‘Proteger a floresta é uma responsabilidade da humanidade’

Ninawá Huni Kui, um defensor incansável do seu território, da Floresta Amazônica, da cultura e da espiritualidade do povo Huni Kui. Foto Benício Pitaguary

Ninawá Huni Kui, liderança que representa cerca de 16 mil indígenas, fala sobre Amazônia e a força dos seres sagrados

Por #Colabora | ODS 15 • Publicada em 24 de novembro de 2020 - 08:56 • Atualizada em 27 de novembro de 2020 - 21:57

Ninawá Huni Kui, um defensor incansável do seu território, da Floresta Amazônica, da cultura e da espiritualidade do povo Huni Kui. Foto Benício Pitaguary

Por Dino Siwek e Maria Clara Parente, com fotos de Benício Pitaguary (*)

“Muitas dessas pessoas (indígenas) não são indivíduos, mas “pessoas coletivas”, células que conseguem transmitir através do tempo sua visão de mundo…eu me alimento da resistência continuada desses povos, que guardam a memória profunda da Terra.” Ao conhecer Ninawá Huni Kui, é impossível não pensar nessa frase do escritor, ativista e liderança indígena Ailton Krenak. O povo Huni Kui é o mais numeroso do Estado do Acre, fronteira Oeste do Brasil, onde a Floresta Amazônica transborda para a Bolívia e o Peru, e Ninawá é uma das suas lideranças mais destacadas e atual presidente da FEPHAC, a Federação dos Povos Huni Kui do Estado do Acre, que representa os cerca de dezesseis mil Huni Kui (sendo que dois mil deles vivem no Peru) distribuídos por 116 aldeias e 5 municípios diferentes.

É a partir deste lugar de ser coletivo que Ninawá atua incansavelmente, defendendo seu território, a Floresta Amazônica, a cultura e a espiritualidade do povo Huni Kui. “Eu tenho 41 anos, e nos últimos 20 ou 25 anos tenho lutado em defesa do meio ambiente e em defesa da floresta, principalmente na região amazônica” –  conta ele, direto de sua aldeia, via uma recém instalada conexão de internet, no território Hênê Bariá Namakiá, localizada no médio Rio Envira, município de Feijó.

Tanto a liderança quanto a luta pela floresta são responsabilidades ancestrais que Ninawá carrega consigo – “a minha família é uma família tradicional de caciques e lideranças, e meu nome foi dado pelo meu avô, que homenageou o avô dele, também Ninawá. Esse nome não é só dado, é também uma responsabilidade familiar. Ni quer dizer a floresta, e Nawá todos os seres. Então traduzindo para o português seria algo como o protetor da floresta ou o guardião da floresta.”

Ninawá: "O território envolve não só um espaço para plantar alimentos ou para ter uma árvore em pé, mas tem uma abrangência de conhecimentos, de vidas, de relações com a natureza". Foto Benício Pitaguary
Ninawá: “O território envolve não só um espaço para plantar alimentos ou para ter uma árvore em pé, mas tem uma abrangência de conhecimentos, de vidas, de relações com a natureza”. Foto Benício Pitaguary

A relação com a terra e a floresta, aliás, tem para os Huni Kui um sentido distinto daquele com o qual estamos acostumados na perspectiva moderna/ocidental. Como ele mesmo explica: “O território envolve não só um espaço para plantar alimentos ou para ter uma árvore em pé, mas o território tem uma abrangência de conhecimentos, de vidas, de relações com a natureza no modo geral, e a floresta é uma delas. A floresta é um espaço sagrado para o nosso povo”.

Essa rede de relacionamento entre o povo Huni Kui e os seres mais que humanos pode ser sentida especialmente no encontro com as medicinas presentes na floresta, vistas como entidades em uma ampla teia de entrelaçamentos. “A medicina está ligada com a madeira, com as folhas, com as raízes, com o próprio aroma, com o som. Os nossos conhecedores das plantas medicinais, os nossos curandeiros, se relacionam com todas essas ligações, e através deles as medicinas se conectam com o restante do povo….é uma ligação espiritual, uma relação mesmo. Nós tratamos as medicinas como uma mãe, como uma tia, tanto que as pessoas recebem até nomes de medicinas.”

