Podcast indígena para não indígenas

Celia Xakriabá, Letícia Leite e Tukumã Pataxó, trio do podcast Papo de Parente. (Fotos: Divulgação)

Transitando entre tradições e modernidade, os influenciadores Célia Xakriabá e Tukumã Pataxó apresentam Papo de Parente, no GloboPlay

Por Liana Melo | ODS 16 • Publicada em 22 de outubro de 2021 - 08:36 • Atualizada em 1 de novembro de 2021 - 01:03

Celia Xakriabá, Letícia Leite e Tukumã Pataxó, trio do podcast Papo de Parente. (Fotos: Divulgação)

Eles não estão parados no tempo, como se fossem peças de museu. Disputam espaços e narrativas para provar que antes mesmo do Brasil da Coroa – numa referência à chegada dos portugueses – já existia o país do cocar. Transitando com desenvoltura entre as tradições e a modernidade, os indígenas do século 21 usam e abusam das tecnologias digitais. Não é um processo de aculturação, como alguns ainda pensam. É justamente o contrário. Como influenciadores digitais, lançam mão das redes sociais para contrapor estereótipos, preconceitos e racismo.

Leu essa? Aplicativo para demarcar território

Dos territórios para a web, “Papo de parente” é o primeiro podcast indígena da GloboPlay e é lá, no espaço virtual, que Célia Xakriabá e Tukumã Pataxó apropriaram-se do veículo de mídia para reivindicar seus direitos, reafirmar suas identidades e levar para o ciberespaço sua luta e resistência. “É pelo corpo indígena, pelo pensamento indígena, pelas vozes indígenas que descolonizamos nosso olhar”, responde Célia, quando questionada sobre as velhas questões que ainda permeiam o imaginário coletivo em relação aos povos indígenas.

Ela e Tukumã são jovens lideranças indígenas e influenciadores de peso – cada um deles com pouco mais de cem mil seguidores nas redes sociais. São eles quem comandam o programa da plataforma. A cada semana, os dois falam sobre cultura indígena por meio da agricultura, culinária, política, literatura, educação, festas, medicina e esportes tradicionais. Perguntas como se “deixamos de ser indígenas quando acessamos o mundo e outras coisas fora do território” ou “como alguém pode ser tornar indígena” ou, ainda, “quem é indígena no Brasil” são alguns dos questionamentos recorrentes que recebem nas redes sociais.

Nos bastidores do podcast está Letícia Leite, jornalista e pesquisadora de novas tecnologias usadas pela juventude indígena desde 2016 e que idealizou, há alguns anos, “Copiô, Parente?!” – o primeiro podcast feito para povos indígenas no Brasil, do Instituto Socioambiental (ISA). “Papo de parente” é uma realização da sua produtora, o Vem de Áudio.

Para o conteúdo em áudio digital da GloboPlay, Letícia convidou Célia, que chamou Tukumã. As escolhas foram certeiras. Educadora e liderança indígena do povo Xakriabá, de Minas Gerais, Célia conversa com os ouvintes do podcast – o programa é estruturado como uma caixinha de perguntas, onde artistas e celebridades trazem dúvidas e curiosidades à apresentadora.

A culinária tradicional indígena alimenta nosso espírito e depois o nosso corpo

Tukumã, por sua vez, é da aldeia Coroa Vermelha, no sul da Bahia, estudante de gastronomia na Universidade Federal da Bahia (UFBA) – ele é o único aluno indígena da turma – e comanda o quatro “Receitas da terra”. “A culinária tradicional indígena alimenta nosso espírito e depois o nosso corpo”, defende, comentando que a alimentação no contexto indígena vai além do ato de se alimentar.

Em um dos episódios, a deputada Federal Joênia Wapichana (Rede/ Roraima) ensinou uma receita típica do seu povo: a damurida. Tukumã dá receitas de chás, banhos de ervas e até uma cerveja ancestral, feita a base de mandioca. É através de um neologismo, “saborania”, uma palavra criada a partir da junção de saberes e sabores, que Célia lança mão para falar sobre o tema culinária indígena: “Não teremos futuro, se não tivermos semente; não teremos semente, se não tivermos território”.

Estruturado em duas temporadas, cada uma delas com quatro episódios, “Papo de parente” já recebeu os cantores e compositores Caetano Veloso e Lenine, a atriz Letícia Sabatella, o BBB Lucas Penteado, a jornalista Sônia Bridi. Por ser atemporal, questões como garimpo em terra indígena, Marco Temporal – tese que defende que os indígenas só podem reivindica as áreas que eram ocupadas por eles antes da data de promulgação da Constituição Federal, em outubro de 1988 – agressões e outros temas que colocam em xeque a sobrevivência desses povos não são discutidas diretamente no programa.

Nós precisamos descolonizar o pensamento e a escuta. Então vamos descolonizar a partir do ouvido? Vamos fazer escuta sensível?

Mas, como defende Célia, “demarcar território não é um bem somente prestado a nós povos indígenas. Mas nós queremos também demarcar múltiplos territórios, o território do pensar, o território do narrar.  Nós precisamos descolonizar o pensamento e a escuta. Então vamos descolonizar a partir do ouvido? Vamos fazer escuta sensível?

Liana Melo

Formada em Jornalismo pela Escola de Comunicação da UFRJ. Especializada em Economia e Meio Ambiente, trabalhou nos jornais “Folha de S.Paulo”, “O Globo”, “Jornal do Brasil”, “O Dia” e na revista “IstoÉ”. Ganhou o 5º Prêmio Imprensa Embratel com a série de reportagens “Máfia dos fiscais”, publicada pela “IstoÉ”. Tem MBA em Responsabilidade Social e Terceiro Setor pela Faculdade de Economia da UFRJ. Foi editora do “Blog Verde”, sobre notícias ambientais no jornal “O Globo”, e da revista “Amanhã”, no mesmo jornal – uma publicação semanal sobre sustentabilidade. Atualmente é repórter e editora do Projeto #Colabora.

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Um comentário em “Podcast indígena para não indígenas

  1. José Luis Mattos Pimenta disse:

    Bn. Meu nome é Jose Luís Mattos Pimenta e possuo uma ONG, Organização Aloysio Mattos Pimenta, para atuar na áreasocio ambiental e preservação do meio ambiente.
    Estou formatando um site para minha ONG e nele gostaria de postar vídeos e conteúdo de vcs.
    Gostaria de sua autorizacao , lembrando que sua empresa será colocada crédito de sua autoria.

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