ODS 1


Garimpo ilegal em terra indígena de Roraima: povos enfrentam ataques armados, violências sexuais e aliciamento (Foto: Leo Otero / MPI / Agência Brasil)
Indígenas de Roraima reforçam luta por território
Povos originários vivem realidade marcada por violências e ausência de políticas públicas
Em dezembro de 2024, o Ministério de Minas e Energia autorizou a exploração de petróleo e gás natural em dois blocos da Bacia do Tacutu, na fronteira entre Roraima e a Guiana. Os estudos sobre a área ainda são limitados. Um dos mais recentes, feito pela Petrobras, data de 1982, e novas análises conduzidas por pesquisadores da Universidade Federal de Roraima (UFRR) seguem em andamento. Segundo levantamento feito pelo Portal InfoAmazônia, nove terras indígenas podem ser afetadas diretamente pela exploração de petróleo na região, entre elas a Raposa Serra do Sol, São Marcos, Tabalascada e Malacacheta. Até o momento, não houve nenhuma consulta prévia, livre e informada às comunidades afetadas.
Leu essas? Todas as reportagens da série especial Vozes da Amazônia na COP30
Ainda em 2024, 38 organizações da sociedade civil publicaram uma carta de repúdio à invasão massiva pelo garimpo ilegal e por facções criminosas às terras indígenas em Roraima, denunciando que o povo Yanomami e Ye’kwana vem sendo o mais afetado, principalmente durante os quatro anos do governo Bolsonaro, com mais de 20 mil garimpeiros ocupando seus territórios e comunidades. Um estudo divulgado pelo Conselho Indigenista Missionário (Cimi) revela que o território Yanomami vem sendo marcado por “assassinatos, ataques armados, violências sexuais e aliciamento de indígenas para o garimpo, com fomento de conflitos internos”.
Gostando do conteúdo? Nossas notícias também podem chegar no seu e-mail.
Veja o que já enviamosOs parlamentares estão alegando que têm que legalizar a mineração dentro dos territórios, legalizar garimpos. Então, tudo isso aí eles estão incentivando a invasão dentro dos territórios. Com isso, eles se fortalecem e está tendo muita entrada de garimpeiros, pessoas estranhas dentro dos territórios indígenas, ampliando as terras dos fazendeiros
O antropólogo Jonildo Viana, doutor em Educação e docente do curso de Licenciatura Intercultural do Instituto Insikiran de Formação Superior Indígena da Universidade Federal de Roraima, explica que esse grave cenário de violência é agravado pela questão fundiária, um fator determinante para o alto número de invasões em terras indígenas. Ele argumenta que, como a maioria dos territórios é demarcada em formato de “ilhas”, ou seja, em áreas não contínuas, isso acaba por favorecer o isolamento dos próprios povos.
Sobre essa realidade, Jonildo Viana complementa: “O que se observa aqui no estado de Roraima é que muitas terras são marcadas em ilhas e estão cercadas de latifúndios. Com isso, elas vão sendo espremidas e os seus recursos naturais, como água, madeira, talho de Buriti, entre outros, também sofrem redução e provocam um impacto grande nas comunidades”.
O desenvolvimento de atividades que ignoram os direitos dos povos indígenas e promovem ausência de diálogo refletem um padrão mais amplo e contínuo de violações em Roraima. Segundo o relatório do CIMI, o estado liderou, em 2023, o número de assassinatos de indígenas no Brasil, com 47 casos registrados. Além da violência física, o relatório destaca que essas populações enfrentam constantes ameaças a seus territórios, como invasões, desmatamento e a ausência de políticas públicas eficazes voltadas à proteção e à demarcação de suas terras.
Nessa luta, o Conselho Indígena de Roraima (CIR) exerce um papel fundamental na organização e defesa dos povos indígenas do estado. A entidade representa 11 regiões de Roraima, abrangendo 263 comunidades indígenas e aproximadamente 77 mil pessoas.
Amarildo Macuxi, Tuxaua Geral do CIR (os tuxauas são representantes de diferentes povos e regiões que assumem o compromisso de defender a vida e os direitos de suas comunidades), alerta que a pressão sobre os territórios indígenas vem crescendo com a aprovação de leis que favorecem a mineração e o garimpo, ao mesmo tempo em que dificultam a demarcação e a homologação de suas terras.
“Eles [parlamentares] estão alegando que têm que legalizar a mineração dentro dos territórios, legalizar garimpos. Então, tudo isso aí eles estão incentivando a invasão dentro dos territórios. Com isso, eles se fortalecem e está tendo muita entrada de garimpeiros, pessoas estranhas dentro dos territórios indígenas, ampliando as terras dos fazendeiros”, critica Amarildo. Como consequência desse movimento, a violência cresce nas terras indígenas: “Nosso povo está sendo morto, espancado dentro do seu próprio território. O mercúrio contamina nossos rios e a água não é mais própria para o consumo”.
Ele ressalta ainda que os projetos de exploração de petróleo e as hidrelétricas agravam o sofrimento das populações indígenas. O que as lideranças pedem não é apenas proteção, mas justiça, o reconhecimento concreto de seus direitos e o fim da impunidade diante das violações que se repetem. Amarildo relata que muitas lideranças já sofreram agressões, e os responsáveis seguem livres.
É necessário que a gente construa soluções porque a gente não pode esperar do capitalismo, a gente não pode esperar das COPs da vida. erá a 30º aqui, e quais foram as soluções que nos deram? Nenhuma. Muito pelo contrário, a situação só piora
Diante disso, o movimento indígena intensifica suas mobilizações para proteger seus territórios e cobrar a devida fiscalização do Estado. Mas, frente à ausência de respostas efetivas, o CIR e outras organizações indígenas têm promovido certas atividades que deveriam ser garantidas por instituições públicas, como vigilância territorial e mediação de conflitos.
Um exemplo é o Grupo de Proteção e Vigilância Territorial Indígena (GPVTI/CIR) reconhecido oficialmente em 2016 como uma ação integrada para proteger os territórios e coibir ações que ameacem os costumes, a organização social, os modos de vida e a integridade das comunidades indígenas. Composto por homens, mulheres, jovens e lideranças que atuam voluntariamente, o grupo subdivide as tarefas e se organiza na ação comunitária planejada. Segundo o site do CIR, trata-se de um “instrumento legítimo de autogovernança territorial, necessário à preservação da integridade física, cultural e ambiental de seus territórios”. Diante de críticas e tentativas de criminalizar o GPVTI, em setembro de 2025 o CIR divulgou uma nota técnica amparada, sobretudo, na Constituição Federal, para reafirmar a legalidade da atuação do grupo.
A nota também destaca que essa atuação “não exime o Estado de cumprir com seu dever constitucional de proteção das terras indígenas, cabendo-lhe estabelecer mecanismos permanentes de cooperação e diálogo com as comunidades, fortalecendo a proteção territorial como expressão de justiça, dignidade e respeito aos direitos fundamentais dos povos indígenas”.