Não causa espanto, portanto, que a dor da Terra seja sentida de forma profunda por Ninawá quando tragédias ocorrem até em ecossistemas distantes de onde vivem os Huni Kui, como os incêndios que atualmente varrem o Pantanal, bioma da região Centro-Oeste do Brasil e considerado pela UNESCO como Patrimônio Natural Mundial. Os incêndios deste ano, os maiores já registrados no bioma, foram provocados por uma combinação de estiagem profunda e possíveis ações criminosas, que estão sendo investigadas pela Polícia Federal: “Hoje a gente vê com grande tristeza este grande crime na região do Pantanal. Porque não é um impacto ambiental, é um crime mesmo ali. Isso nos entristece. Está lá no Mato Grosso mas afeta a nossa relação espiritual e emocional com aqueles milhares de animais que não tiveram a oportunidade de se defender. Muitas pessoas não sentem isso porque vêem apenas a natureza como um cenário bonito e não com algo sagrado, como é para o nosso povo.” relata Ninawá.

A percepção da floresta como ente, como parte de uma teia viva relacional é conflitante com a visão dominante da sociedade segundo a qual o meio ambiente é objetificado e tratado como recurso, e não como ser vivo com subjetividade e agência próprios. A Sumaúma, ou Shunum, no Hatxã Kui, idioma falado pelos Huni Kui, por exemplo, maior árvore da Amazônia, que pode chegar a até setenta metros de altura e viver quinhentos anos, é vista como uma “uma grande universidade”. “Não há uma pessoa que passe por ali e não tenha um aprendizado. É o lugar onde são feitos os estudos de espiritualidade, de pajelança, o espaço onde os anciãos repassam para os mais jovens o conhecimento. A gente considera que é o espaço onde ficam hospedados todos os yuxibus, os espíritos.” É, portanto, com bastante indignação que Ninawá nos explica que “no Acre, quando chega às cinco horas da tarde, você vê na estrada carretas e carretas transportando aquela Sumaúma, aquela história que tinha ali no mínimo 400, 500 anos de existência. Essa floresta é importante não só para os povos indígenas. Quando você protege uma árvore, você está protegendo a humanidade, porque uma árvore tem capacidade de alcançar dimensões que a gente nem tem ideia.”

A procura por madeiras como matéria-prima é um dos elementos que contribuem para o desmatamento da floresta Amazônica, mas não é o único. As principais causas do desmatamento na floresta são ligadas ao cultivo de monoculturas, principalmente soja e criação de gado, em sua maior parte destinado à exportação. De acordo com o cientista Carlos Nobre, pesquisador do Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São Paulo e presidente do Painel Brasileiro de Mudanças Climáticas, o ritmo de avanço do desmatamento está chegando a um ponto de não retorno, no qual “a floresta perderia a capacidade de se regenerar diante da degradação causada pelo homem e haveria mudanças drásticas e permanentes do ecossistema.”

Em 2019 foi registrado o maior desmatamento da década na Amazônia, e dados preliminares sugerem um caminho semelhante para 2020. De acordo com o Map Biomas Alert, iniciativa do Observatório do Clima e da Seeg, que reúne dezenas de entidades, como universidades, ONGs e empresas de tecnologia, 99% do desmatamento realizado no Brasil em 2019 foi irregular. O relatório publicado também em uma versão em inglês, indica que o território brasileiro perdeu em vegetação nativa de seus biomas 1,2 milhão de hectares, o equivalente a 8 cidades de São Paulo, somente em 2019, sendo 60% desses, ou 770 mil hectares, na Amazônia. Segundo o Instituto Socioambiental (ISA), em 2019 o desmatamento em terras Indígenas cresceu 80%, causado sobretudo por invasões ilegais, estimuladas pela diminuição da fiscalização por parte do governo.

Para Ninawá, além dessas práticas danosas, a Amazônia também enfrenta os desafios da perda irreversível de biodiversidade, enchentes, secas atípicas e solo empobrecido por conta de agrotóxicos e outras substâncias tóxicas no solo, na água e no ar. É importante lembrar que este não é apenas um problema interno do Brasil, porque não só a exploração do meio-ambiente é realizada também com capital internacional (direta ou indiretamente), mas também porque os produtos da exploração são transformados em bens para consumo nos mercados internacionais. Ao longo dos cinco séculos de violência colonial, uma lógica de despossessão de terra dos povos Indígenas e exploração dos territórios e seres para além dos humanos, que já teve a cana-de-açúcar, o ouro, o café e a borracha como os recursos de interesse do mercado global, hoje se aplica a matérias-primas (commodities) como soja, petróleo, gás, celulose, cobre, minério de ferro e ouro, que viram insumos para a produção de riquezas, alimentos e  bens de consumo, como carros ou celulares, nos ditos “países desenvolvidos”, especialmente a China, os Estados Unidos e nos países da União Europeia.

