Justiça britânica condena mineradora por tragédia ambiental de Mariana

Decisão determina que BHP pague indenização, que pode chegar a R$ 250 bilhões, às vítimas de rompimento de barragem; empresa diz que vai recorrer

Por Oscar Valporto | ODS 16
Publicada em 14 de novembro de 2025 - 12:20  -  Atualizada em 14 de novembro de 2025 - 12:59
Tempo de leitura: 7 min

O distrito de Bento Rodrigues, em Mariana, devastado pela lama da barragem: justiça britânica condena mineradora por desastre ambiental (Foto: Antônio Cruz / Agência Brasil – 09/11/2015)

A Justiça da Inglaterra decidiu que a mineradora BHP é culpada pelo rompimento da barragem de Fundão, em Mariana (MG), maior desastre ambiental da história do Brasil, que deixou 19 mortos em 2015. Divulgada nesta sexta-feira (14/11), a decisão histórica afirma que a mineradora tinha conhecimento do risco de ruptura muito antes do colapso e deixou de adotar as medidas necessárias para evitar a tragédia socioambiental. A britânica BHP e a brasileira Vale são as proprietárias da Samarco, que operava a barragem.

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A sentença representa um marco para as vítimas, que há dez anos buscam a responsabilização efetiva das empresas envolvidas no desastre. O anúncio da condenação da mineradora foi feito pelo Tribunal Superior de Londres, mas ainda não foi divulgado o valor a ser pago. Isso acontecerá numa nova etapa do julgamento, que irá determinar quais pessoas poderão ser indenizadas e os valores. A BHP já informou que recorrerá da decisão.

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O rompimento da barragem em Mariana, em Minas Gerais, provocou o derramamento de aproximadamente 40 milhões de metros cúbicos de rejeitos de mineração, destruiu comunidades e modos de sobrevivência. A lama contaminou o Rio Doce e afluentes e chegou ao Oceano Atlântico, no Espírito Santo. Ao todo, 19 pessoas morreram e 49 municípios foram atingidos, direta ou indiretamente.

Cerca de 620 mil pessoas participam do processo contra a mineradora no Reino Unido, além de duas mil empresas e 31 municípios – tornando essa a maior ação coletiva ambiental da história da Justiça inglesa. O valor pedido de indenização já chegou a ser estimado em 36 bilhões de libras (R$ 250 bilhões) – o que seria o maior valor da história da Justiça na Inglaterra e uma das maiores do mundo.

A ação coletiva é conduzida pelo escritório internacional Pogust Goodhead, representando milhares de atingidos, que acionaram a BHP em jurisdição para a qual a mineradora envia lucros obtidos com a extração de minério no Brasil. “Esta é a primeira decisão no caso a declarar formalmente a responsabilidade de uma das corporações envolvidas e constitui um avanço notável para a justiça ambiental global”, afirmou o escritório em nota, acrescentando que “a juíza Finola O’Farrell rejeitou as tentativas da BHP de limitar sua responsabilidade e autorizou o avanço do processo para a fase de avaliação dos danos, com base na legislação ambiental e no Código Civil brasileiros”.

A BHP emitiu nota na em que afirma que pretende recorrer da decisão e que continuará a se defender na ação coletiva movida no Reino Unido. A empresa avalia que a ação no Reino Unido duplica as medidas de reparação e indenização já realizadas no Brasil. “Mais de 610.000 pessoas já foram indenizadas no Brasil, incluindo aproximadamente 240.000 requerentes da ação coletiva no Reino Unido que concederam quitação de suas reivindicações relacionadas. A decisão da Alta Corte da Inglaterra confirma a validade dessas quitações, o que deve reduzir o tamanho e o valor das reivindicações na ação coletiva do Reino Unido”, diz a nota.

No Brasil, até hoje, ninguém foi condenado pela tragédia. A Justiça Federal chegou a absolver a Samarco, Vale, BHP e ex-funcionários em 2024, mas o Ministério Público Federal recorreu da decisão: o processo está em andamento no Tribunal Regional Federal da 6ª Região, em Belo Horizonte. No recurso, o procurador da República Eduardo Henrique de Almeida Aguiar defende que as omissões de todos aumentaram o risco da operação da barragem, e que “grandes crimes ambientais não ocorrem pela conduta de uma única pessoa, mas, sim, pela atuação de uma complexa estrutura organizacional”.

Além da condenação da mineradora Samarco e suas acionistas, Vale e BHP, e da consultoria VogBR, que atestou a estabilidade da estrutura da barragem, o Ministério Público Federal pede a responsabilização de Ricardo Vescovi (diretor-presidente da Samarco à época do desastre), de Kleber Terra (diretor de operações e infraestrutura da Samarco), dos gerentes operacionais da mineradora Germano Lopes, Wagner Alves e Daviély Silva (gerente operacional da Samarco) e do engenheiro da VogBR Samuel Paes Loures. Paralelo a este processo, no fim de 2024, foi firmado um acordo de R$ 170 bilhões entre a Vale, BHP e Samarco com autoridades federais e estaduais de Minas Gerais e Espírito Santo para reparação dos danos causados pelo rompimento da barragem de Fundão, em Mariana.

Vítimas da tragédia de Mariana festejaram a condenação da mineradora BHP e reclamaram da impunidade no Brasil. “Finalmente, a justiça começou a ser feita, e os responsáveis foram responsabilizados por destruir nossas vidas. A decisão da juíza mostra o que temos dito nos últimos 10 anos: não foi um acidente, e a BHP deve assumir a responsabilidade por suas ações”, disse Gelvana Rodrigues da Silva, que perdeu seu filho de sete anos, Thiago, no desastre, em nota divulgada pelos advogados.

“Tivemos que atravessar o Oceano Atlântico e ir até a Inglaterra para finalmente ver uma mineradora ser responsabilizada. Essa vitória dá esperança a todos nós que fomos afetados, especialmente às famílias das vítimas falecidas e dos mais de 80 moradores de Bento Rodrigues que morreram sem receber suas novas casas”, adicionou Mônica dos Santos, membro da Comissão dos Atingidos pela Barragem do Fundão e do grupo de moradores Loucos por Bento.

Oscar Valporto

Oscar Valporto é carioca e jornalista – carioca de mar e bar, de samba e futebol; jornalista, desde 1981, no Jornal do Brasil, O Globo, O Dia, no Governo do Rio, no Viva Rio, no Comitê Olímpico Brasileiro. Voltou ao Rio, em 2016, após oito anos no Correio* (Salvador, Bahia), onde foi editor executivo e editor-chefe. Contribui com o #Colabora desde sua fundação e, desde 2019, é um dos editores do site onde também pública as crônicas #RioéRua, sobre suas andanças pela cidade

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