ODS 1
Eleições 2024: prefeitos multados por desmatamento e queimadas são reeleitos
Políticos eleitos em 2020 e multados pelo Ibama conseguem reeleição no Mato Grosso e no Pará
(Bruno Fonseca*) – Reeleito com 12 mil votos e R$ 5,5 milhões em multas ambientais: Weder Makes Carneiro (MDB), o atual prefeito de Brasil Novo, município de pouco mais de 24 mil habitantes no Pará, é um dos muitos políticos brasileiros que foram autuados por infrações contra o meio ambiente, mas, mesmo assim, foram reeleitos em suas cidades.
Carneiro, conhecido como Pirica, é um dos casos mais emblemáticos. Isso porque, entre os prefeitos eleitos em 2020 que disputavam a reeleição, ele é o que tem a maior multa ambiental.
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A Agência Pública mostrou que 69 prefeitos que foram eleitos em 2020 foram multados pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama). Juntos, eles tinham quase R$ 35 milhões, resultado de infrações ocorridas entre 2015 e 2024.
Segundo o Ibama, Pirica usou fogo para destruir mais de 739 hectares de floresta amazônica nativa dentro da Terra Indígena Cachoeira Seca em 2019. Nesse ano, a terra foi a terceira área indígena mais desmatada do país, segundo dados do sistema Prodes, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). A Cachoeira Seca perdeu mais de 60 km² entre 2018 e 2019.
Após Pirica, a segunda maior multa entre os prefeitos eleitos em 2020 e que foram reeleitos neste ano é de José Antônio Dubiella (MDB), prefeito de Feliz Natal, no Mato Grosso. Ele foi reeleito com quase 60% dos votos do município, apesar de ter multas de R$ 3,3 milhões e ter sido alvo de pelo menos duas operações policiais contra o desmatamento ilegal.
A última operação contra Dubiella aconteceu no ano passado, quando a polícia mirou uma madeireira do político. A operação Ronuro – que é o nome do rio que corta a região e de uma unidade de conservação estadual – teve como alvos tanto Dubiella quanto o seu vice-prefeito, Antônio Alves da Costa (PDT), que também atua no setor de extração de madeira.
Segundo a investigação policial, os dois teriam burlado a fiscalização ambiental para vender madeira extraída de forma ilegal, o que caracterizaria crime ambiental e sonegação de impostos. O vice, Costa, chegou a ser preso. A polícia encontrou armas e munições sem registro na empresa do prefeito.
Um ano antes, em 2022, Dubiella já havia sido multado pelo Ibama por descumprir a proibição de utilizar uma área da fazenda Chaparral, em Nova Ubiratã, que fica ao lado de Feliz Natal. O valor da infração foi de R$ 220 mil. A fazenda, no caso, havia sido multada em 2017 pela destruição de quase 250 hectares de floresta amazônica.
Ao todo, o prefeito tem multas que vêm desde 2015, ligadas à atuação da sua madeireira. O município de Feliz Natal teve 99 km² desmatados em 2023, de acordo com o Prodes/Inpe. A área é maior que a da capital do Espírito Santo, Vitória.
Campeões de multas eleitos em cidades marcadas por queimadas e desmatamento
Em Novo Progresso, no Pará, o atual prefeito, Gelson Dill (MDB), conseguiu uma vitória acachapante: 81% dos votos. Outro número que também impressiona na carreira do político é o valor das multas que ele possui: mais de R$ 4 milhões, apenas nos últimos dez anos, aplicadas pelo Ibama e pelo Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio). Dill foi multado por ter sido acusado de destruir quase 200 hectares do Parque Nacional do Jamanxim, no sudoeste do Pará.
Dill concorreu contra Juscelino Alves (Podemos), que já foi seu aliado: Dill foi eleito vice-prefeito de Alves, conhecido como Macarrão, em 2016. Apesar de hoje estarem em campos opostos, ambos têm um histórico contrário ao meio ambiente. Macarrão também tem multas de R$ 1,6 milhão pelo Ibama e já foi indiciado pela Polícia Federal por garimpo ilegal envolvendo exploração de ouro em balsas de garimpo no Amazonas, conforme apuração da Repórter Brasil.
Novo Progresso ficou conhecido como o município do “Dia do Fogo”, uma ação de fazendeiros em 2019 combinada por WhatsApp para queimar áreas de preservação. Como mostrou a Pública, os responsáveis permanecem impunes até hoje.
No Pará, São Félix do Xingu, o sexto maior município em área do país, o atual prefeito, João Cleber De Souza Torres (MDB), perdeu para Fabrício Batista (Podemos). João Cleber, como é conhecido, foi multado quatro vezes desde 2015, num total de R$ 2,7 milhões. Ele é pecuarista e foi multado por destruição de mata nativa e descumprimento da proibição de usar áreas embargadas pelo Ibama.