Mesmo alguns esforços para proteger a biodiversidade, quando contaminados pela visão da floresta como recurso passível de ser monetizado, acabam produzindo danos aos modos de vida e aos territórios indígenas.  Nas discussões globais sobre a crise climática, em especial nas Conferências do Clima (COP), vem ganhando cada vez mais relevância o mercado de crédito de carbono, em especial o mecanismo conhecido como REED+, que precifica o custo de empresas emitirem CO2, e compensa aquelas que “capturam CO2”, essencialmente as áreas de florestas preservadas. Como esses mecanismos são voluntários, e como grandes áreas preservadas estão em territórios indígenas, ao invés de funcionar como algo benéfico, algumas dessas experiências tem retirado a autonomia dos indígenas de gerir o próprio território, impedindo por exemplo o manejo da floresta para produção de alimentos (práticas por vezes milenares) e interferindo na coesão social. O mecanismo global discutido hoje para evitar o aquecimento global tem comprometido diretamente algumas comunidades, tirando autonomia, causado cooptação, e ameaças a lideranças que se opõem. Existe um modelo de preservação que priva a utilização do espaço pelos indígenas, um uso que já tem sido feito a milhares de anos. Esse uso é confundido com criadores de grande impacto, como o agronegócio e as grandes propriedades. E não são. E isso acaba virando uma maneira de criminalizar o pequeno produtor, as comunidades indígenas e ribeirinhas.”

Ninawá: “Nós tratamos as medicinas como uma mãe, como uma tia, tanto que as pessoas recebem até nomes de medicinas”. Foto Benício Pitaguary

Por isso, na COP 25 um grupo de lideranças indígenas de todo o mundo, com a particpação de Ninawá, apresentaram uma carta exigindo maior participação nos fóruns de discussão e autonomia sobre suas terras: “Nós colocamos essa solicitação à presidência (da COP) de um espaço específico dos povos indígenas para discutir os seres sagrados, não apenas o carbono, mas também o petróleo e os minérios. E que essa seja uma discussão com a base, diretamente com os povos indígenas, sem intermediação de ONGs, fundações e representantes, para que não seja uma coisa distante, para que os relatórios representem quem de fato está sendo impactado. Isso tem que ser respeitado não apenas como um pedido, mas de acordo com as convenções internacionais, como a convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), que diz claramente que precisa consultar a comunidade na base, falando na língua materna, explicando direito, para comunidade decidir se quer ou não. E no Brasil só funciona através de pressão, quando já aconteceu, quando a comunidade já foi impactada. E muitas vezes fazem apenas consultas públicas, o que é diferente do que diz a convenção”.

Recorrer a fóruns e apoios para além das fronteiras brasileiras tem sido cada vez mais importante, desde que o presidente Jair Bolsonaro assumiu o cargo com políticas abertamente contrárias aos indígenas, muitas delas executadas pelo próprio ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, historicamente alinhado com o agronegócio. Salles já foi inclusive condenado por crime ambiental na época em que era secretário do meio-ambiente do Estado de São Paulo, e gravado em uma reunião ministerial no último mês de abril sugerindo que com a atenção da mídia voltada para a pandemia da Covid 19, aquele era o momento ideal para promover uma grande desregulamentação ambiental no país. Em suas próprias palavras, em metáfora que não poderia ser mais literal, era o momento propício para “passar a boiada”.

Se engana porém, quem pensa que esta ameaça de extermínio é algo novo para o povo Huni Kui ou para os mais de 900 mil indígenas de aproximadamente 300 etnias que vivem no Brasil. Em 1500, quando foi invadido pelos portugueses,  o território que hoje chamamos de Brasil tinha 11 milhões de pessoas, que viviam em cerca de 2.000 grupos. Uma combinação de doenças trazidas pelos colonizadores portugueses, como varíola, sarampo, coqueluche, e até gripe, alíada a despossessão de terra, exploração do trabalho indígena e sucessivos conflitos, fez que com que ao longo desses séculos de genocídio as populações indígenas despencasse para 8% do que eram naquela época.

