com mais pessoas mortas no mundo. De lá para cá os EUA – com 4,3% da população mundial – acumularam cerca de 30% dos casos e dos óbitos globais da covid-19.

Mas estes números impressionantes da nação mais rica do mundo, presidida por Donald Trump, podem ser superados nos próximos meses por uma nação muito mais pobre e de menores dimensões econômicas e demográficas e que é presidida por Jair Bolsonaro. Claro que superar os números acumulados leva tempo, mas o Brasil está a ponto de superar os EUA nos números diários de casos e mortes da pandemia do novo coronavírus. Isto porque, os americanos já ultrapassaram o pico e começaram a “descer a ladeira”, enquanto os brasileiros ainda estão subindo a montanha e nem sequer chegaram perto do pico. Atualmente, o coronavírus avança a uma velocidade três a quatro vezes maior em terras tupiniquins do que em terras ianques.

No Domino Park, no bairro do Brooklyn, em Nova York, círculos brancos marcam o distanciamento social necessário durante a pandemia. Foto Johannes Eisele/AFP
No Domino Park, no bairro do Brooklyn, em Nova York, círculos brancos marcam o distanciamento social necessário durante a pandemia. Foto Johannes Eisele/AFP

O panorama nacional

Considerando apenas os dados oficiais, apresentamos as informações fornecidas pelo Ministério da Saúde que divulgou, na tarde de quinta-feira (21/05), um novo recorde nacional de 310.087 casos confirmados e 20.047 mortes pela covid-19 para o total do país, com uma taxa de letalidade de 6,5%.

O número diário de pessoas infectadas, no dia 21/05, foi de 18.508 casos e o número diário de vítimas fatais foi de 1.179 óbitos, recorde absoluto, em 24 horas. Parece que o Brasil está entrando no patamar de mais de 1 mil mortes e mais de 20 mil casos por dia. Está se aproximando, celeremente, dos mesmos números dos EUA.

Mesmo que o ritmo da pandemia esteja desacelerando em algumas capitais, está avançando em alta velocidade no interior e nas cidades pequenas. Um levantamento divulgado no dia 21/05 pelo Ministério da Saúde mostrou que mais da metade dos municípios brasileiros já registraram casos da doença. Em 28 de março, o país tinha 297 municípios com ao menos uma confirmação de coronavírus e passou para 3.488 até o momento. Na região Sudeste havia 97 municípios com algum caso e passou para 992 municípios, decuplicando no período. No Nordeste o aumento foi ainda maior passando de 57 municípios em 28/03 para 1.332 municípios em 20/05, um aumento de mais de 20 vezes. Muitos trabalhadores nordestinos que perderam o emprego ou perderam os meios de subsistência, principalmente, em São Paulo, voltaram para as suas cidades natais e muitos podem ter contribuindo para o espraiamento do vírus.

O gráfico abaixo mostra os valores diários das variações dos casos e das mortes no Brasil de março até o dia 21 de maio. Nota-se que todas as baixas acontecem nos fins de semana e os picos nos dias úteis. Mas as linhas (pontilhadas) de tendência polinomial de terceiro grau apresenta uma suavização das oscilações sazonais e indica uma extrapolação para os próximos 7 dias.  Infelizmente, a tendência é de alta e o pico da pandemia ainda está distante.

O panorama dos EUA

Os Estados Unidos atingiram 1,62 milhões de casos no dia 21/05 e está prestes a chegar na marca histórica de 100 mil mortes. Mas, a despeito destes números gigantescos, a boa notícia é que os EUA já ultrapassaram o pico da curva normal e começaram a “descer a ladeira”. O pico de casos ocorreu no dia 24/04 com quase 40 mil pessoas infectadas em 24 horas e o pico das mortes ocorreu no dia 21/04 com cerca de 2,7 mil óbitos em 24 horas. Na média desta semana o número de casos está abaixo de 25 mil e o número de mortes médios abaixo de 1,5 mil. Sem dúvida, os EUA já começaram a “descer a ladeira”, resta saber em qual ritmo.

