África do Sul entre a preocupação e a indignação com a nova variante do coronavírus

Fila para fazer teste para covid-19 no aeroporto internacional de Johanesburgo: estrangeiros buscam voos para países que não estão barrando passageiros vindo do sul da África (Foto: Phill Magakoe / AFP)

Sul-africanos esperam novas restrições do governo mas protestam contra isolamento internacional após identificação de mais uma cepa

Por Vinicius Assis | ODS 3 • Publicada em 28 de novembro de 2021 - 11:07 • Atualizada em 7 de dezembro de 2021 - 08:18

Fila para fazer teste para covid-19 no aeroporto internacional de Johanesburgo: estrangeiros buscam voos para países que não estão barrando passageiros vindo do sul da África (Foto: Phill Magakoe / AFP)

(Cidade do Cabo, África do Sul) – O sábado (27/11) à noite foi de bares e restaurantes cheios na região central da Cidade do Cabo, uma das mais agitadas do destino turístico que atrai visitantes do mundo inteiro. Com termômetro registrando 17 graus e chuva leve, muita gente saiu de casa, mesmo com a notícia da descoberta de uma nova variante do coronavírus no país correndo e preocupando o mundo. A minoria usava máscara dentro dos locais, autorizados a funcionar atualmente com metade da capacidade total e tendo que fechar as portas antes de meia-noite, quando começa o toque de recolher ainda em vigor na África do Sul. Tinha local com fila de gente na porta.

O mundo deve fornecer apoio à África do Sul e à África e não discriminá-la ou isolá-la

Nos lugares com pista de dança algumas pessoas se divertiam como se houvesse, sim, amanhã. E davam como certo que neste amanhã – domingo, no caso – seria o dia que provavelmente o presidente Cyril Ramaphosa endureceria as regras de circulação no país que no ano passado implementou um dos confinamentos nacionais obrigatórios mais rígidos do mundo. Entre os que curtiam a noite na Cidade do Cabo estavam também muitos turistas, inclusive europeus. Nem todos estão a passeio. Certamente acreditando que a África do Sul é um lugar seguro para se estar no momento, muitos vieram para cá nas últimas semanas fugindo das novas restrições de circulação implementadas em países da Europa, atual epicentro da pandemia. São profissionais que trabalham remotamente e seguem a rotina de trabalho online, aproveitando as belezas locais e as atuais regras mais flexíveis.

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Enquanto isso, brasileiros com passagem comprada não sabem o que vai acontecer nos próximos dias. A reportagem conversou com dois que tentaram embarcar na sexta-feira para o Brasil, mas não conseguiram. Já tinham até despachado as bagagens. Ambos não quiseram se identificar. Um deles contou que chegou até a porta do avião quando funcionários da companhia aérea o disseram para voltar. Eles estão em Johanesburgo sem saber quando embarcarão de volta para casa. Um diplomata contou que a embaixada do Brasil em Pretoria e o consulado brasileiro na Cidade do Cabo já estão sendo procurados por brasileiros em busca de orientações. Nos aeroportos de Johanesburgo e da Cidade do Cabo, estrangeiros tentam embarcar para países que ainda não fecharam suas fronteiras para voos com procedência da África do Sul.

Neste sábado, o presidente sul-africano Cyril Ramaphosa participou de uma reunião virtual com ministros e o cientista brasileiro Tulio de Oliveira, que vive na cidade de Durban. O brasileiro coordena uma equipe de dezenas de profissionais que fazem o sequenciamento genômico do coronavírus desde o início da pandemia. Ele participou da coletiva organizada pelo ministério da Saúde da África do Sul, na última quinta-feira (25/11), para anunciar a descoberta da nova variante, que acabou sendo chamada de Ômicron e motivo de preocupação pelo alto número de mutações, de acordo com a Organização Mundial da Saúde.

No país o clima de indignação parece superar a preocupação. É visível a sensação de que a África do Sul está sendo punida por ter sido transparente e ter investido em pesquisa, tecnologia, no sequenciamento. “O mundo deve fornecer apoio à África do Sul e à África e não discriminá-la ou isolá-la”, escreveu, no Twitter, o virologista Túlio de Oliveira, diretor do Centro para Resposta à Epidemias e Inovação da África do Sul.

