Mundurukus fazem carta para exigir fechamento de garimpos ilegais

Garimpo ilegal na terra indígena Munduruku no sudoeste do Pará: extração de minérios preciosos deixa rastro de destruição na Amazônia (Foto: Marcos Amend/Greenpeace)

Indígenas refutam declarações do ministro do Meio Ambiente e pedem retomada das operações para reprimir mineração em seus territórios no Pará

Por Oscar Valporto | ODS 15ODS 16 • Publicada em 3 de setembro de 2020 - 09:00 • Atualizada em 15 de setembro de 2020 - 09:43

Garimpo ilegal na terra indígena Munduruku no sudoeste do Pará: extração de minérios preciosos deixa rastro de destruição na Amazônia (Foto: Marcos Amend/Greenpeace)

Após dois dias de reuniões, caciques e outras lideranças do povo indígena Munduruku entregaram carta ao Ministério Público Federal (MPF) em que exigem “a execução urgente da operação para fechar todos os focos de garimpo”, em seus territórios, no sudoeste do Pará. De acordo com o documento,  a invasão de garimpos vem se expandindo, provocando severos danos ambientais e levando os tráficos de drogas e de armas e a prostituição para muito perto das aldeias. “O território que pela Constituição deveria ser de usufruto exclusivo dos Munduruku está servindo para o lucro de pessoas de fora da terra indígena”, disse Ademir Kaba Mundukuru, coordenador da associação DA’UK, na reunião na sede do MPF na região, onde a carta foi entregue pelas lideranças indígenas a procuradores.

Na carta, os indígenas relatam que promoveram encontro de emergência em 20 e 21 de agosto – com a presença de caciques, guerreiros, professores e representantes de associações – após a visita do ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, à cidade de Jacareacanga, quando ele conversou com garimpeiros ilegais e apoiou publicamente a atividade. O apoio do ministro, segundo os Munduruku, aumentou a insegurança das lideranças que se opõem ao garimpo, com aumento das ameaças de morte. Mesmo assim, a carta pedindo o fechamento dos garimpos foi aprovada por unanimidade no encontro indígena.

De acordo com o Ministério Pùblico Federal no Pará, os indígenas temem emboscadas e assassinatos. “Existem pessoas fora da terra indígena investindo para aliciar lideranças e ameaçar as que resistem. A ida do ministro Ricardo Salles fez com que os garimpeiros se sentissem muito protegidos. Ficaram mais ousados. Agora temos garimpeiros e quadrilhas que agem ilegalmente nos territórios se sentindo protegidos pelo governo brasileiro”, afirmou um dos líderes indígenas durante a reunião com os procuradores.

O Estado de Direito tem que ser restabelecido na TI Munduruku e em todas que são atacadas pelo garimpo ilegal na Amazônia. Nosso papel institucional é avançar nessa pauta e conseguir apresentar resultados de proteção das comunidades indígenas

Estavam presentes a procuradora Eliana Torelly, coordenadora da Câmara de Populações Indígenas e Povos Tradicionais do MPF, Felício Pontes, da Procuradoria Regional da República da 1ª Região, a procuradora Ana Carolina Haliuc Bragança, coordenadora da Força-Tarefa Amazônia do MPF e  procuradores da República que atuam em Itaituba, Paulo de Tarso Moreira de Oliveira e Gabriel Dalla Favera de Oliveira. A juíza federal Sandra Maria Correia da Silva, de Itaituba, também ouviu os relatos dos indígenas.

O procurador Paulo de Tarso Moreira de Oliveira – responsável pela abertura de investigação sobre o uso de um avião da Força Aérea Brasileira (FAB) para transportar indígenas que foram aliciados para defender o garimpo ilegal até Brasília – recebeu a carta dos Munduruku e a chamou de ato de coragem, diante das ameaças de morte que as lideranças enfrentam. “Sei que o momento é difícil, é tenso, e que vocês estão aqui em um ato de coragem. É um problema que não vai se debelar com operações pontuais, é preciso avançar numa compreensão de como se organizam esses criminosos, para um combate eficaz. E é preciso afastar essas intervenções da política em uma questão que não é de governo, é de Estado, porque a proteção das terras indígenas e do meio ambiente são mandamentos constitucionais e não podem depender de um ou outro governo”, disse o procurador na reunião.