Um estudo da Universidade de Columbia, nos EUA, divulgado no dia 21/05, mostra que a demora na adoção de medidas de isolamento das pessoas nas principais cidades contribuiu para o aumento das mortes. Segundo os cientistas da Universidade, uma semana mais cedo de quarentena nos Estados Unidos poderia ter salvado a vida de 36 mil pessoas. O fato é que o presidente Donald Trump demorou muito a escutar as autoridades da área de saúde e os epidemiologistas. A falta de unidade entre o Poder Público e a sociedade civil é uma das explicações da explosão da pandemia tanto nos EUA, quanto no Brasil.

O jornal Financial Times apresenta uma série de gráficos com dados para o número de casos e de mortes para todos os países do mundo, a partir da média móvel de sete dias (uma semana) do novos casos e novas mortes, por número de dias desde que foram alcançadas, em média, três mortes pela primeira vez.

No gráfico abaixo estão destacados os casos do Brasil, Rússia e dos Estados Unidos – que são os três países que estão no topo do ranking global do número de casos da covid-19. Nota-se, que na variação diária de casos, o Brasil já ultrapassou a Rússia e se aproxima bastante dos EUA. Olhando para a inclinação da curva do Brasil (que é mais vertical) é fácil concluir que a ultrapassagem vai ocorrer, provavelmente antes do final do mês de maio, pois a curva dos EUA está horizontal e até declinante.

No gráfico abaixo, com o número de mortes nas últimas24 horas, o Brasil já ultrapassou todos os países, menos os EUA. Embora, em termos de número de mortes acumuladas, a Espanha, França, Itália e Reino Unido estejam na frente, em termos de número diário de mortes, o Brasil já está em segundo lugar. E como possui uma curva mais vertical, deve também ultrapassar os EUA antes do fim do corrente mês, pois a tendência do número de mortes de americanos está declinante.

Indubitavelmente, as informações acima mostram que a pandemia no território brasileiro cresce a um ritmo bem mais rápido do que o ritmo no território americano. O gráfico abaixo apresenta as taxas médias de crescimento diário relativo dos casos da covid-19 no Brasil e nos EUA. Nota-se que entre a 11ª Semana Epidemiológica (8 a 14 de março) e a 13ª SE (22 a 28/03) o número de casos no Brasil passou a crescer menos do que nos EUA. Mas nas semanas seguintes o Brasil retomou o maior crescimento e a diferença aumentou muito. Atualmente, a pandemia avança no Brasil em uma velocidade quase 4 vezes maior do que nos Estados Unidos.

Na comparação dos óbitos, o gráfico abaixo apresenta as taxas médias de crescimento diário relativo das vítimas fatais da covid-19 no Brasil e nos EUA. Nota-se que até a 15ª SE o ritmo americano era superior ao ritmo do avanço da pandemia no Brasil. Mas a partir da 16ª SE, a diferença aumentou e o ritmo de crescimento das mortes no território brasileiro chegou a 3 vezes maior do que nos EUA.

A maior nação da América do Norte é o único país que está à frente do Brasil em termos de casos e mortes diárias da covid-19. Mas este posicionamento no ranking global pode mudar na medida em que o Brasil encosta nos números americanos. O maior país da América Latina encontra-se em uma situação de tempestade perfeita, pois os problemas sociais se agravam e o desentendimento entre o Poder Público e a sociedade civil deixa o campo livre para a expansão do coronavírus. Se o Brasil quer evitar uma catástrofe não pode continuar nesta trajetória de aumento da doença e dos óbitos. É urgente reverter estas tendências.

Frase do dia 20 de maio de 2020

“Nós, os de então, já não somos os mesmos”

Pablo Neruda (1904-1973)

Poeta chileno e Prêmio Nobel de Literatura

José Eustáquio Diniz Alves

José Eustáquio Diniz Alves é sociólogo, mestre em economia, doutor em Demografia pelo Centro de Desenvolvimento e Planejamento Regional (Cedeplar/UFMG), pesquisador aposentado do IBGE, colaborador do Projeto #Colabora e autor do livro "ALVES, JED. Demografia e Economia nos 200 anos da Independência do Brasil e cenários para o século" (com a colaboração de F. Galiza), editado pela Escola de Negócios e Seguro, Rio de Janeiro, 2022.

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