Julgamento de Bolsonaro: ações e omissões do governo violaram leis ambientais

Uma lista de atentados contra o clima, as florestas e os povos indígenas, que poderiam ser enquadrados como crimes, durante a gestão do ex-presidente

Por Observatório do Clima | ODS 16
Publicada em 3 de setembro de 2025 - 19:26  -  Atualizada em 3 de setembro de 2025 - 19:31
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O ex-presidente Jair Bolsonaro em pronunciamento em Brasília após virar réu no STF: governo de ações e omissões que infringiram legislação ambiental (Foto: Lula Marques / Agência Brasil – 26/03/2025)

(Leila Salim*) – Não foi só a democracia que Jair Messias Bolsonaro tentou destruir. O ex-presidente, que está sendo julgado nesta semana e na próxima no Supremo Tribunal Federal por cinco crimes, inclusive tentativa de golpe de Estado, dedicou os quatro anos de sua administração a desmontar a governança socioambiental brasileira e a atacar os povos indígenas e outras comunidades tradicionais. Nisto, infelizmente, ele foi bem-sucedido.

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Bolsonaro deixou o Palácio do Planalto com o maior aumento relativo no desmatamento da Amazônia em um único mandato presidencial desde o início das medições: 60%; com um número recorde de invasões de terras indígenas, incluindo a maior onda garimpeira vista em 40 anos na terra Yanomami, o que causou uma crise sanitária grave naquele povo; com centenas de quilômetros de rios destruídos por uma epidemia de garimpo na Amazônia; e com o Brasil minando os esforços internacionais de combate à mudança do clima.

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Se apenas alguns dos atos e das omissões dolosas do ex-presidente que serão listados abaixo pudessem ser individualizados e atribuídos a ele, Bolsonaro poderia pegar uns bons dez anos a mais de cana. Mas o prejuízo para os povos indígenas, para os nossos biomas e para o planeta dos quatro anos do pior presidente da nossa história transcende o STF: o ex-capitão ainda aguarda julgamento por incentivo ao genocídio no Tribunal Penal Internacional. E, em 2021, a ONG AllRise enviou ao TPI um comunicado para que Bolsonaro pudesse ser julgado também por crimes contra a humanidade pela destruição da Amazônia. A comunicação teve apoio do OC.

Relembre abaixo a lista (de forma alguma exaustiva) das ações antiambientais e anti-indígenas do réu Jair.

1. Nomear um condenado por fraude ambiental para o Ministério do Meio Ambiente (e mantê-lo lá)

Ricardo Salles, escolhido de Bolsonaro para chefiar o Ministério do Meio Ambiente, foi condenado em primeira instância por fraudar o plano de manejo da Área de Proteção Ambiental da Várzea do Tietê, em São Paulo. A condenação saiu dez dias antes de sua posse. No cargo, o ministro voltou a se enrolar com Justiça: ele será julgado pelo STF como resultado da Operação Akuanduba, da Polícia Federal. Salles foi indiciado por nove crimes, inclusive facilitação ao contrabando de madeira. A investigação junto ao STF foi aberta em maio de 2021, e depois – quando Salles pediu demissão do MMA – enviada à primeira instância da Justiça Federal do Pará. A 4ª Vara Federal do Pará tornou Salles e Eduardo Bim, ex-presidente do Ibama, réus por crimes de corrupção passiva, crimes contra a flora e organização criminosa. Agora, com o novo entendimento do STF sobre o foro privilegiado, o processo volta ao STF. Mas o então ministro passou três anos desmontando dolosamente a própria pasta, “passando a boiada”, e só ganhou elogios do presidente, que lhe havia confiado precisamente essa missão.

Caso a responsabilidade pela utilização da estrutura do MMA para a facilitação de crimes ambientais fosse também atribuída a Bolsonaro, ele poderia ser enquadrado na Lei de Crimes Ambientais (Lei Federal 9.605/1998). O artigo 67 (“conceder o funcionário público licença, autorização ou permissão em desacordo com as normas ambientais, para as atividades, obras ou serviços cuja realização depende de ato autorizativo do Poder Público”) estabelece pena de três meses a três anos de detenção para o crime.

