Indígenas sob ataque em Mato Grosso do Sul

Parte de Casa de Reza da comunidade Laranjeira Nhanderu, destruída pelo fogo: indígenas ameaçados em Mato Grosso do Sul (Foto: Divulgação)

Casa de Reza é incendiada e comunidade Guarani Kaiowá sofre ameaças de homens armados

Por Oscar Valporto | ODS 16 • Publicada em 3 de janeiro de 2020 - 12:58 • Atualizada em 17 de fevereiro de 2020 - 19:42

Parte de Casa de Reza da comunidade Laranjeira Nhanderu, destruída pelo fogo: indígenas ameaçados em Mato Grosso do Sul (Foto: Divulgação)
Parte de Casa de Reza da comunidade Laranjeira Nhanderu, destruída pelo fogo: indígenas ameaçados em Mato Grosso do Sul (Foto: Divulgação)
Parte de Casa de Reza da comunidade Laranjeira Nhanderu, destruída pelo fogo: indígenas ameaçados em Mato Grosso do Sul (Foto: Divulgação)

Em mais um ataque na escalada de violência contra povos indígenas, uma Casa de Reza da etnia Guarani Kaiowá, em Mato Grosso do Sul, foi incendiada e destruída na virada do ano. Em seguida, de acordo com relatos do Centro Indigenista Missionário (Cimi) no estado, homens não identificados atacaram os indígenas da  comunidade Laranjeira Nhanderu – localizado no município de Rio Brilhante – a tiros e invadiram algumas casas esvaziadas pela fuga de seus moradores na madrugada desta quinta-feira (02/01).

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A gente tem que se proteger. Não dá pra ficar esperando pra ver se dá pra saber quem é. Hoje estamos preparados porque a gente acredita que vem de novo. Querem acabar com a gente, matar. Entram nas casas, vasculham estrada. Estamos de guarda aqui para ver o que fazer se aparecer de novo

Integrantes do Cimi em Mato Grosso do Sul conversaram com uma liderança Guarani Kaiowá, da Aty Guasu, principal organização política da etina, que esteve em Laranjeira durante o dia, conversou com os indígenas da comunidade, e rechaçou as notícias da participação de outros indígenas nos ataques. “Estão dizendo que tem índio Guarani Kaiowá envolvido com a queima da Casa de Reza. É notícia falsa, denúncia errada. Ninguém sabe quem foi que colocou fogo. Vimos aqui foi capanga, que a gente chama de pistoleiro, não indígena. Isso machuca e revolta a gente porque vivemos todo dia o genocídio, a violência, o racismo e sempre procuram um jeito de dizer que isso é culpa da gente mesmo”, disse ao Cimi essa liderança indígena que preferiu não se identificar por temer represálias. “A Casa de Reza é um símbolo para o nosso povo, é muito importante para a gente, nossos rezadores, nossa vida espiritual e aqui na terra. Não é a primeira vez que incendeiam uma Casa de Reza nossa”, acrescentou.

De acordo com o relato de um casal da comunidade Laranjeira Nhanderu, eles acordaram de madrugada com barulho e o indígena chegou a ver um homem – não indígena – caminhando em direção à Casa de Reza que o ameaçou quando ele perguntou onde ia e se estava perdido. O indígena disse achar que o homem estava armado: voltou para casa, pegou a mulher e fugiu para o milharal próximo, onde viram o início do incêndio.  “A gente tem que se proteger. Não dá pra ficar esperando pra ver se dá pra saber quem é. Hoje estamos preparados porque a gente acredita que vem de novo. Querem acabar com a gente, matar. Entram nas casas, vasculham estrada. Estamos de guarda aqui para ver o que fazer se aparecer de novo”, contou a mulher indígena, de acordo com o Cimi. Os indígenas de Laranjeira Nhanderu acreditam que pelo menos quatro homens atearam foto na Casa de Reza.

