Como o 11 de Setembro mudou o cinema

Jeremy Renner em “Guerra ao terror”: retrato ambiguidade moral da posição dos EUA no Oriente Médio (Foto: Divulgação)

Depois do ataque às torres gêmeas, o terrorismo passa ser principalmente equiparado ao jihadismo nos filmes de Hollywood

Por The Conversation | ODS 16 • Publicada em 11 de setembro de 2021 - 10:15 • Atualizada em 9 de outubro de 2021 - 10:57

Jeremy Renner em “Guerra ao terror”: retrato ambiguidade moral da posição dos EUA no Oriente Médio (Foto: Divulgação)

(Maria Flood e Michael C. Frank*) – Uma das respostas mais comuns aos acontecimentos de 11 de setembro de 2001, tanto entre testemunhas oculares quanto entre comentaristas mais distantes, foi que a destruição do World Trade Center era algo visto apenas no cinema. Isso levou o famoso e veterano diretor Robert Altman a declarar que o 11 de Setembro foi um exemplo de vida que imita a arte: “Os filmes estabelecem o padrão; e essas pessoas copiaram os filmes”.

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Se os ataques terroristas pareciam um filme, a resposta imediata de Hollywood foi que os filmes lançados após o evento não deveriam ser muito parecidos com o 11 de Setembro. As representações do World Trade Center tornaram-se tabu. O trailer original de Homem-Aranha (2001) mostrando as torres gêmeas foi retirado, enquanto a cena final de Men in Black II (Homens de Preto II, 2002) teve que ser refeita. Em outros lançamentos, imagens das Torres Gêmeas foram apagadas na pós-produção.

Mais tarde, as torres seriam restauradas digitalmente para o filme documental americano de 2006, World Trade Center (As torres gêmeas), dirigido por Oliver Stone. O filme reconstrói eventos do ponto de vista de policiais que estão na Torre Norte quando a Torre Sul desaba. Como Voo United 93, do diretor Paul Greengrass, lançado no mesmo ano, o filme de Stone celebra a resiliência diante do terrorismo, ao mesmo tempo que dá aos telespectadores acesso a eventos nunca antes vistos.

Outras formas cinematográficas ofereciam evocações mais oblíquas dos ataques terroristas. A adaptação de Steven Spielberg de War of the Worlds (Guerra dos Mundos) em 2005 transplanta a história do final do período vitoriano de HG Wells para o pós-11 de Setembro em Nova Jersey e Boston. O slogan do filme, “Eles já estão aqui”, ecoa temores de células adormecidas, sugerindo que o inimigo já está nos EUA – indetectável e esperando para ser ativado. Depois que os tripés alienígenas emergiram do subsolo para causar estragos em transeuntes inocentes, a filha do protagonista pergunta a seu pai coberto de cinzas: “São os terroristas?”

Imagens que lembram o 11 de Setembro também abundam em The Dark Knight (Batman: O Cavaleiro das Trevas, 2008), a segunda parte da célebre trilogia Batman de Christopher Nolan. Ao apresentar o Coringa como um terrorista, o filme lança uma luz ambivalente sobre a busca de Batman por justiça antiterrorista.

O Cavaleiro das Trevas desempenhou um papel crucial no boom de filmes de super-heróis que continua a dominar o cinema convencional. Talvez não seja coincidência que esse boom contínuo quase coincida com a chamada “guerra ao terror” e, particularmente, com a malfadada invasão do Iraque.

Ambiguidade moral

Em uma época de complicações geopolíticas e falhas morais cada vez mais complexas, esses filmes articulam um anseio por heroísmo imaculado, liderança eficaz e respostas adequadas às crises.

As invasões do Afeganistão em 2001 e do Iraque em 2003 encontraram inicialmente amplo apoio nos Estados Unidos. Em outubro de 2001, uma pesquisa descobriu que 88% dos americanos apoiavam uma resposta militar aos ataques terroristas. No entanto, à medida que as guerras continuaram, o apoio diminuiu significativamente. Os dramas realistas de Kathryn Bigelow, em The hurt locker (Guerra ao terror, 2008) e Zero dark thirty (A hora mais escura, 2012), refletem a ambiguidade moral da posição dos EUA no Oriente Médio.