Além disso, há menos de um ano, o seu afastamento chegou a ser pedido pelo Ministério Público Federal do Pará (MPF-PA). No final de outubro de 2023, o MPF acusou o prefeito de não cumprir consulta prévia a indígenas da Terra Apyterewa, considerada a terra indígena mais desmatada da Amazônia Legal, alvo frequente de madeireiros e pecuaristas ilegais.
Segundo o MPF, a prefeitura de Cleber estaria apoiando a ocupação irregular de áreas no interior da terra, não estaria conduzindo licenciamento ambiental de forma regular e o próprio prefeito estaria espalhando notícias falsas em suas redes sociais e nas da prefeitura sobre as ações que tentavam retirar os invasores.
A prefeitura chegou a recorrer ao Supremo Tribunal Federal (STF) para tentar reduzir à metade o território indígena. A justiça decidiu por não afastar o prefeito, mas foi proibido de se manifestar nas redes contra a operação.
Em setembro de 2023, a Pública mostrou que o governo federal ainda hesitava para retirar os invasores da terra. Na época, o Ministério da Justiça havia autorizado o uso da Força Nacional na ação.
O novo prefeito de São Félix do Xingu, contudo, também tem multas ambientais no histórico. Fabrício Batista foi autuado em 2014 por desmatamento no município vizinho de Altamira e multado em mais de R$ 2,2 milhões.
Durante o período eleitoral, na primeira semana de setembro, São Félix do Xingu foi o município com mais focos de incêndio no Brasil, segundo dados do Programa Queimadas, do Inpe. De acordo com reportagem da Folha de S.Paulo, famílias estavam deixando crianças em casa ao invés de irem para as aulas.
No Mato Grosso, um candidato multado durante o período eleitoral não ganhou as urnas, mas abriu espaço para outro desmatador assumir o cargo. O caso de Siwal Sant Ana Soares, mais conhecido como Walzinho, foi revelado pela Pública: concorrendo a prefeito de Colniza pelo PL, o ex-vereador da cidade foi multado quatro vezes em setembro.
As multas aconteceram em Colniza e no município vizinho de Aripuanã. O político foi multado por desmatar floresta nativa da Amazônia, sem autorização. Em ao menos um dos casos ele fez isso com uso de fogo. Segundo o Ibama, a ação teria claros indícios de que a área está sendo preparada para ser usada como pasto. “É uma área grande em uma região onde a atividade agropecuária vem se estabelecendo sem as devidas licenças necessárias”, diz a descrição da multa.
Siwal se apresentava como “o candidato do Bolsonaro” nas redes sociais. Ele postou um vídeo dos deputados federais Eduardo Bolsonaro (PL-SP) e Coronel Fernanda (PL-MT), no qual dão apoio ao candidato derrotado.
Ele teve 2,8 mil votos, contra 10,4 mil do seu concorrente, Milton de Souza Amorim, do União. Miltinho, como é conhecido, é sócio-administrador da madeireira Santa Clara, que foi multada em 2019 por desmatamento em Colniza. A multa foi de R$ 11,5 mil.
Colniza foi o município que mais teve focos de incêndio no Mato Grosso neste ano. Fica lá a fazenda que mais teve focos de incêndio em todo o país em 2024, que virou alvo de uma disputa judicial entre um ex-governador e um ex-deputado estadual condenados por corrupção: Silval da Cunha Barbosa (MDB) e José Geraldo Riva (PSD).
Eleito sem concorrência
Celso Padovani (União) levou de novo a prefeitura de Marcelândia, no norte do Mato Grosso. A vitória, contudo, já era garantida: ele precisava de apenas um voto, pois era o único candidato concorrendo na cidade. Ele recebeu 5.429 votos.
Como a Pública mostrou, Padovani tem duas multas aplicadas em 2018 pelo Ibama. Juntas, elas passam de R$ 1,2 milhão. O político foi multado pela destruição de 181 hectares de floresta amazônica nativa em Marcelândia e por entregar informações enganosas sobre área de vegetação que deveria ser preservada na propriedade privada.
Padovani é dono da ProNorte Colonização, empresa ré em uma ação civil pública de 2021 por desmatar vegetação sem autorização para um projeto imobiliário. Além da multa milionária, Padovani tem um patrimônio ainda mais expressivo: R$ 16 milhões em fazendas e cabeças de gado, cavalos, ovelhas, mulas e porcos. Além disso, o político tem quase R$ 100 mil em armas, incluindo um fuzil, no valor de R$ 17 mil.
*Bruno Fonseca, chefe de redação da Agência Pública, é jornalista formado há mais de dez anos, mestre e graduado em Comunicação pela Universidade Federal de Minas Gerais. Como repórter, atua principalmente em apurações baseadas em dados, política e acesso à informação.
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