Migração venezuelana sob outro olhar

Alyannis Villaravid posa para foto do projeto Estórias Migrantes: no Brasil há seis meses, ela sente o preconceito com os venezuelanos e pessoas com deficiência – e diz estar pronta para combater os dois (Foto: Fabricio Carrijo)

Projeto Estórias Migrantes, da UFRR, aposta na fotografia para sensibilizar brasileiros sobre a situação de migrantes e refugiados

Por Mariana Vieira | ODS 16ODS 4 • Publicada em 24 de novembro de 2019 - 10:10 • Atualizada em 24 de novembro de 2019 - 12:57

Alyannis Villaravid posa para foto do projeto Estórias Migrantes: no Brasil há seis meses, ela sente o preconceito com os venezuelanos e pessoas com deficiência – e diz estar pronta para combater os dois (Foto: Fabricio Carrijo)
Alyannis Villaravid posa para foto do projeto Estórias Migrantes: no Brasil há seis meses, ela sente o preconceito com os venezuelanos e pessoas com deficiência - e diz estar pronta para combater os dois (Foto: Fabricio Carrijo)
Alyannis Villaravid posa para foto do projeto Estórias Migrantes: no Brasil há seis meses, ela sente o preconceito com os venezuelanos e pessoas com deficiência – e diz estar pronta para combater os dois (Foto: Fabricio Carrijo)

Aliannys Villaravid, mais conhecida como Ali, é uma mulher independente, comunicativa, trabalhadora e bem humorada. Tem 21 anos e dois grandes sonhos: o primeiro, comprar uma prótese de pernas para que possa caminhar. O segundo já faz parte de seu dia a dia: mostrar, em seu trabalho como modelo, que ninguém precisa seguir padrões para ser bonita. Ela é venezuelana e mora há seis meses no Brasil.

A nacionalidade veio no final do parágrafo de propósito. Ali lamenta, mas sabe que quando o país de origem vem primeiro é difícil desconstruir o preconceito. “Muitas opiniões são formadas por medo, falta de informação ou por uma experiência negativa que os brasileiros tiveram. Existem pessoas ruins, mas há venezuelanos como eu que são pessoas muito trabalhadoras, que querem contribuir com o Brasil” defende Ali, melhorando a cada dia a prática na língua portuguesa.

Leia todas as reportagens da série #100diasdebalbúrdiafederal

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Notamos muitas coisas nas entrevistas que, às vezes, passam despercebidas. Um momento muito marcante foi com uma entrevistada ao comentar que um dos anseios que ela tem é morar num lugar onde ela tenha o próprio banheiro, algo que sequer paramos para pensar a respeito

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As fotos que ilustram esta reportagem são da primeira experiência de Ali como modelo no Brasil. Quem a fotografou foi Fabricio Carrijo, professor do curso de Relações Internacionais da Universidade Federal de Roraima (UFRR). Desde que se mudou para Boa Vista, em fevereiro de 2018, Fabricio percebeu a intensa xenofobia na região e decidiu agir da forma que podia para combatê-la. Amante da fotografia, começou a entrevistar moradores de abrigos para conhecer melhor suas histórias e fazer registros fotográficos de cada um – não apenas de quem trabalha como modelo, claro. Assim surgiu o Estórias Migrantes, projeto que reúne em site e no Instagram uma série de textos e imagens sobre pessoas com gostos, opiniões e sonhos, independentemente da nacionalidade.

O professor revela que o contato com visões de mundo de pessoas em vulnerabilidade tem sido surpreendente. “Notamos muitas coisas que às vezes passam despercebidas. Um momento muito marcante foi com uma entrevistada ao comentar que um dos anseios que ela tem é morar num lugar onde ela tenha o próprio banheiro, algo que sequer paramos para pensar a respeito”, reflete.

As estudantes Ana Clara Bernardes e Amanda Barros, integrantes do projeto, entrevistam venezuelana: projeto já fez entrevistas com mais de 50 migrantes e refugiados (Foto: Suedy Lorenna)

A equipe é composta por três professores e seis alunas das áreas de Direito, Relações Internacionais e Arquitetura, divididos entre os trabalhos de entrevista, fotografia e redação de texto. O site foi fundado há três meses, mas as atividades ocorrem desde 2018. Até hoje, foram mais de 50 entrevistas com migrantes e refugiados, duas exposições fotográficas realizadas e 16 relatos publicados, tudo para que o Estórias Migrantes dê rosto, nome e sobrenome a pessoas que dificilmente são apresentadas fora do contexto político e econômico de seu país. Afinal, é isso que mais de 212 mil migrantes e refugiados venezuelanos atualmente no Brasil – segundo a plataforma R4V -, assim como Ali, estão buscando deixar para trás.

