Jovens empreendedores na luta pela paz

Camlla: projeto para formação de doulas. Foto: divulgação

Movimento Ecozen estimula projetos em comunidades para combater a violência e a desigualdade social

Por Paula Autran e Reneé Rocha | ODS 17 • Publicada em 7 de julho de 2017 - 17:08 • Atualizada em 10 de julho de 2017 - 12:58

Camlla: projeto para formação de doulas. Foto: divulgação
Camlla Habdallah: criadora do projeto Maternidade Consciente, no Morro do Alemão. Foto: divulgação

Em vez de UPPs (as Unidades de Polícia Pacificadora), quem sabe PPPs (as Políticas Público-Privadas)? Com um projeto alternativo de pacificação, o Movimento Ecozen está entrando com força no que chama de territórios de vulnerabilidade social no Rio de Janeiro e em outras importantes cidades do país. As primeiras “ocupações” começaram em comunidades de Bangu, Catiri (também em Bangu), Cidade de Deus, Inhaúma e Complexo do Alemão. E receberam reforço no dia 20 de maio, quando o movimento – formado por mentores, embaixadores, agentes ligados à sustentabilidade, economia colaborativa e criativa – lançou formalmente seu Programa de Incubação, direcionado para jovens empreendedores, nascidos e criados nesses territórios.

Temos que dar uma atenção especial para que esses jovens possam encarar os ‘nãos’ da vida e seguir em frente

O objetivo é contribuir para a erradicação da violência, através da educação e do empoderamento. “A tarefa de empreender é muito árdua. Para quem vive nesses territórios vulneráveis, mais ainda. Temos que dar uma atenção especial para que esses jovens possam encarar os ‘nãos’ da vida e seguir em frente”, diz Maurício Medeiros Costa Filho, líder do Ecozen. A ideia inicial era apenas disseminar a ioga e a meditação nas comunidades. “Ai, fomos agregando parceiros, até chegar a um projeto maior, de empreendedorismo social. A gente acredita que muito dessa violência que existe hoje vem da falta de oportunidades. Queremos mostrar que tem gente aqui no asfalto que se interessa por esses jovens, e proporcionar a eles tudo o que há de melhor na sociedade”.

O evento de maio, no Museu do amanhã, foi o pontapé inicial de uma verdadeira encubadora de projetos sociais. Lá, além de um debate sobre a sustentabilidade e o desenvolvimento de projetos sociais em comunidades, houve a apresentação dos primeiros cinco projetos – selecionados entre 17 inscritos – a serem desenvolvidos. Alguns até já existiam, mas de maneira informal.  No evento, os líderes dos projetos fizeram apresentações rápidas de suas iniciativas, os chamados pitchs, que foram lançadas na plataforma de crowdfunding Benfeitoria, que arrecada recursos para iniciativas de impacto cultural, social, econômico e ambiental, pela internet. Todos têm até o fim de julho para captar a quantia necessária para desenvolver seus projetos.

Hoje, as grávidas que atendo na hora do parto nem sabem o que é uma doula. Até pouco tempo, nem eu sabia sobre parto humanizado. Precisamos disseminar isso

As ideias valem o investimento. Para o Alemão, por exemplo, a assistente social e técnica em enfermagem Camilla Habdallah criou o Projeto Maternidade Consciente, com o objetivo de contribuir para a redução da violência obstétrica e debater questões sobre gênero e sexualidade, incluindo gravidez precoce e desigualdade. “Já tinha esse plano desde 2015, quando terminei a faculdade de assistência social na PUC,  onde estudei como bolsista. Também me formei doula e trabalho como voluntária numa maternidade pública”, conta ela, que tem 27 anos, faz pós-graduação em gênero, sexualidade e direitos humanos, e mora em Campo Grande.