Atualmente cerca de 1/3 dos profissionais de saúde não estão vacinados na África do Sul. Alguns estão hesitantes, infelizmente alguns são anti-vacinas. Nem sempre sabemos porque não querem se vacinar

O Reino Unido foi o primeiro a fechar fronteiras para voos vindos de países do sul da África, mesmo sem muitas informações. Uma atitude criticada e considerada precipitada pelo governo sul-africano. Mas não adiantou ter fechado as fronteiras a países africanos. Dois casos da variante recém-descoberta do coronavírus acabaram sendo confirmados em território britânico. Países como Canadá e Estados Unidos resolveram seguir a decisão britânica. Ao todo, 8 países africanos acabaram entrando para listas vermelhas pelo mundo: África do Sul, Lesoto, Eswatini (antiga Suazilândia), Botsuana, Moçambique, Zimbábue, Namíbia e Malaui. O Brasil também proibiu a entrada de quem esteve em quase todos esses países (exceto Moçambique e Malaui) nos 14 dias anteriores a data do desembarque.

Na rede social, o cientista brasileiro lembrou que os profissionais do África do Sul têm sido muito transparentes com as informações científicas. “Identificamos, tornamos os dados públicos e alertamos, pois as infecções estão aumentando. Fizemos isso para proteger nosso país e o mundo, apesar de sofrermos potencialmente uma discriminação massiva”, postou. E chegou a marcar nos tweets os bilionários Bill Gates, Jeff Bezos, Alon Musk e Dr. Soon-Shiong para dizer que “esta nova variante do coronavírus é realmente preocupante no nível mutacional. A África do Sul e a África precisarão de apoio (financeiro, de saúde pública, científico) para controlá-la para que não se espalhe pelo mundo. Nossa população pobre e carente não pode ficar presa sem apoio financeiro”.

O governo sul-africano divulga diariamente, desde o ano passado, relatórios com dados sobre o avanço do coronavírus no país. O boletim de sábado à noite revelou que o país teve 3.220 novas infecções e 8 mortes por conta da covid-19 em 24 horas. Tudo leva a crer que o país, que começou novembro registrando 106 casos no primeiro dia do mês, está caminhando para sua quarta onda de infecções, o que já é realidade em 11 países africanos, segundo o Centro para Controle e Prevenção de Doenças (CDC, sigla em inglês), a agência de saúde pública da União Africana.

Bar cheio na Cidade do Cabo: medidas restritivas e toque de recolher ainda persistem na África do Sul que já registrou 88 mil mortes pela covid-19 e teme quarta onda (Foto: Vinicius Assis)
Bar cheio na Cidade do Cabo: medidas restritivas e toque de recolher ainda persistem na África do Sul que já registrou 88 mil mortes pela covid-19 e teme quarta onda (Foto: Vinicius Assis)

A África do Sul teve, desde março do ano passado, quase três milhões – 2.958.548 – de casos confirmados. Os primeiros faziam parte de um grupo de sul-africanos que voltaram da Itália. Mas a maioria dos pacientes se recuperou (2.847.083), e nem todos precisaram de internações. Até agora a covid-19 matou 89.791 pessoas no país. Atualmente há 21.674 infectados pelo coronavírus em tratamento.

O escritório da ONU para a África divulgou, na quinta-feira, um levantamento feito em 25 países do continente que mostrou que apenas um em cada quatro profissionais de saúde desses países está totalmente vacinado. Cada um dos 54 países africanos tem uma particularidade que possa justificar os baixos percentuais de vacinação – da indisponibilidade de imunizantes à rejeição da vacina pela população. “Atualmente cerca de 1/3 dos profissionais de saúde não estão vacinados na África do Sul. Alguns estão hesitantes, infelizmente, alguns são antivacina. Nem sempre sabemos porque não querem se vacinar”, disse, ao #Colaboram, Angelique Coetzee, presidente da Associação Médica da África do Sul. Até agora, aproximadamente, 24% dos sul-africanos estão totalmente vacinados. O percentual chega a 28% levando em consideração os que receberam pelo menos uma dose.

Vinicius Assis

É jornalista desde 2004. Atualmente é correspondente na África para a GloboNews e outros meios brasileiros. Coordenou o projeto de Jornalismo independente "E aí, vereador?", apoiado pela Associação Brasileira de Imprensa. Em 2014 foi um dos palestrantes do Congresso Internacional de Jornalismo Investigativo, em São Paulo, quando falou sobre investigações em câmaras municipais.

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