Filmes como Eye in the sky (Decisão de risco, 2015), por sua vez, capturam a natureza impessoal da guerra de drones de longo alcance. Na TV, a extremamente popular série Homeland (Homeland: Segurança Nacional, 2011-2020) rastreia as complicações de americanos e iraquianos na esfera do contraterrorismo e da radicalização.

Muitas dessas narrativas centram-se na figura da mulher ocidental branca, talvez como uma forma de “suavizar” a imagem dos EUA no exterior. Este movimento de thrillers de blockbuster para dramas mais pessoais está em linha com a mudança declarada de Barack Obama em direção a uma forma de “guerra humana”, um movimento que alguns chamaram de “a humanização do conflito interminável”.

Bradley Cooper em Sniper Americano: críticos acusaram o filme de fazer propaganda republicana das intervenção dos EUA no Oriente Médio (Foto: Divulgação)
Bradley Cooper em “Sniper americano”: críticos acusaram o filme de fazer propaganda republicana das intervenção dos EUA no Oriente Médio (Foto: Divulgação)

O terrorista e o herói

A figura do terrorista também evoluiu no cinema pós-11 de Setembro. Nas décadas de 1980 e 1990, terroristas codificados como muçulmanos ou árabes em filmes como True lies coexistiram com os vilões germânicos de Die Hard (Duro de matar) ou homens do IRA encontrados em filmes como The devil’s own (Inimigo íntimo) e The crying game (Traídos pelo desejo). Mas, após o 11 de Setembro, o terrorismo é principalmente equiparado ao jihadismo nos filmes de Hollywood, onde os terroristas muitas vezes são negados a qualquer caracterização profunda e contrastados com os heróis dos EUA.

American sniper (Sniper americano, 2014), de Clint Eastwood, é um excelente exemplo disso. Contando a história de Chris Kyle, um dos atiradores mais letais da história militar dos Estados Unidos, o filme dividiu os críticos, com a imprensa de esquerda descrevendo-o como propaganda republicana, enquanto a National Review, de direita, elogiou o filme por capturar “a verdadeiro natureza do inimigo”- os iraquianos que o personagem central chama de “selvagens”.

Mas cineastas de todo o mundo também buscaram capturar as ramificações em curso do evento e a subsequente “guerra ao terror”. O filme da diretora indiana-americana Mira Nair, The reluctant fundamentalist (O relutante fundamentalista, 2012), baseado no romance de Mohsin Hamid com o mesmo título, assume o estereótipo racial e étnico encontrado em filmes como American sniper. Riz Ahmed interpreta Changez, um jovem paquistanês nos Estados Unidos que passa de alpinista corporativo implacável a imigrante desiludido e excluído ao longo do filme.

Liberdade e vitória?

O ataque ao World Trade Center é um dos eventos mais significativos do século 21. Tanto que é usado como um marcador geracional, distinguindo a geração Y da geração Z em termos de se alguém se lembra ou não do evento diretamente.

Talvez seja apropriado, então, que até mesmo o universo cinematográfico da Marvel, com sua ótica predominantemente jovem, tenha alegoricamente sugerido os fracassos da “guerra ao terror”. Seu mais recente spin-off para a televisão, Loki (2021), parece questionar a validade de parte da linguagem que cercou o 11 de Setembro e o que começou como Operação Liberdade Duradoura. Na tarde de 11 de Setembro, George W. Bush afirmou que “a própria liberdade foi atacada esta manhã ” – Loki desafia a própria noção de libertação, dizendo que “a primeira e mais opressiva mentira já pronunciada foi a canção da liberdade”.

E agora, enquanto o mundo testemunha a tomada do Afeganistão pelo Talibã com a retirada das tropas dos EUA e da Grã-Bretanha, resta ver como Hollywood tratará não apenas o 11 de Setembro, mas suas ramificações contínuas – que até mesmo a máquina dos sonhos de Hollywood terá dificuldades para mostrar como um espetáculo de liberdade e vitória.

*Maria Flood é professora de Estudos de Cinema da Universidade de Liverpool (Inglaterra) e Michael C. Frank é professor de Literatura Inglesa dos séculos 19 e 20 da Universidade de Zurique (Suíça)

The Conversation

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