2. Incentivar invasões de terras indígenas

Além da difusão de desinformação e discurso de ódio contra indígenas — Nabhan Garcia, secretário especial de Assuntos Fundiários do Ministério da Agricultura, repetia que os indígenas seriam “os maiores latifundiários do país” —, o governo Bolsonaro preparou institucionalmente o terreno para os ataques aos territórios, lideranças e comunidades indígenas. A Instrução Normativa nº 9, publicada pela Funai em 2020, permitiu propriedades privadas sobre terras indígenas não homologadas.

O resultado foi o recorde de invasões, assassinatos e suicídios de indígenas. As invasões de terras indígenas triplicaram (um aumento de 212%, de acordo com relatório do Conselho Indigenista Missionário – Cimi). Caso fosse responsabilizado, Bolsonaro poderia ser enquadrado no artigo 58 da Lei Federal 6001/1973 (“escarnecer de cerimônia, rito, uso, costume ou tradição culturais indígenas, vilipendiá-los ou perturbar, de qualquer modo, a sua prática”), com pena de um a três meses de detenção.

3. Estimular garimpo em terras indígenas

Bolsonaro nomeou Marcelo Xavier para presidência da Funai com a incumbência de desmontá-la. À frente de uma Funai anti-indígena, Xavier defendeu e atuou pela liberação da mineração em terras indígenas. Militares da reserva nomeados para diretorias do Ibama pelos ex-ministros do Meio Ambiente Ricardo Salles e Joaquim Leite, por sua vez, ignoraram o plano de ação para a retirada dos garimpeiros na TI Yanomami. Samuel Vieira de Souza, na Diretoria de Proteção Ambiental do Ibama, e Aécio Galiza Magalhães, na Coordenação- -Geral de Fiscalização Ambiental do órgão, travaram a execução das ações de socorro no território. Caso a conduta fosse atribuída a Bolsonaro, ele poderia ser enquadrado no artigo 67 da Lei de Crimes Ambientais, com pena de três meses a três anos de detenção.

4. Negligenciar a ação de garimpeiros na TI Yanomami

O território Yanomami, onde vivem cerca de 28 mil indígenas, foi invadido por mais de 20 mil garimpeiros ilegais, que contaram com a anuência do governo Bolsonaro e das Forças Armadas para atuar livremente na região. Lideranças e organizações indígenas denunciaram exaustivamente o caos e o descontrole nos últimos anos. Enviaram ofícios ao governo federal, acionaram o Supremo Tribunal Federal e a Comissão Interamericana de Direitos Humanos. O governo sabia exatamente o que acontecia na TI Yanomami – e não agiu. Caso a conduta fosse atribuída a Bolsonaro, ele poderia ser enquadrado no artigo 319 do Código Penal (“retardar ou deixar de praticar, indevidamente, ato de ofício, ou praticá-lo contra disposição expressa de lei, para satisfazer interesse ou sentimento pessoal”), com pena de três meses a um ano de detenção e multa.

5. Destruir o combate ao desmatamento

A extinção do PPCDAm (Plano de Ação para Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia Legal) foi decisiva para que o regime Bolsonaro terminasse com o aumento de 59,5% do desmatamento na Amazônia nos quatro anos de governo. O aumento coincide com uma queda de 38% das multas aplicadas pelo Ibama por crimes contra a flora na comparação com o período 2015-2018. Em relação ao desmatamento, a média anual sob Bolsonaro foi de 11.396 km2, contra 7.145 mil km2 no período anterior. Em quatro anos foram derrubados 45.586 km2 na Amazônia, área correspondente à do Estado do Rio de Janeiro. Caso fosse responsabilizado pela conduta, Bolsonaro poderia ser enquadrado no artigo 68 da Lei de Crimes Ambientais (“deixar, aquele que tiver o dever legal ou contratual de fazê-lo, de cumprir obrigação de relevante interesse ambiental”), com pena de três meses a um ano de detenção.

5. Sabotar o Ibama

O governo Bolsonaro demitiu no atacado os superintendentes regionais do Ibama, deixou vagas por mais de um ano chefias de postos-chave na Amazônia e nomeou policiais militares fiéis a Ricardo Salles para comandar os fiscais. Em 2020, toda a cúpula da fiscalização foi demitida após uma reportagem no programa Fantástico mostrar o Ibama agindo contra garimpeiros e grileiros em três terras indígenas do Pará. O fiscal que multou Jair Bolsonaro em Angra dos Reis em 2012, José Augusto Morelli, também perdeu o cargo. Caso a conduta fosse atribuída a Bolsonaro, ele poderia ser enquadrado no artigo 69 da Lei de Crimes Ambientais (“obstar ou dificultar a ação fiscalizadora do Poder Público no trato de questões ambientais”), com pena de um a três anos de detenção e multa; com pena de um a três anos de detenção e multa.

