ODS 1
Morre o repórter Bernardo de la Peña
Jornalista de 47 anos se foi vítima de câncer; carreira premiada documentou momentos importantes da história recente do Brasil e teve a marca da paixão pela reportagem
“O barro é esse, irmão; tem que fazer a lama com isso aí”. Bernardo de la Peña repetia a frase – ouvida de algum político – para encarar as inevitabilidades do ofício de repórter. Nunca integrou o time dos que se lamentam, espécie de vaidade patológica dos trabalhadores da notícia, como se a vida fosse um permanente calvário (só era vez ou outra). Com inquebrável alegria, viveu seus dias no jornalismo com a mais profunda paixão.
Leu essa: As reportagens de Bernardo de la Peña no #Colabora
Seu temperamento produzia instantâneas amizades de infância, em especial pelas narrativas pontilhadas de bom humor das aventuras – e os perrengues – para apurar as notícias. Carioca, filho de jornalista (seu pai, José de la Peña Neto, foi repórter da área econômica e dono de prestigiada empresa de assessoria), firmou-se como prodígio rapidamente, logo após se formar.
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Veja o que já enviamosAinda jovem, ganhou dois Prêmios Esso, o mais importante do jornalismo brasileiro, por reportagens publicadas em O Estado de S.Paulo e n’O Globo, resultado da escolha pela investigação, setor mais valorizado no mercado de mídia. No diário carioca, trabalhou na editoria de Política e, seguindo caminho usual na área, mudou-se para Brasília, onde viveu momentos de brilho na cobertura de odisseias como a CPI do Mensalão, no primeiro governo Lula. O trabalho rendeu um livro, “Memorial do escândalo”, em parceria com Gerson Camarotti, hoje comentarista da Globo News. Bernardo ainda escreveu “Um carioca no Planalto”, relato que conjugava leveza e reflexões sobre o cotidiano na capital.
Na volta ao Rio, entregou-se à vida ao telefone, na apuração incessante de notas para a coluna de Ancelmo Gois, então a mais importante do Globo. Entre uma ligação e outra, desfilava alegria, em decisiva contribuição para manter alto o astral da “turma da coluna”, como o pequeno coletivo de profissionais foi batizado pelo titular do espaço.
Uma piada recorrente, da qual ria sem estresse, acompanhava a paixão dele pelo hipismo, saciada nos saltos de todas as manhãs na Sociedade Hípica Brasileira. “Pô, Bernardo, quem faz o exercício é o cavalo”, zombavam – e ele, com toda a paciência, explicava a cuidadosa preparação para o esporte que, garantia, exigia muito também do cavaleiro.
Outra paixão era o sítio da família, em Secretário, distrito de Petrópolis (RJ). Nos últimos tempos, passava grandes períodos por lá, desfrutando o sossego da serra fluminense. Lá também foi a cerimônia de casamento com a também jornalista Carolina Isabel Novaes, em 2017.
O jornalista descobriu o câncer no cérebro 19 anos atrás, passou por cirurgias difíceis, mas nunca abdicou da alegria do encontro com os amigos, da boa conversa e da paixão pela reportagem. Toureou a dureza da doença e as agruras do tratamento sem perder a vontade de viver e trabalhar – suas oito reportagens no #Colabora são prova de sua tenacidade.
Bernardo de la Peña morreu na ensolarada manhã desta segunda-feira (8), aos 47 anos. Foi enterrado à tarde, no Cemitério de São João Batista, Zona Sul do Rio, cercado por homenagens dos muitos amigos.
Niteroiense, Aydano é jornalista desde 1986. Especializou-se na cobertura de Cidade, em veículos como “Jornal do Brasil”, “O Dia”, “O Globo”, “Veja” e “Istoé”. Comentarista do canal SporTV. Conquistou o Prêmio Esso de Melhor Contribuição à Imprensa em 2012. Pesquisador de carnaval, é autor de “Maravilhosa e soberana – Histórias da Beija-Flor” e “Onze mulheres incríveis do carnaval carioca”, da coleção Cadernos de Samba (Verso Brasil). Escreveu o roteiro do documentário “Mulatas! Um tufão nos quadris”. E-mail: aydanoandre@gmail.com. Escrevam!