Lições de sustentabilidade na horta

Alunos do Colégio Estadual Brigadeiro Schorcht, na Taquara, colhem as verduras plantadas por eles. Foto Elizabeth Oliveira

Uma experiência educativa inovadora de agroecologia urbana no Rio

Por Elizabeth Oliveira | ODS 15ODS 4 • Publicada em 25 de agosto de 2018 - 08:00 • Atualizada em 28 de agosto de 2018 - 17:01

Alunos do Colégio Estadual Brigadeiro Schorcht, na Taquara, colhem as verduras plantadas por eles. Foto Elizabeth Oliveira
Alunos do Colégio Estadual Brigadeiro Schorcht, na Taquara, cuidam das verduras plantadas por eles. Foto Elizabeth Oliveira
Alunos do Colégio Estadual Brigadeiro Schorcht, na Taquara, cuidam das verduras plantadas por eles. Foto Elizabeth Oliveira

Desde que um pequeno espaço subaproveitado foi transformado em horta orgânica, em 2011, muita coisa mudou no Colégio Estadual Brigadeiro Schorcht, localizado na Taquara, zona oeste do Rio, onde uma experiência pedagógica inovadora vem sendo desenvolvida em parceria com a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz). A fórmula de sucesso dessa empreitada pode parecer simples, mas exige muita motivação e ações ininterruptas. O tripé que sustenta a iniciativa é formado por professores e pesquisadores apaixonados pelo que fazem, jovens estudantes que já conseguem compreender os benefícios da agroecologia para a saúde humana e o meio ambiente, assim como pelos esforços de um diretor considerado um visionário pela comunidade escolar.

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Gosto de ver o envolvimento dos estudantes e de contribuir para que eles possam compreender a importância do processo de produção agroecológica. Como geógrafa trago conceitos da geografia para as aulas e, também, me esforço para quebrar o estigma de que o trabalho com a terra é algo sem valor, uma ideia ainda muito presente na percepção de parte da população urbana

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A organização da horta simbolizou um ponto de partida para incentivar grandes mudanças no comportamento dos estudantes e introduzir melhores práticas de gestão ambiental na escola. Os avanços incluíram a instalação de sistemas de coleta de água de chuva para irrigar as plantas e de captação de energia solar para aquecimento de água dos vestiários feminino e masculino.

Foi possível também mudar a dinâmica da geração de lixo local, discernindo com mais clareza o que deve, ou não, ser descartado como inservível. Os resíduos orgânicos são destinados à composteira e garantem adubo de excelente qualidade para os vasos e canteiros da horta. Além disso, a comunidade escolar já incorporou o hábito de separar materiais recicláveis e óleo de cozinha saturado para doação a instituições parceiras.

O reaproveitamento da água da chuva é uma das técnicas utilizadas pelos alunos. Foto Elizabeth Oliveira

Tecnologias sociais fazem a diferença

Segundo acrescenta, a parceria com a Fiocruz foi fundamental no apoio à elaboração e à submissão de um projeto selecionado pela Fundação Carlos Chagas Filho de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (Faperj), em 2012, que garantiu recursos financeiros para a implementação das melhores práticas ambientais. Antes disso, a escola não tinha sequer refeitório e os lanches consumidos pelos alunos eram industrializados, realidade que também mudou com essa iniciativa conjunta.

A educadora popular e pesquisadora da Fiocruz, Valdirene Militão, ressalta que o principal objetivo do projeto é disseminar informações e técnicas para ampliar a soberania alimentar e nutricional, tendo em vista que a instituição trabalha com enfoque na promoção à saúde. Por esse motivo, as ações pedagógicas são voltadas a despertar nos adolescentes o interesse pelo cultivo e consumo de alimentos livres de agrotóxicos, além de facilitar o entendimento de que os princípios da agroecologia também podem ser aplicados em pequenos ambientes urbanos, seguindo uma tendência global.

Com uma folha de couve na mão, onde aparece um casulo vazio, Valdirene explica a importância pedagógica de se perceber o ciclo da vida a partir de exemplos como o de uma lagarta que se transformou em borboleta e voou daquela horta. “Os estudantes gostam de ver de perto as mudanças que acontecem nesse pequeno espaço e eu me sinto muito recompensada por poder contribuir para que eles percebam como ocorrem alguns processos ambientais.” Segundo a educadora, os alunos sabem que em uma área cultivada com agrotóxicos não seria possível assistir aquela “aula de biologia ao ar livre” já que os insetos e outras formas de vida se afastam das plantas em contato com produtos químicos.

