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Os quatro da Candelária ainda estão aqui

Série recém-lançada pela Netflix revive chacina de crianças e adolescentes ocorrida no Centro do Rio em 1993 e lembra que a legião de moradores em situação de rua continua à mercê da violência

ODS 16 • Publicada em 22 de novembro de 2024 - 09:08 • Atualizada em 22 de novembro de 2024 - 11:39

Na contramão do que muitos fariam durante um feriado prolongado, tomei o controle remoto e desviando das obras natalinas já em grande escala no streaming, rumei para uma história menos festiva: a que dá a dimensão, dramaturgicamente, sobre uma chaga brasileira, a Chacina da Candelária.

Em ‘Os quatro da Candelária’, série recém-lançada no Netflix, pude vivenciar um período que ouvi contarem e estudei na escola: meninos como eu – negros e periféricos – foram mortos pela truculência de um Estado preparado pro ataque, pronto para atirar. E que fez da data de 23 de julho de 1993 um símbolo de resistência e luta pelas crianças e jovens em situação de rua:  naquela noite, oito pessoas foram assassinadas a tiros enquanto dormiam na calçada, perto de uma das igrejas mais famosas da cidade, por três policiais militares e um ex-PM.

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Sentar em frente à tela, 31 anos depois do massacre, na proximidade do Dia da Consciência Negra, me deu a certeza de que não avançamos. No primeiro semestre de 2024, dados do Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania (MDHC) apontaram um aumento de 24% nas suspeitas de violência contra pessoas em situação de rua, sendo São Paulo e Rio de Janeiro os estados líderes do ranking no país. O estado fluminense – local da chacina – está em segundo lugar com 696 suspeitas de violação, seguindo São Paulo, na primeira posição, com 1.964 casos.

Os atores de Os Quatro da Candelária - Andrei Marques (Jesus), Wendy Queiroz (Pipoca), Patrick Congo (Sete) e Samuel Silva (Douglas) - em frente à igreja: 31 anos depois da chacina, crianças e adolescentes em situação de rua continuam à mercê da violência (Foto: Netflix / Divulgação)
Os atores de Os Quatro da Candelária – Andrei Marques (Jesus), Wendy Queiroz (Pipoca), Patrick Congo (Sete) e Samuel Silva (Douglas) – em frente à igreja: 31 anos depois da chacina, crianças e adolescentes em situação de rua continuam à mercê da violência (Foto: Netflix / Divulgação)

Das violações mais denunciadas, violência física – falta de acesso à saúde, maus tratos, abandono e agressão física – e psíquica – a exemplo de tortura e constrangimento. 

Isso tudo em um cenário em que também está presente a subnotificação, que mascara a verdadeira realidade de quem sobrevive debaixo das marquises, fazendo de moradas calçadas e também escadarias, praças e túneis, sem saber ao certo se pode fechar os olhos para dormir sem perigo. Como acreditavam Jesus, Douglas, Sete e Pipoca, personagens da série (vividos, respectivamente por Andrei Marques, Samuel Silva, Patrick Congo e Wendy Queiroz)

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Assistir a obra criada por Luis Lomenha e dirigida por Márcia Faria (produzida pela Kromaki com a Jabuti Filmes), longe do esgarçamento do gênero do true crime, faz quem vê se sentir tocado mesmo não vivendo ‘aquela realidade’. Em ‘Os quatro da Candelária’, há humanidade e leveza, atravessadas por dor e sofrimento. E, mesmo quando não parece, há esperança. 

Ali, se fala, sobretudo, de sonhos. De continuidade de vida, com ela sendo digna e possível. Para todos. E para quem mais deveria ser: às crianças.

No dia seguinte ao maratonar dos episódios, voltando pra casa de um trabalho, passei pela locação da série e uma das regiões do Rio. Da janela do ônibus, vi adolescentes e mais ‘pequenos’ perambulando por lá.

Os quatro ainda estão lá, e não só eles, tantos outros. 

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