Diário da Covid-19: Brasil bate recorde de casos e tem 17 mortos por hora

Entre os dez maiores do mundo, país só tem uma performance melhor do que os Estados Unidos no coeficiente de mortes por milhão de habitantes

Por José Eustáquio Diniz Alves | ODS 3 • Publicada em 24 de abril de 2020 - 10:09

Um trabalhador limpa e desinfeta a principal rodoviária de Bogotá, na Colômbia, contra a covid-19. Foto Daniel Munoz/AFP

O Brasil bateu os recordes de casos e de mortes pela covid-19 no dia 23 de abril. Como as mortes cresceram ainda mais rápido do que o número de casos, houve recorde também da taxa de letalidade. Depois do feriado prolongado – fim de semana e dia de Tiradentes – quando o aumento das variações diárias deu uma trégua, a saga do crescimento exponencial voltou com força. Mesmo assim, os números oficiais estão subestimados, pois o próprio Ministério da Saúde reconhece que existem 58.569 hospitalizações e 6.614 óbitos por síndrome respiratória aguda grave (SRAG) que são classificadas como “não especificado” ou “em investigação”. Pelo menos uma parte está associada à covid-19. Desta forma, não foi correta e nem oportuna a declaração do ministro da Saúde, Nelson Teich, dizendo: “O Brasil hoje é um dos países que melhor performa em relação à covid”, pois seria preciso comparar o estágio epidemiológico da pandemia em cada país. Utilizando o tamanho da população como variável de seleção, entre os 10 maiores países do mundo, o Brasil só “performa” melhor do que os Estados Unidos no coeficiente de mortes por milhão de habitantes.

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É nosso desrespeito à natureza e nosso desrespeito aos animais com os quais devemos compartilhar o planeta que causou essa pandemia, prevista há muito tempo

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O panorama nacional e global

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Como de costume, o Ministério da Saúde atualizou os números da pandemia do coronavírus na tarde do dia 23 de abril, em Brasília. O que não foi comum foram os valores apresentados que indicaram quase 50 mil casos (49.492) e 3.313 mortes. Foram batidos 3 recordes: maior variação diária de pessoas infectadas (3.735 casos), maior variação diária de mortes (407 óbitos) e maior valor da taxa de letalidade (6,7%).

O gráfico abaixo mostra a série histórica dos números diários de casos e de mortes no Brasil de 01 de março a 23 de abril de 2020. Somente no mês de abril o número de casos deu um salto de 5,7 mil casos no dia 01 para 49,5 mil em 23 de abril, representando um aumento de 7,3 vezes (ou 9% ao dia) e o salto do número de mortes foi ainda maior, pois passou de 240 óbitos para 3,3 mil no mesmo período, representado um aumento de 13,8 vezes (ou 12,1% ao dia).

Para se ter a dimensão desta evolução e da gravidade da situação, basta considerar que se o ritmo se mantiver nos próximos 23 dias, teríamos 358,3 mil casos e 45,7 mil mortes no dia 16 de maio de 2020. Isto colocaria o Brasil bastante à frente dos países europeus (que já estão descendo a curva da epidemia) e ficando atrás apenas dos Estados Unidos. Ou seja, uma péssima performance.

A tabela abaixo mostra a situação da pandemia entre os 10 países mais populosos do mundo, considerando a estimativa populacional para 2020 da Divisão de População da ONU. Nota-se que entre os 10 países, em número de mortes, o Brasil só “performa” melhor do que os Estados Unidos (que já estão em uma fase mais adiantada da pandemia). O Brasil tem 232,8 casos por milhão de habitantes e 15,6 mortes por milhão de habitantes, enquanto os números dos EUA são de 2,7 mil casos por milhão e 151 mortes por milhão.

A China que já está “no final” da curva da pandemia, apresenta coeficientes bem menores do que o Brasil, sendo 57,5 casos por milhão e 3,2 mortes por milhão. A Rússia tem um coeficiente de incidência maior do que o brasileiro, com 430 casos por milhão, mas um coeficiente de mortalidade menor, como apenas 3,8 mortes por milhão.

Os demais países, em geral, estão mais atrasados no tempo na curva da pandemia e todos eles apresentam coeficientes menores do que os brasileiros. Por exemplo, a Índia – o segundo país em tamanho de população – tem somente 15,8 casos por milhão e 0,5 mortes por milhão.

O outro país latino-americano da lista, o México também “performa” melhor do que o Brasil, com 82 casos por milhão e 7,5 mortes por milhão. Portanto, a situação brasileira é grave e os brasileiros não têm nada a comemorar, mas muito com que se preocupar.

O panorama global

No dia 23 de abril, a pandemia global atingiu a marca de 2,72 milhões de casos e 191 mil mortes, com uma taxa de letalidade de 7%. Por enquanto o pico do número diário de casos aconteceu no dia 03 de abril com um valor pouco abaixo de 100 mil e o pico de mortes no dia 17 de abril com valor pouco abaixo de 10 mil. No dia 23/04, a variação diária do número de casos ficou em 81,1 mil e a variação do número de mortes ficou em 6,5 mil, conforme pode ser visto no gráfico abaixo.

Ainda não está claro se o mundo chegou ao pico, pois enquanto o ritmo da pandemia já se reduz bastante em vários países asiáticos e europeus, outros países asiáticos, latino-americanos e africanos encontram-se em fase de expansão do surto pandêmico.