“Pretendo começar a desenvolver o projeto no Morro do Alemão porque já tenho contatos com líderes comunitários de lá. As comunidades são as que mais precisam de um serviço como este. A gente tem que expandir essa rede”, explica Camilla, que já conseguiu algumas parcerias, como com uma clínica da família. Elas já são três doulas lá. O próximo passo é captar recursos para formar nova turma de mulheres para o trabalho. “Hoje, as grávidas que atendo na hora do parto nem sabem o que é uma doula. Até pouco tempo, nem eu sabia sobre parto humanizado. Precisamos disseminar isso”, diz a jovem empreendedora. “Também pretendo ter um parto domiciliar, quando engravidar, mas já me sinto mãe deste projeto, porque eu o gestei”.

Gilson  Vieira: projeto, no Engenho da Rainha, em parceria com artesãos e empresas. Foto: Divulgação

As comunidades são férteis em projetos. Em Bangu, Allan Pierre trabalha para levar arte, cultura e horta orgânica para uma comunidade de 20 mil moradores, que poderá ter uma alimentação mais consciente e aprender a fazer uso de resíduos orgânicos. Na Cidade de Deus, Danielle Oliveira busca promover cultura e alimentação saudável, com uma receita que mistura, em eventos semanais ou mensais, shows, expositores de artesanato, alimentação orgânica e vegana e mostras de artistas pouco conhecidos, como grafiteiros, tatuadores, poetas e atores locais. Em Catiri, Jéssica Castro está implementando um curso preparatório para concursos e vestibular. Já em Engenho da Rainha, Gilson Vieira, o Gil Santuá, faz parceiras com artesãs e artesãos de comunidades carentes e utiliza resíduos têxteis de grandes e pequenas empresas como matéria prima para produtos como roupas, bolsas e objetos, com crochê, bordados e macramê. O projeto, segundo ele, resgata saberes da cultura regional e popular e revindica a  “redução da desigualdade social LGBT”.

No início de agosto, começa oficialmente o período de incubação, que vai durar três meses. Nessa fase, os líderes dos projetos participarão de workshops com os mentores, sobre vários temas – questões jurídicas, design de produtos e  serviços, comunicação e marketing, além de plano de negócios. Em setembro, os projetos serão apresentados para uma banca de especialistas e investidores. Os que tiverem viabilidade econômica e impacto social receberão um capital, chamado de investimento semente, para o protótipo. Está previsto um novo evento, que marcará a entrada dos projetos no mercado, com marca e identidade visual. “Dez por cento do arrecadado por projeto tem que ser usado para mobilizar a comunidade. Se a meta é R$ 3 mil, R$ 300 são para a comunidade. Isso porque nãoqueremos ficar no assistencialismo, com eles apenas recebendo, sem contribuir. Queremos desenvolver mentes empreendedoras”, defende Maurício, acrescentando que os projetos podem ter uma importância significativa em suas comunidades, mas precisam de mais planejamento e investimentos para crescer.

Para ajudar nisso, a Ecozen já tem uma equipe de 56 mentores cadastrados, de várias especialidades. Eles vão orientar esses grupos, com o objetivo de fortalecê-los.”Geralmente, os projetos nas comunidades são ligados a artes, cultura e esportes. Nossa proposta é sair desse lugar comum, investindo no social. Queremos deixar um legado para a sociedade. Todos os cinco projetos selecionados, num total de 17,  são qualitativamente surpreendentes”, atesta.

Paula Autran e Reneé Rocha

Paula Autran e Reneé Rocha se completam. No trabalho e na vida. Juntos, têm umas quatro décadas de jornalismo. Ela, no texto, trabalhou no Globo por 17 anos, depois de passar por Jornal do Brasil, O Dia e Revista Veja, sempre cobrindo a cidade do Rio. Ele, nas imagens (paradas ou em movimento), há 20 anos bate ponto no Globo. O melhor desta parceria nasceu no mesmo dia que o #Colabora: 3 de novembro de 2015. Chama-se Pedro, e veio fazer par com a irmã, Maria.

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