No caso do ataque a tiros no dia seguinte, a indígena Guarani Kaiowá contou que homens andaram entre os barracos de madrugada e gritavam para que eles deixassem o local e ameaçavam de morte. Gritaram também xingamentos racistas enquanto atiravam. “Nossa preocupação maior é com as crianças e os idosos. Estamos cansados de viver nessa situação. Queremos que as autoridades tomem alguma decisão a nosso favor. Vamos fazer documento na Casa de Reza e denunciar o que o Guarani Kaiowá tem passado aqui em Laranjeira Nhanderu”, disse a indígena ao Cimi.

O Conselho Indigenista Missionário informou que a comunidade Laranjeira Nhanderu, onde  os ataques ocorreram, é uma área retomada pelos indígenas no mês de outubro de 2018, na sede da Fazenda Santo Antônio da Nova Esperança, que já está sob a posse dos Guarani Kaiowá desde 2007, quando disputas de terra no local e na Justiça tiveram início.  Pouco mais de 30 famílias indígenas vivem na comunidade.

Histórico de conflitos

Parte do extenso território que lhes foi subtraído pelas políticas de colonização da região e confinamento dos indígenas ao longo do século XX, a demarcação da comunidade Laranjeira Nhanderu é reivindicada pelos Guarani  Kaiowá há mais de uma década, quando a área foi incluída no Termo de Ajustamento de Condutas (TAC) firmado entre o Ministério Público Federal (MPF) e a Funai em 2007. O Grupo de Trabalho para identificação e delimitação da Terra Indígena Brilhantepegua, que abrange a Laranjeira Nhanderu, foi criado em julho de 2008, mas o trabalho não foi concluído.

A primeira vez que a porção do território incidente sobre a Fazenda Santo Antônio foi retomada pelos Guarani Kaiowá foi em 2008. Dois anos depois, eles acabaram sendo despejados por decisão judicial. Os indígenas passaram, então, a viver acampados às margens de uma das estradas que ligam as fazendas da região à BR-163, onde sofreram com a falta de condições básicas de vida, inundações e, ao menos, três mortes por atropelamento.

Segundo o Cimi, eles voltaram para a área da fazendo em 2011 e a Justiça garantiu sua permanência ali.  Os dois acessos ao acampamento indígena ficaram, entretando, bloqueados pelo proprietário da fazenda vizinha, impedindo a prestação de serviços essenciais como atendimento médico, distribuição de remédios e alimentos, apoio policial e até mesmo o transporte escolar.  Em 2013, o MPF conseguiu, na Justiça, assegurar a entrada de órgãos assistenciais na comunidade.

O proprietário da fazenda – que está arrendada a terceiros para criação de gado – vem tentando a reintegração de posse. Mas, desde 2015, os indígenas ocupam a reserva florestal da fazenda, garantidos por ordem judicial, até o fim do processo. No final de 2018, os Guarani Kaiowá ocuparam a área em torno da sede da fazenda.  Houve nova ação contra o avanço da retomada e a a 2ª Vara Federal de Dourados chegou a determinar a reintegração de posse, que acabou suspensa pelo  Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF3), em abril.

Ao determinar a suspensão, o TRF3 levou em consideração laudo antropológico produzido pela própria Justiça, o qual concluiu que “o imóvel possui todas as características de terras indígenas, pois existe uma forte relação social e cultural da comunidade indígena com as terras questionadas. Todas as conclusões deste laudo podem ser resumidas em: a comunidade de Laranjeira Ñanderu é proveniente desta área em conflito e, desde há muito, vem tentando retomar seu tekoha (Terra Sagrada), de onde foram persistentemente expulsos. A Fazenda Santo Antônio está inserida nos limites da área reivindicada pela comunidade Laranjeira Ñanderú”.

 

 

 

 

 

Oscar Valporto

Oscar Valporto é carioca e jornalista – carioca de mar e bar, de samba e futebol; jornalista, desde 1981, no Jornal do Brasil, O Globo, O Dia, no Governo do Rio, no Viva Rio, no Comitê Olímpico Brasileiro. Voltou ao Rio, em 2016, após oito anos no Correio* (Salvador, Bahia), onde foi editor executivo e editor-chefe. Contribui com o #Colabora desde sua fundação e, desde 2019, é um dos editores do site onde também pública as crônicas #RioéRua, sobre suas andanças pela cidade

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