Os dois países com maior número de casos da covid-19 da Ásia: Turquia e Irã

A pandemia do novo coronavírus começou na Ásia, mais particularmente na China que foi o epicentro do surto nos meses de janeiro e fevereiro. Mas desde então, a China vem conseguindo estabilizar o ritmo de expansão da doença e terminou o mês de março com pouco mais de 80 mil casos e 3 mil mortes. Contudo, no dia 17 de abril, foi feita uma revisão e o número de mortes na cidade de Wuhan, aumentou em 1290 óbitos. Com isto, o número total de mortes ultrapassou 4 mil óbitos. Desta forma, no dia 23 de abril, a China registrou 82.798 casos e 4.632 mortes (se não tivesse havido esta revisão, o Brasil teria passado a China no dia 23/04).

Mas no continente mais populoso do mundo, outros dois países asiáticos se destacaram em abril e assumiram as duas primeiras colocações em números de casos no continente, conforme mostra o gráfico abaixo. No dia 01 de abril o Irã tinha 47,6 mil casos e 3 mil mortes, enquanto a Turquia tinha 15,7 mil casos e 277 mortes. Mas no dia 23 de abril, o número de pessoas infectadas na Turquia ultrapassou o número do Irã e superou a marca de 100 mil casos, assumindo o primeiro lugar da Ásia, enquanto o Irã, com 87 mil casos ficou em segundo lugar (ambos à frente da China). Em número de mortes o Irã continua em primeiro lugar na Ásia, com 5,5 mil óbitos no dia 23/04, bem à frente dos 2,5 mil óbitos da Turquia que está em terceiro lugar na Ásia, portanto atrás da China. A taxa de letalidade, em 23/04, estava em 6,3% no Irã, 5,6% na China e 2,4% na Turquia.

A pandemia e o pandemônio econômico nos EUA

No momento dos níveis mais altos de desemprego na época da crise financeira de 2008, havia 15,3 milhões de americanos desempregados. Mas este número foi caindo ao longo dos anos e, antes da pandemia do novo coronavírus, as taxas de desemprego nos Estados Unidos estavam nos patamares mais baixos, em décadas.

Mas de acordo com o Departamento do Trabalho dos EUA, milhões de americanos entraram com pedidos de auxílio desemprego nas últimas semanas. No total, já são cerca de 33 milhões de desempregados nos EUA, significando uma taxa de desemprego real de 20,6%, o nível mais alto desde 1934.

A pandemia e a Terra inabitável

A pandemia do novo coronavírus fez a humanidade parar, enquanto a Terra gira e até sente um certo alívio com a diminuição das atividades antrópicas, degradadoras do meio ambiente. Indubitavelmente, a pandemia de covid-19 vai causar muitos danos na saúde pública e na economia, mas a dimensão da presença humana no planeta é tão grande que não vai ser um minúsculo vírus que irá fazer a roda girar para trás e nem fazer o tempo seguir o sentido anti-horário. A civilização atual – que segundo Marx e Engels construiu obras miraculosas muito maiores do que “as pirâmides egípcias, os aquedutos romanos e as catedrais góticas” – tem um vício de origem que é o crescimento econômico ilimitado, com base na extração insaciável de recursos naturais.

O livro do jornalista David Wallace-Wells “A terra inabitável: Uma história do futuro” – que começa com a frase: “É pior, muito pior do que você pensa” – mostra que em decorrência deste modelo de crescimento econômico, o aquecimento global vai ser abrangente, terá um impacto muito rápido e vai durar muito tempo. Isto quer dizer que os efeitos danosos das mudanças climáticas vão se agravar com o tempo e, embora todas as gerações já estejam sendo atingidas, são as crianças e jovens que nasceram e vão nascer no século XXI que vão sentir as maiores consequências do colapso ambiental. A degradação ambiental vai ocorrer em várias áreas, com a acidificação dos solos, águas e oceanos, a precarização dos ecossistemas e os desastres climáticos extremos (secas, chuvas, furacões e inundações de grandes proporções), tornando muitos lugares da Terra bastante inóspitos ou inabitáveis.

Enfim, a emergência da covid-19 vai passar, mas a emergência climática e ambiental vai continuar. A resenha “A dinâmica demográfica global em uma Terra inabitável” (Alves, 2019) publicado na Revista Latino Americana de População (Relap), mostra a importância do livro e pode ser acessada no link: https://revistarelap.org/index.php/relap/article/view/239/371

Frase do dia 24 de abril de 2020

“É nosso desrespeito à natureza e nosso desrespeito aos animais com os quais devemos compartilhar o planeta que causou essa pandemia, prevista há muito tempo”.

Jane Goodall, Primatóloga e antropóloga

José Eustáquio Diniz Alves

José Eustáquio Diniz Alves é sociólogo, mestre em economia, doutor em Demografia pelo Centro de Desenvolvimento e Planejamento Regional (Cedeplar/UFMG), pesquisador aposentado do IBGE, colaborador do Projeto #Colabora e autor do livro "ALVES, JED. Demografia e Economia nos 200 anos da Independência do Brasil e cenários para o século" (com a colaboração de F. Galiza), editado pela Escola de Negócios e Seguro, Rio de Janeiro, 2022.

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