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Na época, Marina tinha 23 anos. Foi a sua pouca idade, associada à produção acadêmica e atividades de pesquisa durante a faculdade, e a originalidade da pesquisa, que contribuíram para que fosse escolhida. Como prêmio, os cientistas participaram, por duas semanas, do Fórum Internacional para Iniciativas de Alto Potencial em Desenvolvimento Sustentável e ganharam uma bolsa do governo alemão para fazer um estágio de três meses em uma instituição especializada em suas áreas de atuação, naquele país.
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Veja o que já enviamosO tripé da sustentabilidade iguala meio ambiente, sociedade e economia, mas será que o ambiente não merece uma consideração especial, visto que sem a natureza, as pessoas não conseguem desenvolver suas atividades?
[/g1_quote]Durante seu estágio no Helmholtz Center for Environmental Research, em Leipzig, Marina conseguiu aprofundar seus estudos sobre a interdisciplinaridade da agroecologia e do direito ambiental, com foco em políticas públicas e na legislação europeia referente a produtos orgânicos. “Como podemos tornar o direito ambiental mais eficaz e repensá-lo para que possa dialogar com a agroecologia? Existem problemas nos próprios fundamentos do direito ambiental, que, por muitas vezes, negligenciam a natureza, um de seus principais elementos. O tripé da sustentabilidade iguala meio ambiente, sociedade e economia, mas será que o ambiente não merece uma consideração especial, visto que sem a natureza, as pessoas não conseguem desenvolver suas atividades?”, questiona Marina.
A jovem se interessou por agroecologia em 2012, quando estava no começo do curso de graduação. Desde então, ela vem estudando e desenvolvendo o tema por meio de bolsas de pesquisa e iniciação científica no Brasil, como integrante do Grupo de Pesquisa Direito Ambiental na Sociedade de Risco (GPDA/UFSC), e também no exterior. Ela também abordou a questão no seu trabalho de conclusão de curso e na tese de mestrado, ambos transformados em livros: “A tutela jurídica da agroecologia no Brasil: repensando a produção de alimentos na era dos riscos globais” e “Agroecologia na instrumentalização e ecologização do direito ambiental no Antropoceno”, respectivamente.
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Atualmente, como acadêmica do curso de doutorado em Direito na UFSC, Marina está trabalhando na linha de pesquisa em Direito Ecológico e Direitos Humanos para aprofundar a discussão sobre direito humano à alimentação. A pesquisa aborda as relações entre mudanças climáticas, agricultura e sistemas alimentares sob a perspectiva do Direito, com foco na agroecologia e suas implicações legais.
O estudo é voltado à América Latina e Brasil, então o estágio na Alemanha, segundo ela, foi interessante para ver a perspectiva daquele país sobre a questão e reforçar o argumento de que é importante falar de agroecologia no Direito. “O tema tem ganhado mais destaque ultimamente, inclusive com a publicação de diversas obras em nível nacional e internacional. Mas ainda há muitas barreiras a serem superadas. No Brasil, existe a Política Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica e políticas estaduais de promoção da agroecologia, que trazem instrumentos importantes de gestão e incentivo à agroecologia em suas diversas dimensões. A PNAPO ganhou o Future Police Award, no ano passado, por seus resultados concretos, mas a sua estrutura é frágil. A diferença de recursos destinados ao agronegócio e à agroecologia é enorme”, afirma Marina.
Uma parte da sua tese de doutorado é sobre os conceitos e aspectos da agroecologia aliados a elementos humanos e sociais, como o trabalho da mulher e do jovem no campo. “Pretendo delimitar essa conceituação para o Direito, que hoje é polêmica. O movimento da agroecologia é fluido, então precisamos enfrentar essa complexidade e descobrir como traduzir seus elementos para o mundo jurídico”, explica.
A agroecologia é uma ciência que estuda os sistemas alimentares sustentáveis. Nos seus estudos, Marina parte desse conceito. “A ciência da agroecologia se desdobra em teoria, prática e movimentos sociais, os quais se reforçam, constroem e desconstroem mutuamente, estabelecendo fundamentos para a promoção de sistemas alimentares sustentáveis e atuando sistematicamente sobre todos os seus elementos vivos e não vivos, a cadeia de produção de alimentos e suas estruturas políticas, jurídicas, científicas e de governança”, afirma. Marina acredita que, apesar de abrangente e ainda em construção, esse conceito tem grande relevância metodológica, pois seus fundamentos e elementos dão as bases para a revisão e a transformação dos sistemas alimentares, especialmente no Brasil.
O objetivo da catarinense com esse trabalho é conseguir uma aplicabilidade do direito ambiental em relação à agroecologia, um resultado tangível. “Quero responder à questão sobre como e de que forma podemos invocar o direito humano à alimentação e quais são as obrigações do Estado para proteger a segurança alimentar, sob a perspectiva da agroecologia. Se entendemos como o direito e a agroecologia dialogam, sabemos o que exigir do estado.”
Atualmente, Marina está no meio de uma consultoria de três meses para a Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO), em Roma, período em que sua bolsa de doutorado fica suspensa. A consultoria tem como foco a promoção da biodiversidade, incluindo a agrobiodiversidade e agroecologia. A busca por interdisciplinaridade é uma característica da acadêmica, que também participa da Comissão Mundial de Direito Ambiental da União Internacional para Conservação da Natureza (IUCN), com estudos interdisciplinares relacionados a questões climáticas, entre outros grupos nacionais e internacionais. Em agosto, Marina apresentará um artigo sobre agroecologia no maior Congresso de Direito Ambiental do mundo, que será na Malásia.
“A pesquisa tem impacto e eu quero impactar meu país”, afirma a catarinense, que é apaixonada por pesquisa e sempre teve certeza de que queria seguir a carreira acadêmica. “A pesquisa é de extrema relevância para o desenvolvimento social e tecnológico, por isso, é triste perceber que nem sempre há oportunidades no Brasil e que preciso buscá-las no exterior para tentar impactar meu próprio país. A estrutura para o pesquisador aqui, de disponibilidade de bolsas a projetos, é difícil e desafiadora. Tenho colegas com mentes brilhantes, das mais diversas áreas, que acabam indo fazer seus doutorados e carreiras fora porque o que eles fazem não é reconhecido como profissão aqui. Considerando as circunstâncias atuais que enfrentamos hoje, a minha experiência na FAO está sendo muito importante para me mostrar outros caminhos viáveis na área da pesquisa”, conclui Marina.
[g1_quote author_description_format=”%link%” align=”none” size=”s” style=”solid” template=”01″]35/100 A série #100diasdebalbúrdiafederal pretende mostrar, durante esse período, a importância das instituições federais e de sua produção acadêmica para o desenvolvimento do Brasil
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