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Com esse governo que está aí, nós não temos esperança de demarcação de terras, de benefícios para o povo, de ter segurança alimentar. Aqui é um território que não oferece mais garantia. O rio tá em escassez de peixe. Não temos grandes lagos aqui, não temos igarapé, não temos floresta suficiente para poder adquirir o alimento da floresta…não tem madeira, não tem palha, tudo ao redor está devastado, tudo cheio de pasto

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No caso do povo Huni Kui, as inconsistências sobre os primeiros contatos com os brancos ainda são muitas, mas destaca-se na memória dos antepassados de Ninawá o violento  “tempo dos patrões”, um processo de extermínio e escravidão dos povos indígenas da Amazônia sul ocidental propiciado pelo avanço da fronteira extrativista da borracha, que colocou a floresta tropical no sistema de comércio e exploração mundial no final do século XIX e início do século XX.

Foi justamente nesse período, no ano de 1903, que o governo brasileiro, em negociação com o governo boliviano, adquiriu oficialmente o controle do Estado do Acre, em um movimento que ficou conhecido como Revolução Acreana, mediante o pagamento de 2 milhões de libras esterlinas, da entrega de outros territórios e da construção de uma ferrovia para escoar os produtos da Amazônia. A partir do fim do ciclo da borracha, os Huni Kui sofreram processos sistemáticas de tentativa de apagamento histórico pelos governos e elites locais.

O território do Acre só passou à condição de Unidade da Federação do Brasil em 1962. Após o fim da ditadura militar, com a constituição de 1988, os direitos dos povos indígenas foram finalmente reconhecidos na constituição brasileira, e muitos povos que há gerações já não falavam suas línguas originárias devido à violência colonial, ingressaram em um processo de retomada de suas histórias e culturas, conectado ao início da demarcação de seus territórios. Este processo, porém, segue cercado de dificuldades e contratempos, como Ninawá nos conta:  “Esse território é um território tradicional do meu povo, meus avós viveram por aqui muito tempo, na época eles trabalharam no período dos patrões. Há 60 anos, o povo vem lutando para poder fazer a demarcação desse território. Teve um período que foi mais fácil. Em 1999 se criou o primeiro grupo de trabalho e deu início o estudo de identificação pela Funai para reconhecer nosso território como território indígena…no início tiveram conflito, teve uma emboscada para assassinar  o antropólogo (responsável pelo estudo) e a equipe do GT… nossa primeira liderança foi torturada e espancada….durante todo esse período a gente vem lutando por essa demarcação de terra…nos últimos 10, 12 anos, esse território tem sido uma área de conflito de novo….muitas vezes entraram dentro do território, estão invadindo o espaço do outro.[1]

Em 2020, somou-se a essas dificuldades a pandemia de Covid-19, que deixou até meados de Outubro um rastro de mais de 150 mil mortes no país. De acordo com a APIB (Articulação dos Povos Indígenas do Brasil)[2], já foram ao menos 158 povos indígenas atingidos pela COVID, com mais de 35 mil casos e 841 mortes, afligindo especialmente os mais idosos, guardiões de sabedorias ancestrais, e considerados verdadeiras “biblioteca vivas”. Ninawá, ele próprio já tendo sido atingido pela doença, estima que 90% dos moradores de sua aldeia (número estimado por conta da falta de testes rápidos disponibilizados pelo governo) tenham sido contaminados. As dificuldades do acesso a testes, ao próprio sistema de saúde, e o modo de vida coletivo de muitas populações Indígenas os tornam especialmente suscetíveis a pandemias como a do novo Coronavírus.

A partir do fim do ciclo da borracha, no Acre, os Huni Kui sofreram processos sistemáticas de tentativa de apagamento histórico por parte dos governos e das elites locais. Foto Benício Pitaguary

Todo esse novo ciclo de adversidades vem reforçando a luta do povo Huni Kui por autonomia para gerir e cuidar do seu território e de sua cultura. Para além de lutar pela demarcação das terras Indígenas, que o governo brasileiro deveria por obrigação constitucional dar conta, “nós estamos reivindicando o respeito à constituição brasileira, não só o direito dos povos indígenas”, os Huni Kui tem buscado parceiros nacionais e internacionais para adquirir terras que garantam a eles tanto segurança jurídica quanto um ecossistema propício ao florescimento de várias formas de vida e a independência do povo. “Com esse governo que está aí, nós não temos esperança de demarcação de terras, de benefícios para o povo, de ter segurança alimentar. Aqui é um território que não oferece mais garantia. O rio tá em escassez de peixe. Não temos grandes lagos aqui, não temos igarapé, não temos floresta suficiente para poder adquirir o alimento da floresta…não tem madeira, não tem palha, tudo ao redor está devastado, tudo cheio de pasto. Nós temos toda essa dificuldade até para construir uma casa mais digna para poder viver com nossa família.”