As lideranças indígenas refutam declarações de Salles que, em entrevistas, disse que os próprios indígenas queriam o garimpo em seus territórios.  “Quando a operação de fiscalização foi cancelada, foi dito pelo ministro que o povo Munduruku tinha pedido a suspensão da operação. Isso não é verdade. Foram sete mundurukus ligados ao garimpo para Brasília: eles não nos representam, não representam o povo Munduruku. A gente se sentiu ameaçado e, por isso, tivemos que agendar uma reunião emergencial para definir qual caminho iríamos tomar contra essa situação. Bebida alcoólica, tráfico de drogas, tudo isso entra na terra indígena por causa dos garimpos. O que encaminhamos sobre o garimpo, ouvimos todos os caciques e foi unânime, é que todos os garimpos devem ser fechados”, afirmou Ademir Kaba Munduruku.

Na primeira semana de agosto, o ministro Ricardo Salles desembarcou em Jacareacanga, com o objetivo anunciado de acompanhar uma operação contra a extração ilegal de ouro da terra Munduruku. Foi recebido por um protesto de garimpeiros ilegais que pediam suspensão das ações do Ibama na área. O ministro ouviu as queixas dos garimpeiros, inclusive alguns indígenas, e fez acenos simpáticos à atividade. ““Os indígenas têm o direito de escolher como querem viver. Têm direito de escolher fazer várias atividades, dentre elas o garimpo”, disse Salles. Após este encontro, sete garimpeiros indígenas foram a Brasília em avião da FAB.

Na carta, os indígenas negam legitimidade ao grupo.  “Eles não têm autoridade nem legitimidade para falar em nome do povo Munduruku nem nos representar. São apenas lideranças pró-garimpo que se intitulam como lideranças para defender as atividades do garimpo e seus interesses escusos”, afirma o documento, entregue ao MPF na presença de representantes da Aeronáutica, do Sistema de Proteção da Amazônia (Sipam), da Fundação Nacional do Índio (Funai), da Polícia Federal e do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama).

A procuradora Ana Carolina Haliuc Bragança, da Força-Tarefa Amazônia, explicou a obrigação constitucional do MPF de avançar em ações e operações que efetivamente reduzam o problema da garimpagem ilegal. “É um modelo predatório que não produz desenvolvimento, não produz riquezas. O que acontece hoje na Terra Indígena Munduruku é exemplar da crise existencial que vivemos enquanto sociedade, ao permitir a dilapidação do meio ambiente que garante a vida a todos, pelo lucro de poucos. O Estado de Direito tem que ser restabelecido na TI Munduruku e em todas que são atacadas pelo garimpo ilegal na Amazônia. Nosso papel institucional na Força-Tarefa é avançar nessa pauta e conseguir apresentar resultados de proteção das comunidades indígenas”, disse.

O procurador Paulo de Tarso Moreira de Oliveira garantiu que o MPF acompanha com preocupação a invasão de garimpeiros na terra indígena. “O garimpo não gera lucros para a maioria dos indígenas, não é desejado pela maioria dos indígenas e, pelo contrário, é repudiado pela maioria. Na operação Bezerro de Ouro (operação da PF na mesma semana em que o governo cancelou operação do Ibama contra os garimpos ilegais) ficou claro que um pequeno grupo recebe para permitir a invasão de garimpeiros na terra indígena. O aeródromo de Jacareacanga virou terra de ninguém, não tem soberania do Estado brasileiro e tem sido palco de ações desses grupos minoritários que oprimem e ameaçam os indígenas Munduruku”, disse o procurador.

Também presente à reunião, o ativista Danicley Aguiar, do Greenpeace, que acompanha a situação dos garimpo nos territórios do povo Munduruku, definiu a situação dos garimpos ilegais na Amazônia como um desafio civilizatório. “Um dos povos mais organizados e com maior capacidade de resposta política da Amazônia, os Munduruku estão pedindo socorro. Há uma epidemia de garimpo e o vale do Tapajós é o epicentro dessa epidemia. O crime ambiental é agora crime organizado, porque, onde há a invasão de garimpo, há também tráfico de drogas e de armas. Contamos oito prostíbulos dentro do território, onde existem mais de 100 máquinas pesadas cavando buracos para os garimpos”, afirmou Aguiar.

Oscar Valporto

Oscar Valporto é carioca e jornalista – carioca de mar e bar, de samba e futebol; jornalista, desde 1981, no Jornal do Brasil, O Globo, O Dia, no Governo do Rio, no Viva Rio, no Comitê Olímpico Brasileiro. Voltou ao Rio, em 2016, após oito anos no Correio* (Salvador, Bahia), onde foi editor executivo e editor-chefe. Contribui com o #Colabora desde sua fundação e, desde 2019, é um dos editores do site onde também pública as crônicas #RioéRua, sobre suas andanças pela cidade

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