Madeireiros derrubam árvores e ameaçam indígenas em Rondônia

Apreensão de madeira em terras indígenas em Rondônia: ameaça maior após eleição de Bolsonaro (Foto: Marizilda Cruppe – 17/09/2019)

Funai e Polícia Ambiental descobrem seis quilômetros de trilhas na Floresta e fazem a maior apreensão de madeira na região dos últimos três anos

Por Marizilda Cruppe | ODS 15 • Publicada em 17 de setembro de 2019 - 15:10 • Atualizada em 17 de setembro de 2019 - 22:00

Apreensão de madeira em terras indígenas em Rondônia: ameaça maior após eleição de Bolsonaro (Foto: Marizilda Cruppe – 17/09/2019)
Funai e Polícia Ambiental de Rondônia fazem a maior apreensão de madeira do ano na Terra Indígena Uru-Eu-Wau-Wau. Foto Marizilda Cruppe
Funai e Polícia Ambiental de Rondônia fazem a maior apreensão de madeira do ano na Terra Indígena Uru-Eu-Wau-Wau. Foto Marizilda Cruppe

(Campo Novo, Rondônia) – A estrada aberta a trator deixa um rastro de destruição. Nas seis esplanadas, áreas onde os madeireiros depositam as toras, repousam cento e onze cadáveres de árvores exuberantes como ipê, cedro rosa, cerejeira, angelim pedra e imbiribeira. “Os madeireiros querem só o filé, não querem ter trabalho nas serrarias e levam uma parte do tronco e desperdiçam o resto” lamenta um dos agentes diante do desmate. A lógica do roubo de madeira é bruta. Entram tratores derrubando o que vier pela frente para a caravana da destruição passar. Chegam as motosserras e colocam abaixo, em minutos, o que a natureza levou dezenas, centenas de anos para criar. Morrem as árvores, morrem os animais que delas se alimentam e os humanos sofrem as consequências do desmatamento. “Ontem fomos ver, não imaginava que a devastação era tão grande. É triste ver aquilo. Eu me sinto bastante triste” lamenta Bitaté Uru-Eu Wau-Wau, presidente da Associação Jupaú, nome pelo qual os Uru-Eu se autodenominam.

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Ontem fomos ver, não imaginava que a devastação era tão grande. É triste ver aquilo. Eu me sinto bastante triste

A terra indígena Uru-Eu-Wau-Wau é sobreposta ao Parque Nacional de Pacaás Novos. Os indígenas estavam lá antes da criação da unidade de conservação, que completa quarenta anos esta semana. A homologação da terra indígena veio, definitivamente, em 1991. Funai, ICMBio, Associação Jupaú e caciques das seis aldeias tentam uma gestão compartilhada. Os Jupaú têm sofrido com as invasões de madeireiros na região conhecida como Burareiro. “A gente se sente ameaçado, eles dizem que vão nos matar quando sairmos para a cidade e vão tacar fogo nas nossas casas” revela Bitaté, o jovem presidente de 19 anos, equivalente a um cacique geral do seu povo. O líder conta que, este ano, as invasões aumentaram muito e em áreas onde ainda não havia a concentração de madeireiros. Bitaté reuniu-se com os demais caciques para colocá-los a par da última derrubada. Os Jupaú decidiram que vão seguir com a vigilância que já vinham fazendo. Batité diz que sua maior meta como presidente da associação é buscar apoio no Brasil e no exterior para conseguir manter a vigilância do território e proteger as aldeias.

As 111 toras estavam divididas em seis esplanadas. Os madeireiros abriram 6 km de trilhas dentro da mata. Foto Marizilda Cruppe
As 111 toras estavam divididas em seis esplanadas. Os madeireiros abriram 6 km de trilhas dentro da mata. Foto Marizilda Cruppe

Apoio do ICMBio para a cubagem

A Funai pediu a ajuda do Instituto Chico Mendes para a Biodiversidade (ICMBio) para identificar e medir a madeira apreendida. As cento e onze toras somaram 327,24 metros cúbicos que foram doados para a prefeitura municipal de Campo Novo de Rondônia, distante 76 km do ponto do desmate. O secretário de obras do município, Cleomar Hellmann, empossado há 15 dias, afirma que 99% da madeira doada serão usados para a reforma de seis pontes entre a sede do município e o distrito de Rio Branco. Até agora a prefeitura conseguiu transportar apenas 40 metros cúbicos, cerca de vinte e cinco toras, por uma dificuldade logística. Falta um trator para chegar às esplanadas mais distantes. A prefeitura tenta o apoio do exército, que tem base operacional montada no distrito de Rio Branco, para a retirada da madeira. O temor dos órgãos públicos é que os madeireiros consigam retirar a madeira antes da prefeitura, por isso uma ação rápida é necessária.

Há toras de ipê de vinte metros de comprimento. Toras de cerejeira de vinte e dois metros. Agelim-pedra com mais de um metro de diâmetro. E ainda Roxinho, Agelim-coco, Abil, Garapeira, Imbireira. O metro cúbico do Ipê em tora pode custar dois mil e quinhentos reais. Depois de serrado em pranchas o valor dobra. O secretário de obras estima que a madeira doada para a prefeitura poderia ser vendida por mais de um milhão de reais depois de serrada. “Nós não vamos dar conta de usar essa madeira toda este ano. Teremos madeira para os próximos dois anos, pelo menos” atesta Cleomir.

As cento e onze toras somaram 327,24 metros cúbicos que foram doados para a prefeitura municipal de Campo Novo de Rondônia, distante 76 km do ponto do desmate. Foto Marizilda Cruppe
As cento e onze toras somaram 327,24 metros cúbicos que foram doados para a prefeitura municipal de Campo Novo de Rondônia, distante 76 km do ponto do desmate. Foto Marizilda Cruppe

Parque Nacional e Terra Indígena

O Parque Nacional de Pacaás Novos foi criado em setembro de 1979 com uma área de 764.801 hectares que abrange sete municípios e o ponto culminante do estado, o Pico do Tracoá, com 1230 metros de altura. A sede do parque, administrado pelo ICMBio, fica em Campo Novo de Rondônia. Nesta área ficam cerca de duas mil e quinhentas nascentes de rios que alimentam os grandes rios Madeira, Mamoré e Guaporé.

Os Uru-Eu Wau-Wau sofrem com as invasões em suas terras desde a década de 70 quando começou a ocupação estimulada pela ditadura militar. Na terra Uru-Eu vivem também os indígenas Amondawa e Oro Win, mais três grupos isolados, os Yvyraparakwara, os Jururey e um cujo nome ainda não é conhecido. A terra foi declarada de posse permanente dos indígenas em 1985 e mais tarde revogada, em 1990, tendo sido demarcada e homologada definitivamente em 1991. A terra indígena ocupa 1.867.117,80 hectares que estão sobrepostos ao Parque Nacional.

Marizilda Cruppe

​Marizilda Cruppe tentou ser engenheira, piloto de avião e se encontrou mesmo no fotojornalismo. Trabalhou no Jornal O Globo um bom tempo até se tornar fotógrafa independente. Gosta de contar histórias sobre direitos humanos, gênero, desigualdade social, saúde e meio-ambiente. Fotografa para organizações humanitárias e ambientais. Em 2016 deu a partida na criação da YVY Mulheres da Imagem, uma iniciativa que envolve mulheres de todas as regiões do Brasil. Era nômade desde 2015 e agora faz quarentena no oeste do Pará e respeita o distanciamento social.

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