O biólogo Marco Aurélio Berão assumiu a direção da escola há um ano, depois de ter atuado como professor de biologia desde 2011. Foto Valdirene Militão/Fiocruz Mata Atlântica

A educadora ambiental da Fiocruz, Priscilla Pedrestte, esclarece que as hortaliças, os legumes e outros ingredientes frescos retirados da horta são destinados à alimentação escolar, embora esse não seja o principal objetivo das ações educativas. A proposta é de discutir o ciclo de produção agrícola, os cuidados necessários para produzir alimentos mais saudáveis a partir da adubação orgânica, além da importância da presença de insetos, pássaros e outras formas de vida características da Mata Atlântica para controlar, naturalmente, a qualidade daquele ambiente.

“Eu gosto de ver o envolvimento dos estudantes e de contribuir para que eles possam compreender a importância do processo de produção agroecológica. Como geógrafa eu trago conceitos da geografia para as aulas e, também, me esforço para quebrar o estigma de que o trabalho com a terra é algo sem valor, uma ideia ainda muito presente na percepção de parte da população urbana,” observa Priscilla.

Estudantes motivados

Vídeos educativos são alguns dos recursos utilizados em salas de aula para estimular a visão crítica dos alunos. Além disso, as experiências dos estudantes com as atividades da horta e outras práticas cotidianas são divulgadas na página Escola Sustentável, criada no Facebook. Os bastidores da visita do #Colabora e das entrevistas com os alunos e professores, antes das férias escolares, já estão registrados lá.

A estudante Maria Júlia Alves, 17 anos, é uma das mais assíduas nas atividades da horta. Ela conta que se interessou em cuidar principalmente dos vasos e canteiros de temperos, depois que professora de biologia motivou a sua turma a participar do projeto. “A professora sempre nos incentivou a discutir sobre a origem dos alimentos que consumimos”, comenta.

O senso crítico ampliado é reconhecido pela estudante como resultado das atividades escolares. “Atualmente sinto que eu sou uma pessoa muito mais bem informada sobre os problemas ambientais. Tanto aqui na horta como na sala de aula falamos sobre os riscos relacionados ao uso de agrotóxicos e sobre outros assuntos que têm a ver com a produção de alimentos e a saúde da população,” afirma Maria Júlia.

Valdirene Militão, pesquisadora da Fiocruz, orienta os alunos sobre como cuidarem das hortaliças. Foto Elizabeth Oliveira

O estudante Midsu Kobayashi, 17 anos, também compartilha a sua motivação para participar das atividades da horta. “Desde criança eu gosto de estar em contato com as plantas e quando soube desse projeto me interessei. Estou sempre aqui.” O jovem destaca que, desde o ano passado, tem conseguido aprender muito sobre processos de plantio e adubação.

“Gosto de tirar da terra o que planto”, comenta Midsu com entusiasmo. Enquanto conversa ele retira de um canteiro, com outros colegas, uma rama alta de mandioca que estava no ponto de ser colhida. Partes da planta são quebradas e inseridas na terra pela educadora Valdirene que estima uma nova colheita, naquele canteiro, em até três meses.

Quintais produtivos em Jacarepaguá

A educadora ambiental Priscilla Pedrestte destaca que, 30% dos recursos financeiros repassados à gestão pública, pelo Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE), devem ser destinados à compra de alimentos de produtores familiares. Considerando que no passado, Jacarepaguá foi uma região de forte vocação agrícola, conhecida como “sertão carioca”, uma das propostas da Fiocruz é de estimular a produção agroecológica local visando à reconquista dessa tradição do bairro.  Por isso, uma das ações da instituição envolve o projeto Quintais Produtivos, desenvolvido na antiga colônia Juliano Moreira, em Jacarepaguá, como parte das ações do Campus Fiocruz Mata Atlântica, nas quais também se insere a parceria com a escola da Taquara.

As atividades do projeto Quintais Produtivos envolvem princípios de agricultura urbana e economia solidária, além de se voltarem ao fortalecimento da organização das mulheres. “Os relatos das produtoras são de que a saúde melhorou com essa iniciativa. Além de se alimentarem com o que produzem de forma diversificada, as famílias ainda podem comercializar e trocar os excedentes,” ressalta Priscilla.

Elizabeth Oliveira

Jornalista apaixonada por temas socioambientais. Fez doutorado pelo Programa de Pós-Graduação em Políticas Públicas, Estratégias e Desenvolvimento (PPED), vinculado ao Instituto de Economia da UFRJ, e mestrado em Ecologia Social pelo Programa EICOS, do Instituto de Psicologia da UFRJ. Foi repórter do Jornal do Commercio do Rio de Janeiro e colabora com veículos especializados, além de atuar como consultora e pesquisadora.

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