Direitos indígenas nos debates da COP30
E é justamente a garantia de seus direitos a principal demanda que pretendem levar para a 30ª Conferência das Partes da Convenção das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (COP30), em Belém, a capital paraense. A COP reúne os líderes dos países signatários da UNFCCC e mobiliza ONGs, cientistas, movimentos sociais e outros representantes da sociedade civil para discutir ações para conter o aquecimento global
Em entrevista concedida à Rádio Diário FM de Macapá e divulgada na página do Planalto, em fevereiro deste ano, o presidente Lula falou sobre a COP-30 como uma oportunidade de aproximar os povos da Amazônia do debate global. “Agora nós vamos discutir a importância da Amazônia dentro da Amazônia. Nós vamos discutir a questão indígena vendo os indígenas. Nós vamos discutir a questão dos povos ribeirinhos, vendo os povos ribeirinhos e vendo como eles vivem”, declarou.
Durante a abertura do Diálogo Climático de Petersburgo, evento que precede a conferência global, o presidente da COP-30, o embaixador André Corrêa do Lago, atual secretário de Clima, Energia e Meio Ambiente do Ministério das Relações Exteriores, ressaltou a importância da Amazônia como sede desta edição da conferência. “A realização desta conferência na região amazônica é um poderoso lembrete da urgência de proteger nossos ecossistemas mais preciosos e de compreender seu valor insubstituível em nossa estratégia climática global”, disse.


Apesar do entusiasmo e da aposta do presidente Lula em ampliar o diálogo e a visibilidade aos povos tradicionais da Amazônia, para Auricélia Arapiun, coordenadora do Comitê Gestor da Política Nacional de Gestão Territorial e Ambiental de Terras Indígenas (CG-PNGATI), as soluções para os problemas enfrentados por esses povos, como também para a crise climática, não serão encontradas nos espaços da conferência. “É necessário que a gente construa soluções porque a gente não pode esperar do capitalismo, a gente não pode esperar das COPs da vida. Se fosse por isso, a alternativa já teria vindo deles, há 30 anos fazendo COP. Será a 30º aqui, e quais foram as soluções que nos deram? Nenhuma. Muito pelo contrário, a situação só piora”, critica a liderança da região do Baixo-Tapajós (Pará) e integrante do conselho deliberativo da coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab).
O Conselho Indígena de Roraima (CIR), representado por seu Tuxaua Geral, Amarildo Macuxi, demonstra uma expectativa cautelosa em relação à COP-30. Embora reconheça a importância deste evento para o debate global sobre mudanças climáticas, Amarildo ressalta que o histórico do governo brasileiro e a atual postura diante dos direitos indígenas geram dúvidas sobre o real compromisso com as causas ambientais e sociais: “Não sabemos se os povos indígenas terão voz efetiva na COP ou se será mais um evento simbólico, enquanto os projetos que ameaçam nossos territórios seguem avançando,” lamenta.
Para o CIR, a mobilização contínua e a resistência das comunidades são essenciais para garantir que as reivindicações dos povos originários não sejam apenas ouvidas, mas consideradas nas decisões que impactam diretamente seus modos de vida e o futuro da Amazônia. Em meio a tantas denúncias e silêncios institucionais, os povos indígenas seguem cobrando uma escuta real por parte do Estado. A luta por território é também uma luta por paz, justiça e dignidade, valores muitas vezes proclamados em acordos e conferências, mas que continuam sendo desafiados nas florestas de Roraima.
Reportagem de Bruno Cunha e Joyce Nunes (UFPA)
Outras matérias do especial Vozes da Amazônia na COP30
Relacionadas
								Conexão UFF UFPA
								
						O Conexão UFF – UFPA é um projeto que reúne alunos dos cursos de Jornalismo da Universidade Federal Fluminense e da Universidade Federal do Pará para a produção de reportagens especiais, sob a coordenação das jornalistas e professoras Adriana Barsotti (UFF) e Elaide Martins (UFPA).










