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Sinto falta da minha casa, da minha cultura, mas preciso me estabelecer no Brasil, ter minhas coisas. Vou continuar por aqui, comprar minha prótese, trabalhar como modelo para quebrar os tabus da modelo perfeita

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Ali e o namorado foram acolhidos no abrigo Jardim Floresta depois de quinze dias em situação de rua em Boa Vista. Atualmente, ela trabalha como assistente educacional no Pirilampos, projeto que realiza ações lúdicas e educativas para a comunidade venezuelana. Depois de ganhar o primeiro salário, Ali trouxe a mãe e dois irmãos para o Brasil. A barraca no abrigo é dividida entre os cinco.

Integrante do projeto Estórias Migrantes com crianças venezuelanas em abrigo de Boa Vista: equipe compartilha experiências com a comunidade de migrantes (Foto: Kataryna Górka)

Foi lá que Ali conheceu Fabricio e foi convidada a contar sua história. Ao percorrer ruas e abrigos, a equipe do projeto se surpreende com a receptividade dos venezuelanos à iniciativa. Hoje em dia, quando chegam para fazer entrevistas e fotografias muitos se aproximam e pedem para compartilhar suas histórias. Ana Clara Bernardes, estudante de relações internacionais, é uma das integrantes do projeto e já conduziu diversas entrevistas. “Como estudante, eu conhecia a situação venezuelana apenas no campo teórico. Estar em contato com essas pessoas mudou tudo. Todos têm experiências e palavras de sabedoria valiosas para compartilhar”, conta.

O coordenador do projeto reforça que a falta de contato com os venezuelanos não possibilita entender também o que essas pessoas têm a contribuir conosco. Ana Clara e Fabricio já conheceram professores, músicos, administradores, técnicos em computação e observam um potencial que é, muitas vezes, ignorado.

“Precisamos lembrar que outro também é digno de acolhimento e principalmente, diálogo. O movimento migratório não pode ser visto apenas como problema, mas também como oportunidade”, destaca Fabricio. Ali concorda: “O projeto pode ajudar muitas pessoas a mudar de pensamento e da forma que nos veem. Precisamos acabar com muitas opiniões erradas, mostrar que nem todo mundo é igual”.

O Estórias Migrantes é um projeto de extensão da UFRR. Para a estudante Ana Clara, isso significa ver a universidade cumprir seu papel. “A extensão existe para dialogar e contribuir com a sociedade. Percebo que estamos ajudando a desconstruir preconceitos e sensibilizar as pessoas ao nosso redor. Eu quero que mais pessoas tenham a visão que eu tenho hoje para agir a respeito desse problema”.

A venezuelana Ali Del Valle e sua família fotografadas em abrigo de Boa Vista: esperança de dias melhores (Foto: Fabrício Carrijo)

O projeto ainda planeja exposições fotográficas, palestras de conscientização e a publicação de um livro com fotografias e depoimentos dos entrevistados. Para despertar a empatia, o projeto aposta na disseminação de narrativas que expliquem as motivações particulares dos personagens ao vir para o Brasil. As histórias dos migrantes podem ser uma ferramenta de educação para a paz em escolas, universidades, órgãos públicos ou em qualquer lugar onde as pessoas estejam dispostas a ver e ouvir a comunidade venezuelana.

Enquanto isso, a modelo Ali planeja treinar o português, cuidar da família e trabalhar para construir um futuro com o namorado no Brasil. “Sinto falta da minha casa, da minha cultura, mas preciso me estabelecer, ter minhas coisas. Vou continuar por aqui, comprar minha prótese, trabalhar como modelo para quebrar os tabus da modelo perfeita”. Parece que a Ali e o Estórias Migrantes, afinal, estão unidos por uma certeza: uma boa mensagem passada por uma fotografia pode mudar tudo.

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A série #100diasdebalbúrdiafederal terminou, mas o #Colabora vai continuar publicando reportagens para deixar sempre bem claro que pesquisa não é balbúrdia.

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Mariana Vieira

Graduanda em jornalismo na Universidade Federal do Pará e estagiária no escritório do Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF), com passagem pela TV Cultura e assessorias de comunicação institucional. Conta histórias sobre desigualdade social, direitos humanos, ciência e meio ambiente. Apaixonada por empreendedorismo social e pela Amazônia, anda por aí filmando e fotografando pra ver no que dá.

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