[1] o processo de demarcação de terra, que garante administrativamente um direito originários dos Indígenas do Brasil, é um processo longo (Pode demorar em média até 20 anos, e alguns casos já se estendem por mais tempo ainda) que envolve 8 etapas, desde estudos realizados por um grupo técnico (GT), como menciona por Ninawá, até direitos a contestação, homologação, demarcação física, retirada dos ocupantes não- Indígenas com pagamento de indenização quando aplicável, e finalmente registro das terras.

[2]  É importante ressaltar que escolhemos trazer aqui os dados da APIB (Articulação dos Povos Indígenas do Brasil, uma associação de entidades que representam os povos Indígenas do Brasil) e não da FUNAI (Fundação Nacional do Índio, órgão do governo ligado ao Ministério da Justiça cuja missão institucional é proteger e promover os direitos dos povos Indígenas no Brasil, incluindo aí a identificação e demarcação de terras Indígenas, além de fiscalizar e garantir a proteção dos territórios demarcados, entre outros atributos) porque a segunda considera somente os indígenas que moram em territórios oficialmente demarcados, o que negligencia tanto os Indígenas que moram nas cidades quanto o longo processo de oficialização de demarcação de terra, que o atual presidente prometeu (e vem cumprindo) congelar ainda durante a campanha para o cargo.

O processo que Ninawá chama de “governança Huni Kui” envolve desde a retomada das formas de organização políticas do povo, até o fortalecimento dos métodos tradicionais de manejo da terra, e especialmente a espiritualidade, que é o que guia seu povo. Reforçando frequentemente em nossa conversa o caráter alegre do povo Huni Kui, mesmo enfrentando diversas adversidades, Ninawá nos conta com muito ânimo dos projetos futuros para a criação de uma universidade com os saberes ancestrais de seu povo, para garantir que sua cultura e espiritualidade continuem forte e pulsantes. É uma universidade com o programa de educação Huni Kui, voltada para os conhecimentos tradicionais do nosso povo com nove áreas de formação, e com conteúdos em nossa língua materna. A intenção é criar essa universidade de formação específica nos conhecimentos tradicionais. Essa é a cooperação que a gente tem feito (junto com os povos Huni Kui que estão localizados no Peru). (…) A educação para nós não é aquela que a pessoa vai para escola cumprir oito horas de aula por dia. A nossa educação é aquela que o filho acorda com o pai falando na sua língua, vai o roçado, cuidar da árvore e do meio ambiente.

Ninawá termina a nossa conversa reforçando o compromisso em resistir e chamando os não indígenas a assumirem responsabilidade nestas lutas. “Nós estamos nos colocando à disposição para contribuir com esse país e dizer que nós estamos resistindo há 520 anos e vamos continuar resistindo…nós não temos medo, nós vamos lutar até o último Indígena que esteja em pé, defendendo aquilo que acreditamos, aquilo que queremos para as futuras gerações. Mas proteger a floresta é uma responsabilidade que não é apenas dos povos Indígenas, dos povos originários, do povo Huni Kui. Proteger a floresta, proteger a biodiversidade, é uma responsabilidade da humanidade”.

(*) Maria Clara Parente é formada em jornalismo pela PUC-Rio e pesquisa narrativas regenerativas e decoloniais. Ela é co-fundadora do projeto This is not the Truth, uma plataforma que cria vídeos e séries documentais para mudanças sistêmicas. É também colaboradora da revista digital alemã Emerge e apresentadora das séries WebColaborativa e Comendo Lixo no #Colabora.

(*) Dino Siwek é pesquisador, antropólogo e escritor trabalhando nas interações entre arte e ecologia e em modos de aprendizado que estimulem diversas sensibilidades como forma de aprofundar as possibilidades de existência no mundo. Co-fundador do projeto Terra Adentro e membro do coletivo “Gestos Rumo a Futuros Decoloniais”.

(*) Esta reportagem foi escrita a convite da Guerrilla Foundation.

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Texto produzido pelos jornalistas da redação do #Colabora.

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