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Veja o que já enviamosAs crianças da Maré em defesa da ADPF das Favelas
Na retomada do julgamento das medidas para reduzir a letalidade nas operações policiais, moradores levam ao STF desenhos infantis e cartas de adultos e jovens
Imagine viver em um local em que foram contabilizadas 93 casas de moradores invadidas, sem mandado judicial por policiais, só em 2024. Adicione o fato de que esse mesmo local, apenas no ano passado, teve 42 dias de operações por agentes de seguranças. Num Rio de Janeiro que vítima quem mora na favela, a imaginação é realidade e este lugar existe: é o Conjunto de Favelas da Maré.

Os dados, lançados no mais recente Boletim de Segurança Pública da Redes da Maré, remontam os últimos 12 meses e engrossam o coro para cobrar justiça, às vésperas da fase final do julgamento do mérito da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 635, conhecida ADPF das Favelas, no Supremo Tribunal Federal (STF). prevista para acontecer nesta quarta-feira (26/3) – o julgamento foi suspenso, no mês passado, após a leitura do voto do ministro Edson Fachin, relator do caso.
Leu essa? IBGE: número de favelas chega a 12 mil com 16,3 milhões de moradores
Em 2016, diante do cenário de alta letalidade e operações muito violentas na Maré, conjunto de favelas onde vivem mais de 140 mil pessoas, uma ação civil pública foi proposta pela Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro, em parceria com a Redes da Maré, com intuito de proteger e instruir a segurança pública para favelas e periferias no Brasil. O processo não avançou nem teve desdobramento. E a letalidade policial e as operações nas favelas prosseguiram.

Em abril de 2020, em plena pandemia, com o Rio em quarentena, foram registradas 177 mortes por agentes do estado – grande parte em operações nas favelas. Foi, nesse contexto, que foi impetrada a APDF 635, que teve medida liminar do ministro Edson Fachin, confirmada pelo plenário do STF, determinando, por exemplo, que agentes de seguranças usem câmeras com dispositivo de gravação de áudio nas operações, presença de ambulâncias e socorristas durante essas ações, a obrigação de respeito ao perímetro escolar, restrição do uso de helicópteros como plataforma de tiros, obrigatoriedade da realização de perícias em casos de morte, adoção de um plano para redução da letalidade policial.
Tudo o que não vem sendo feito no estado do Rio de Janeiro e em nenhum outro canto do país. Mas deveria.
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Veja o que já enviamos“São décadas de negligência na área da Segurança Pública no Conjunto de favelas da Maré, seja por abandono ou atuações violentas, Os governos dos últimos 30 anos apostaram em projetos políticos de enfrentamento bélico, centrados em operações policiais sem resultados eficazes. A ADPF 635 é um avanço na proteção dos direitos de moradores de favelas ao estabelecer parâmetros legais para a atuação das forças de segurança e a efetivação de uma política de Segurança Pública enquanto direito para as mais de 2 milhões de pessoas, que vivem em favelas e periferias no Rio de Janeiro”, aponta Eliana Sousa Silva, diretora da Redes da Maré e pesquisadora em Segurança Pública.

Durante o dia de hoje, onde também acontece em Brasília o julgamento do ex-presidente Jair Bolsonaro e outras sete pessoas por tentativa de golpe de Estado, o STF receberá moradores da Maré em uma comitiva saída do Rio até a capital federal, como forma de se fazerem presentes num momento crucial do julgamento da ADPF das favelas. Em suas mãos, levam cartas escritas especialmente por crianças, jovens e adultos que constroem suas vidas no conglomerado de comunidades.
O material será encaminhado e protocolado junto ao Supremo, com o intuito de dar visibilidade a essas vozes, por vezes silenciadas historicamente pelo racismo e a criminalização dos territórios, onde o Estado só sabe atuar na base do aponta e atira.

Nos retratos pintados e escritos por crianças pequenas, desenhos com legendas como ”pufavo não mata, nem queru morrer”; ”quando não tem operação meu sonho é jogar futebol”; ”eu queria que a guerra e a matancia acabasse”.
Vendo os desenhos e lendo as cartas, é humanamente impossível dizer que o que acontecerá no STF não seja o julgamento mais importante que o país terá. Todos deveriam prestar atenção no que sairá de lá. É um dever cidadão.
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