6. Sabotar o Ministério do Meio Ambiente

No primeiro dia de governo, foi publicada uma Medida Provisória de reestruturação do Ministério do Meio Ambiente. O ministério perdeu duas autarquias sob sua responsabilidade, a Agência Nacional de Águas (que foi para o Desenvolvimento Regional) e o Serviço Florestal Brasileiro (que foi para a Agricultura). Além disso, a gestão de Ricardo Salles cancelou o programa de conversão de multas ambientais que aplicaria R$ 1 bilhão em projetos de recuperação ambiental no Nordeste. Ainda em 2019, no “revogaço” da Casa Civil, foram extintos mais de 20 colegiados da área ambiental. Em maio do mesmo ano, Salles completou o fechamento do Meio Ambiente à sociedade ao baixar um decreto alterando a composição do Conama (Conselho Nacional do Meio Ambiente). Alegou falsamente que o colegiado não funcionava por ser “inchado demais”. De 96 membros, o Conama passou a ter 23, a maior parte do governo federal, que passou a ter controle quase pleno do colegiado. Blindado de olhares externos, o MMA ficou paralisado. Caso a conduta fosse atribuída a Bolsonaro, ele poderia ser enquadrado no artigo 69 da Lei de Crimes Ambientais, com pena de um a três anos de detenção e multa.

7. Perseguir servidores da área ambiental

A perseguição a servidores da área ambiental explodiu no governo Bolsonaro. Segundo dados da Controladoria-Geral da União, as acusações de assédio aumentaram 380% eu seu governo. Foram 183 servidores submetidos a processos administrativos disciplinares em 2022, contra 38 em 2018. No total, 441 funcionários do Ibama, do ICMBio e do Ministério do Meio Ambiente sofreram PADs nos quatro anos de Bolsonaro, contra 270 nos quatro anos anteriores. Caso a conduta fosse atribuída a Bolsonaro, ele poderia ser enquadrado no artigo 69 da Lei de Crimes Ambientais, com pena de um a três anos de detenção e multa.

8. Sabotar a ação climática brasileira

Em 2020, o país deu um golpe nos seus compromissos no Acordo de Paris. Ricardo Salles submeteu à Convenção do Clima da ONU uma atualização da NDC (Contribuição Nacionalmente Determinada) à meta brasileira ao Acordo de Paris, reduzindo a sua ambição e violando as regras do tratado. O episódio ficou conhecido como “pedalada climática” . A pedalada foi questionada na Justiça por seis jovens ativistas em 2021, com o apoio de oito ex-ministros do Meio Ambiente, incluindo a atual ministra Marina Silva. A manobra foi corrigida por Lula em 2023. Caso fosse responsabilizado pela conduta, Bolsonaro poderia ser enquadrado no artigo 68 da Lei de Crimes Ambientais, com pena de três meses a um ano de detenção.

9. Caluniar/difamar ativistas socioambientais

Bolsonaro acusou o ator americano e ambientalista Leonardo DiCaprio, a ONG WWF e a Brigada de Alter do Chão de financiarem e executarem queimadas criminosas no Brasil. “O pessoal da ONG, o que eles fizeram? O que é mais fácil? Botar fogo no mato. Tira foto, filma, a ONG faz campanha contra o Brasil, entra em contato com o Leonardo DiCaprio, e o Leonardo DiCaprio doa 500 mil dólares para essa ONG. Uma parte foi para o pessoal que estava tocando fogo, tá certo? Leonardo DiCaprio tá colaborando aí com a queimada na Amazônia, assim não dá”, disse, sobre quatro brigadistas da região de Alter do Chão, no Pará, presos sob acusação de incêndio criminoso.

O inquérito contra os brigadistas foi arquivado em 2025, seguindo recomendação do MPF, que apontou falta de provas. Caso fosse responsabilizado pela conduta, Bolsonaro poderia ser enquadrado no Código Penal pelos crimes de calúnia, difamação e injúria (artigos 138, 139 e 140), agravados pela ampla divulgação das imputações. A pena máxima seria de um mês a dois anos de detenção.

*Leila Salim, jornalista e doutora em Comunicação e Cultura pela UFRJ, trabalha no Observatório do Clima e no Fekebook.eco

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